Acórdão nº 797/17.9JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução11 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1. No processo comum com intervenção do tribunal colectivo com o n.º 797/17.9JACBR, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria Juízo Central Criminal de Leiria - Juiz 1, foi o arguido A., sujeito a julgamento mediante acusação do MP que lhe imputou a prática dos seguintes crimes: (…) 2. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi em 13 de Maio de 2019 proferido acórdão, com o seguinte dispositivo (transcrição parcial): “Pelo exposto e decidindo: 1.Julgando a acusação deduzida contra o arguido A. parcialmente procedente por provada este Tribunal Colectivo condena-o: A. Pela prática, como autor material de um crime de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo art. 176.º - A do Código Penal na pena de 9 [nove] meses de prisão; B. Suspende a execução da pena de 9 [nove] meses de prisão pelo período de 1 [um] ano sujeita a regime de prova a elaborar pela D.G.R.S.P.; C. Condena o arguido A. na medida de interdição de actividades pelo período de 18 [dezoito] meses – art. 100.º do Código Penal; 2.Julgando a acusação deduzida parcialmente improcedente por não provada, este Tribunal Colectivo: D. Absolve o arguido A. da prática, como autor material um crime de pornografia de menores agravado, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), 177.º, n.º 6 e 14.º, todos do Código Penal e o manda nesta parte em Paz.

E. Absolve o arguido (…) da prática, como autor material de um crime de pornografia de menores, previsto e punível pelos artigos 176.º, n.º 5, 14.º, todos do Código Penal e o manda nesta parte em Paz.

(…)” * 3. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): «1. O recorrente, que não se conforma com a decisão recorrida, sindica a mesma de FACTO, desde logo pela insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, não tendo o Tribunal indagado e conhecido os factos que podia e devia com vista a decisão justa, nos termos do art.º 410º, n.º 2 al. a) e, por outro lado, (fruto de erro de julgamento) impugna a decisão proferida sobre matéria de facto, nos termos do art.º 412º n.º 3 e n.º 4. Todos C.P.P..

  1. Incorreu também o Tribunal a quo em erro de DIREITO, quando julgou erradamente por preenchido o tipo objectivo e subjectivo do crime de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo Art.º 176-A, do Código Penal, a par de ter incorrido na falta de fundamentação da sentença quanto a este crime, 3. sem desconsiderar, na senda recursória do arguido em matéria de direito, que o tribunal a quo incorreu, também, em erro de aplicação da medida de interdição de actividade do art.º 100.º do CP.

    , tendo, ainda por cima, incorrido na falta de fundamentação da medida ao omitir o juízo de perigosidade e de prognose póstuma exigível para a aplicação de uma medida de segurança.

  2. Violando as normas estatuídas nos art.ºs 14.º, 71.º; n.º 1; 176º-A; 100º, n.º 1 a 4 do CP; 124º; 323, al) a); 340º; 374, n.º 2, al) a); 379, n.º 1, al) a); 410.º do CPP e art.ºs 18, n.º2; 47º e 58º da C.R.P.

  3. Quanto à INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA – Art.º 410º, n.º 2 al. a) do C.P.P, refere-se no douto arrento do TRL, de 29-03-2011: “O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.410, nº2, al. a, CPP), verifica-se quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer (sublinhado nosso), nos termos do art.358, nº1, CPP, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção.”, Disponível in dgsi.pt.

  4. Tal como, em tempo, a Relação de Coimbra já decidiu (in sumário do Acórdão de 14-01-2015, proferido no Proc. 72/11GDSRT.C1, disponível in dgsi.pt.) “A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas …Os factos provados e não provados que devem constar da fundamentação da sentença são todos os factos constantes da acusação e da contestação, os factos não substanciais que tenham resultado da discussão da causa e os factos substanciais resultantes da discussão da causa e aceites nos termos do artigo 359º do CPP.” 7. O tribunal está vinculado ao princípio da investigação ou verdade material que se traduz no poder-dever que ao tribunal incumbe de esclarecer e instruir autonomamente, mesmo para além das contribuições da acusação e da defesa, o “facto” sujeito a julgamento, criando aquele mesmo as bases necessárias à decisão.

  5. Tendo em consideração o(s) crime(s) pelo qual o arguido vinha acusado e aquele pelo qual, a final, viria a ser condenado - como autor material de um crime de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo art. 176–A do Código Penal, sem especificar se o foi pelo n.º 1 ou pelo n.º 2 daquele preceito legal, impunha-se ao tribunal a quo, com base neste princípio (princípio da investigação ou verdade material) uma posição diferente, mais critica, relativamente à prova, porque se trata de um crime doloso onde o tipo subjectivo contém uma intenção (VISANDO) de realização de um resultado que não faz parte do tipo.

  6. Mais uma razão que impunha ao tribunal a quo, com base no referido princípio, um exame crítico DE TODA A prova, nela se incluindo a documental existente nos autos, mas também as declarações do arguido e da própria ofendida, sob pena de se desconhecer, como é o caso, como operou o processo de formação da convicção do tribunal, ou seja, onde formou o tribunal a quo a convicção da intenção associada ao tipo subjectivo de ilícito.

  7. O tribunal a quo, na matéria de facto dada como provada, limitou-se a transcrever os factos constantes da acusação, sem qualquer sentido critico sobre os mesmos e sem atender aos elementos de provas existentes no processo, ou seja, totalmente à revelia do princípio da investigação ou verdade material - que decorre entre outros do artigo 323º al a) e 340º do CPP.

  8. Senão vejamos: o Tribunal a quo fundamenta que: “Decorre desta (da factualidade assente por provada), de forma abundante, diremos, que efectivamente o arguido cometeu o tipo de crime pelo qual se encontra acusado. Tal resulta inequívoco de toda a ponderação global dos factos praticados pelo arguido, expressa e explanada detalhadamente nos postos “13” e seguintes dos “Factos Provados” (…), para depois concluir que o arguido: “agiu de forma livre, deliberada e consciente, donde com dolo directo (art. 14º, n.º 1 do Código penal) donde se tem por assente a comissão do tipo criminal de aliciamento de menores para fins sexuais, previsto e punido pelo art. 176.º - A do Código Penal”. 9.1. Mas desconsiderou (e não sabemos por que razão) todo o contexto, toda a narrativa e mensagens trocadas entre arguido e ofendida, já que parte significativa das mensagens a que aludem o n.º 13º e seguintes dos factos provados estão descontextualizadas, e, ainda, porque razão o tribunal a quo não se debruçou sobre todas as mensagens enviadas pela ofendida ao arguido, constante da factualidade documentada (relatório de fls. 206 a 248); 9.2. A factualidade documentada a fls. 206 a 248, por onde se infere que o arguido, por várias vezes, e por diversas razões, rejeitou e colocou entraves a um qualquer encontro com a ofendida, não anuindo aos pedidos de encontros e visitas propostos pela própria ofendida, essenciais à afirmação do dolo (da intenção), não foi julgada, avaliada e objecto de crítica ou juízo, quando a mesma era fundamental e imprescindível à formação da convicção do tribunal com vista a firmar o tipo subjectivo de ilícito quanto ao dolo, quanto à intenção do arguido. 9.3. Nem teve em consideração as declarações do arguido e da própria ofendida.

  9. Não foi analisada de forma crítica toda a prova (documental e declarações) necessária ao apuramento da verdade, cujo exame conjugado com a restante prova produzida se impunha, de modo a ser perceptível o modo como o tribunal a quo formou a sua convicção quanto ao elemento subjectivo do tipo.

  10. Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. No caso concreto, haveria de ser possível perceber, no limite, onde formou o tribunal a quo a convicção da intenção associada ao tipo. O que não sucede na sentença em crise, uma vez que o Tribunal se alheou por completo desse seu poder-dever.

  11. Das mensagens trocadas entre arguido e ofendida, APENAS ALGUMAS (as constantes da acusação) constam dos factos n.ºs 13ª e seguintes, tendo ficado de fora da factualidade dado por assente, mas constantes da prova documenta, por falta de exame crítico e juízo valorativo da prova, à revelia do poder-dever investigatório do tribunal as seguintes mensagens: A) As remetidas pela ofendida ao arguido, de mote próprio, sem qualquer interpelação, convite ou acção do arguido, propondo-lhe encontro, provocando-o e instigando-o, tal como resulta dos episódios: “(…).

  12. As quais se nos afiguram fundamentais, por obediência ao principio da verdade material, plasmado no art.º 340.º do CPP, para aferir do processo cognitivo do tribunal, que se bastou quanto à intenção do tipo (visando) com a afirmação de que é “óbvio o que já se pisou e repisou na transcrição efectuada”.

  13. Da análise de toda a troca de mensagens dos dias 9/11/2017; 10/11/2017; 11/12/2017; 12/11/2017, de fls. 206 e seguintes, resulta, que o arguido nunca propôs à ofendida qualquer acto sexual específico, que ambos efectivamente diziam um ao outro que se queriam ver, sem nunca especificarem, combinarem agendarem um local, hora, esquema de encontro, pormenorizando o mesmo, resultado apenas uma linguagem, digna de critica social mas não com idoneidade penal para o...

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