Acórdão nº 3654/18.8T8CSC.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | ANA PAULA ALBARRAN CARVALHO |
Data da Resolução | 09 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam na 6ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa: * RELATÓRIO O Ministério Público, propôs a presente ação ao abrigo do disposto nos artºs 2º, 3º, 4º, 5º, 7º e 14º da Convenção sobre os Aspetos Civis de Rapto Internacional de Crianças, concluída em Haia a 25 de outubro de 1980, requerendo que se ordene o regresso imediato do menor N…, nascido a 31.07.2012, à República da Arménia, para junto de sua mãe, com quem a criança reside.
Alegou para o efeito e em síntese que os pais de N.. se encontram divorciados tendo, por decisão de 16.04.2018, proferida por tribunal da Arménia, sido fixada a residência da criança junto da mãe. Mais alega que, quando estava a passear com o N… e com o irmão deste, A…, o pai, H…, levou-os para lugar desconhecido sem o consentimento da mãe e contra a vontade desta. No dia seguinte apenas A.. foi entregue à mãe, tendo N.. ficado com o pai, que com ele viajou para a Federação Russa, da qual é nacional, tendo, em 16.05.2018, sido proferida por um tribunal desse país decisão segundo a qual a criança ficaria com o pai. Em 01.10.2018, N… e o pai deram entrada numa unidade hoteleira em Cascais, sem nada ter sido dito à mãe e contra a vontade desta. Em consequência a mãe de N… está impedida de exercer as suas responsabilidades parentais, nomeadamente a de cuidar da criança e tê-la consigo.
Convocado para a acção, o progenitor apresentou contestação de fls. 42 e segs e os requerimentos de fls. 92 e segs, 112 e segs, 126 e segs.
Defende, em síntese, o progenitor que a decisão da Arménia, que atribuiu a guarda do N…. à progenitora foi proferida por “um Tribunal incompetente e por fraude à lei”, que tal decisão não está abrangida pela Convenção de Haia, que não nos encontramos perante uma situação de retenção e deslocação ilícita uma vez que por decisão proferida pelo Tribunal Russo, ainda não transitada em julgado, lhe foi atribuída a guarda dos filhos e que o regresso do N… à Arménia não acautela os seus superiores interesses.
Conforme requerido ab initio pelo Ministério Público, o réu prestou declarações no âmbito do processo (cfr. fls. 40-41).
Foram igualmente arroladas testemunhas, não se tendo procedido à sua inquirição por se afigurar desnecessária para a apreciação e decisão da causa – vide despacho de 08.02.2019.
O tribunal entendeu ainda não ser necessário proceder à audição do Narek, face à questão a decidir e à idade da criança, atualmente com seis anos.
A Exma. Procuradora da República renovou integralmente o pedido formulado na petição inicial, conforme parecer de fls. 177 a 179, e de seguida foi elaborada a sentença que julgou procedente a ação e, em consequência, determinou o regresso imediato do menor N… à República da Arménia e ao domicílio da mãe.
* Não se conformando, o requerido interpôs o primeiro recurso de apelação, do despacho datado de 08.02.2019, pugnando pela sua revogação e substituição por outro que «determine a produção de todas as provas», com a consequente anulação de todo o processado posterior, incluindo a sentença.
O apelante formula as seguintes conclusões das alegações de recurso: « Conclusões I. O Tribunal não pode proferir decisões surpresas, que são nulas, com ocorreu no presente processo.
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As partes durante o desenvolvimento do litígio têm que ter condições de se manifestar e influir nas decisões dos autos, sob pena de violação do princípio de ampla defesa e do contraditório, além de violação do princípio da proporcionalidade.
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Não é lícito que o tribunal decida uma questão sem dar a oportunidade das partes se pronunciarem sobre ela.
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O Douto Despacho recorrido configura uma decisão surpresa e viola o nº 3, do art. 3º, bem como artigos 195.º e ss., todos do CPC.
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O Despacho que indefere a produção de provas, sem apresentar qualquer fundamentação de facto ou de direito, assim que não tenha sido precedido de oportunidade da parte manifestar-se sobre o mesmo é nulo, por ferir o princípio da equidade, nomeadamente nas vertentes da contrariedade e da igualdade de armas das partes.
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Uma decisão sem fundamentação de matéria de facto ou de direito é nula, por violação do princípio de ampla defesa e do contraditório, além de violação do princípio da proporcionalidade.
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E a Decisão do Douto Despacho influenciou efectivamente no julgamento da causa.
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Ao decidir desta forma o Tribunal violou os artigos 153.º e 154.º, bem como os artigos 195.º e ss., todos do CPC.
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Igualmente, antes sequer de ter se esgotado o prazo para a interposição de recurso, do Douto Despacho recorrido, que indeferiu a produção de provas (e, desta forma, influenciou o julgamento da causa), o Tribunal proferiu Sentença, o que consubstancia uma violação grave do direito de ampla defesa, contraditório, igualdade de armas e de acesso a uma decisão justa.
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O Tribunal não deve rejeitar a produção dos meios de prova pedidos para a cabal descoberta da verdade por uma das partes, muito menos sem fundamentar, de facto e de direito, os motivos do indeferimento.
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Um pedido de cooperação internacional é uma execução que exige que estejam reunidos os pressupostos estabelecidos na lei e nas convenções aplicáveis para que seja possível o seu cumprimento.
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Não pode ser satisfeito um pedido de cooperação de uma decisão que não é definitiva e que foi proferida por um tribunal internacionalmente incompetente.
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O Tribunal tem que verificar os requisitos estabelecidos na lei e nas convenções aplicáveis, para agir no caso de um pedido de cooperação internacional, nomeadamente os requisitos de exigibilidade e executoriedade da decisão (ou seja, se é uma decisão definitiva), bem como os de ordem pública internacional (se foi proferida por tribunal internacionalmente competente, se baseia-se um motivos contrários à ordem pública portuguesa, se os factos articulados são verdadeiros, etc.).
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Esta verificação pode passar pela produção de provas e no presente caso passava pela produção das provas requeridas.
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O Tribunal tem o dever de analisar se existem fraudes evidentes no processo e não pode permitir o prosseguimento de pedidos do género, sem a produção de provas, para a cabal descoberta da verdade.
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Sendo nula a decisão que indefira a produção de provas, quando face ao teor da contestação um homem médio acredite ser prudente a produção da prova em questão.
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Não existindo nenhuma das partes dos autos que domine ou sequer perceba a língua arménia é obrigatório que se determine a realização de tradução de todos os documentos apresentados nos autos.
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Ao não determinar esta tradução, toda e qualquer decisão proferida nos autos é nula, por cerceamento grave do direito de ampla defesa e do contraditório, e violação do disposto no art.º 134-º e 440.º do CPC.
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No presente processo o pai articulou vários factos para acautelar o superior interesse do menor e que são de ordem pública também, que não foram tidos em conta e dependiam de prova, nomeadamente: a). Verificar onde era a residência do menor, se houve ou não deslocação ilícita por parte da mãe, quando e como; b) Se existe uma deslocação ilícita por parte do pai, que veio para o país com base numa Sentença, que à data estava transitada em julgado; c) Se estão reunidos os pressupostos legais para a satisfação do pedido de cooperação, nomeadamente se é uma decisão definitiva, exequível, proferida por tribunal competente e que não viola a ordem pública internacional do Estado português; d) Que o menor não vivia com a mãe, que entregou à avó que sofre de esquizofrenia e não consegue assegurar condições de vida saudáveis e sem risco para o menor; e) Que a mãe preocupou-se exclusivamente em tentar extorquir dinheiro ao pai, para permitir que este visse o menor, tendo o pai entregue dezenas de milhares de euros à mãe para conseguir ver o filho; f) Que o pai facultava acesso ao filho para a mãe com uma periodicidade quase que diária; g) Que a mãe mora com outro homem, que não convive com o filho; h) Que a mãe tinha uma vida desregrada, com saídas nocturnas exageradas, e que não conseguia assegurar ao filho uma rotina tranquila e estruturada para o menor; i) Que o único objectivo da mãe é o de arrancar mais dinheiro ao pai, para manter uma vida que não tem direito; j) Que o circunstancialismo narrado pela mãe, no pedido de cooperação é falso; k) Que o convívio com a mãe e com a avó materna não eram saudáveis para a saúde emocional da criança; l) Que os valores transmitidos por estas não eram correctos e adequados, bem como que estas estavam a tentar afastar o filho do pai; m) O lugar REAL da residência e do trabalho da mãe; n) Se a mãe tem condições para manter o menor; o) Que o menor tem problemas de saúde respiratórios e estava em tratamento em Portugal, encontrando-se com substanciais melhorias clínicas; p) Que o menor preferia estar com o pai; q) Que o menor encontrava-se mais feliz, estável e saudável com o pai no pais; XX. Estas questões deveriam ter sido objecto de prova e não foram, face ao Douto Despacho de indeferimento, que maculou todo o andamento do processo, sendo nulo, como todos os actos posteriores.
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Todos estes factos e aspectos, acima narrados, eram essenciais para a descoberta da verdade, para aferir a legalidade e veracidade do pedido de cooperação, para acautelar o superior interesse do menor e impedir a violação da ordem pública internacional do Estado português.
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Mas o Tribunal não permitiu a produção destas provas.
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A Decisão em causa é nula, por ser uma decisão surpresa, que não deu a possibilidade da parte se pronunciar e se defender, que não tem qualquer fundamentação de facto ou de direito, que viola o princípio da ampla defesa e do contraditório, do acesso ao direito e aos tribunais, da igualdade de armas e da proporcionalidade.
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Tendo sido pedida a intervenção do processo, do Consulado do país da nacionalidade da criança (neste caso o Consulado Russo), no âmbito da protecção diplomática, o Tribunal está obrigado a permitir a intervenção em causa.
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O Tribunal violou os seguintes...
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