Acórdão nº 13774/19.6T8LSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução09 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados.

A 04/07/2109, A, dando-se como locatário financeiro da fracção autónoma L no edifício sito na Rua S, intentou um procedimento cautelar comum contra o respectivo Condomínio, requerendo que o tribunal determinasse que o Condomínio lhe entregasse imediatamente a chave ou o dispositivo que actualmente são utilizados para a abertura da porta de acesso à piscina exterior do edifício e que se abstenha de qualquer outra forma de comportamento que impossibilite o acesso à mesma piscina por parte dos utilizadores da fracção autónoma, mesmo em caso de evento fortuito que obrigue a nova mudança da fechadura ou do sistema de acesso a esta última (para além de pedir que o Condomínio fosse condenado numa sanção pecuniária compulsória).

O requerente alega, para além do mais e em síntese, que (i) no contrato de locação financeira se comprometeu perante o proprietário da fracção autónoma a defender, por sua conta, a integridade da mesma e o seu uso”; (ii) no dia 11/01/2019, realizou-se uma assembleia geral dos condóminos do edifício que votaram uma deliberação no sentido de que os inquilinos das fracções ocupadas com alojamento local – que é o caso da fracção referida - não tivessem acesso à piscina, ao mesmo tempo que se criava uma contribuição adicional de 30% a suportar por eles; (iii) teve conhecimento desta deliberação por se ter feito representar na AG; (iv) depois de receber uma comunicação do advogado do requerente contra a deliberação em causa, o Condomínio mudou a fechadura da única porta de acesso à piscina exterior do edifício e não comunicou ao requerente este último facto, nem lhe facultou a nova chave, nem nenhum outro dispositivo de acesso à mesma piscina, impedindo o acesso a ela aos utilizadores da fracção autónoma, subarrendada a uma empresa; (v) esta empresa já lhe comunicou a intenção de lhe exigir o ressarcimento de todos os prejuízos que já sofreu e que vier a sofrer, causados pela impossibilidade de acesso à piscina; (vi) o requerente é proprietário de uma outra fracção que também está subarrendada, não podendo entregar a chave da porta de acesso à piscina ao subarrendatário por não a ter; (vii) esta actuação do Condomínio é violadora do direito do proprietário das fracções em causa ao uso da piscina exterior do edifício (art. 1406/1 do Código Civil), ou das pessoas a quem este proporcione o seu gozo através da locação (art. 1022 do CC).

O Condomínio deduziu oposição: (i)- impugnou a aplicabilidade do procedimento cautelar comum, já que o requerente pretende pôr em causa uma deliberação da AG de condóminos de 11/12/2019; ora, o artigo 388 do Código de Processo Civil prevê um procedimento cautelar específico para o caso de um condómino pretender a suspensão de uma deliberação; e o artigo 362/3 do CPC dispõe que não são aplicáveis as providências cautelares não especificadas "quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por algumas das providências tipificadas no capítulo seguinte"; o procedimento cautelar não pode ser convolado (ao abrigo do art. 376/3 do CPC) no procedimento específico da suspensão, por ter caducado o direito que o requerente alegadamente teria de a instaurar: com efeito, nos termos do disposto no artigo 380, n.ºs 1 e 3, do CPC o sócio que pretenda que a execução das deliberações seja suspensa deve requerê-lo no prazo de 10 dias a contar da data da assembleia em que as deliberações foram tomadas, a não ser que para esta não tenha sido regularmente convocado, por aplicação directa no artigo 383; ora o requerente foi regularmente convocado para aquela AG e nela esteve, inclusivamente, representado, pelo que teria de ter instaurado o respectivo procedimento cautelar até ao dia 21/01/2019; (ii)- excepcionou a impossibilidade de o requerente instaurar a acção principal de que o procedimento cautelar depende, qual seja, o da anulação da deliberação social em causa, porque também já está esgotado o prazo de 20 dias para o efeito, a contar desde a data de realização da AG; o que o impede também de requerer a suspensão da deliberação.

(iii)- excepcionou a ilegitimidade do requerente; ele é locatário financeiro e o Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira, regulado no DL 149/95, de 24/06, não prevê qualquer legitimidade judicial ao locatário financeiro para, por si, requerer a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.

(iv)- impugnou a utilidade ou ausência de objecto da providência requerida, por já se ter consumado a lesão grave ou dificilmente reparável que o requerente invoca, pois que a deliberação é datada de 11/01/2019; para além de que os prejuízos que o requerente invoca se verificariam apenas na esfera dos subarrendatários (sendo que a deliberação não abrange um destes).

(v)- excepcionou o facto de o requerente ter estado representado na AG e ter votado favoravelmente o ponto 4 da ordem de trabalhos, que compreendia a análise sobre a utilização das fracções para alojamento local, bem como, disciplinar a utilização dos espaços comuns do edifício pelos utilizadores turísticos; resultou dessa deliberação, aprovada por maioria com um voto contra, o impedimento na utilização da piscina pelos utilizadores do alojamento local, em resumo motivado pelo sistemático barulho, acumulação de lixo (garrafas de álcool) e distúrbios ocasionados pelos turistas nas horas de repouso dos residentes.

(vi)- impugnou uma série de factos, por não ter conhecimento ou serem falsos, e os documentos juntos; entre o mais diz que nunca se negou a entregar qualquer chave; apenas cumpre uma deliberação da assembleia; o facto de o requerente não ter uma chave será apenas porque não está a habitar o locado; o que pretende é violar a deliberação da assembleia permitindo a entrada de turistas para utilizar a piscina.

(vii)- excepciona a existência de um dano no seu direito da personalidade superior ao direito alegado pelo requerente, tendo os moradores actuado por intermédio de deliberação em AG a fim de o evitar.

O requerente respondeu o seguinte às excepções: 1.

– O ponto 4 da ordem de trabalhos da AG tinha a seguinte redacção: “Deliberação sobre a utilização das fracções para Alojamento Local”.

  1. – Como é evidente, para um declaratário normal colocado na posição do requerente, esta declaração não encerra um sentido tão amplo que seja susceptível de abranger a disciplina da utilização dos espaços comuns do edifício pelos utilizadores turísticos e a proibição destes últimos acederem à piscina.

  2. – Ora, a pessoa nomeada pelo requerente para o representar na AG não tinha poderes para votar em seu nome o que não constava da ordem do dia.

  3. – Consequentemente, não é verdade que o requerente tenha votado favoravelmente a deliberação tomada nessa AG sob o ponto 4 da ordem do dia.

    Inaplicabilidade da providência requerida e caducidade 5.

    – Nos termos do disposto no artigo 1433/1 do CC, “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado” e art. 1433/5 admite a possibilidade de “ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo”.

  4. – Se este regime se aplica às deliberações anuláveis, já não é verdade que se aplique às deliberações nulas.

  5. – As deliberações tomadas pela assembleia de condóminos que infrinjam normas imperativas, por visarem a prossecução de interesses indisponíveis e de ordem pública, são nulas.

  6. – Estão neste caso as deliberações que recusem ou proíbam qualquer condómino de utilizar as partes comuns do edifício, de que ele é comproprietário (artigo 1420/1 do CC) – neste sentido, Abílio Neto, Manuel da Propriedade Horizontal, 3ª Edição, Outubro de 2006, Ediforum, pág. 343, nota 1 ao artigo 1433 do CC.

  7. – Também estão neste caso as deliberações que fixem um adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns e, ao mesmo tempo, proíbam a utilização de partes comuns aos atingidos pela medida (artigo 20-A do DL 128/2014, de 29/08, na redacção da Lei 62/2018, de 22/08).

  8. – Bem como as deliberações dos condóminos que proíbam a utilização de fracções autónomas do edifício como unidades de alojamento local, ressalvados os casos de hospedagem (hostels)” (artigo 4/4 daquele diploma legal).

    Consequentemente, 11.

    – A deliberação dos condóminos sobre o ponto 4 da ordem de trabalhos é nula, e não anulável, por violar disposições legais de natureza imperativa.

  9. – A nulidade existe de per se, é invocável a todo o tempo por qualquer interessado, pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal e não é susceptível de sanação decorrente da caducidade do exercício de qualquer direito.

  10. – Acresce que o requerente, apesar de se encontrar legitimado, pelo locador das fracções de que é locatário no edifício, para defender, por sua conta, a integridade do imóvel e o seu uso, não é condómino. 14.

    – Por estas razões, a providência cautelar especificada prevista nos artigos 380 e seguintes do CPC, não é aplicável no caso dos autos.

  11. – E o direito do requerente invocar a nulidade da deliberação referida não é susceptível de extinção por caducidade.

    Quanto à acção principal 16.

    – A acção principal a propor, no caso de não se vir a verificar a inversão do contencioso, não será a de anulação das deliberações da assembleia de condóminos, prevista no artigo 1433/4 do CC - pelo que não lhe é aplicável o prazo de caducidade previsto nesta última norma -, mas uma acção de processo comum, com o fim da mera apreciação da existência ou inexistência do direito.

    Ilegitimidade do requerente 17.

    – Nos termos do estipulado na cláusula 6.ª/3 das condições gerais do contrato de locação financeira, constante do documento complementar, o locatário “compromete-se… a defender, por sua conta, a integridade do imóvel e o seu...

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