Acórdão nº 205003/10.1YIPRT.1.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 18 de Dezembro de 2019
Magistrado Responsável | MANUEL CAPELO |
Data da Resolução | 18 de Dezembro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Execução de Alcobaça - Juiz 2 – e na execução em que é exequente Auto J..., S.A., e executados T... e A..., o tribunal, em 28-05-2019, proferiu despacho indeferindo a continuação da instância para realização da venda de casa de habitação da executada que havia sido requerida pela exequente.
Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso concluindo que: “A) O disposto no artigo 244.º do CPPT apenas obsta à venda do imóvel afecto à habitação própria e permanente do executado e/ou do seu agregado familiar, desde que essa venda ocorra no âmbito de uma execução fiscal; B) O disposto no n.º 1 do artigo 794.º do CPC deve ser interpretado no sentido de que se a penhora anterior houver sido realizada à ordem de execução em que o exequente se encontre impedido de promover a respectiva venda por força do disposto no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, a execução no seio da qual se realizou a penhora em segundo lugar deverá prosseguir os seus termos normais, com a venda coerciva do bem imóvel; C) A execução cível no seio da qual foi penhorada a habitação própria e permanente do executado pode prosseguir a sua marcha normal, sem embargo de lhe preceder penhora anterior realizada em sede de execução fiscal, porquanto o disposto no artigo 794.º do CPC não se mostra aplicável, antes se impondo a citação da Fazenda Pública para reclamar créditos, os quais se graduam no lugar que lhes competir; D) O despacho recorrido violou, por incorrecta interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 2.º, 10.º, n.º 4 e artigo 794.º, n.º 1 do C.P.C., bem como o n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, os artigos 18.º, 20.º e 62.º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa, o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e da União Europeia, e ainda o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.” Não houve contra-alegações.
Cumpre decidir.
Fundamentação Os factos que servem a decisão são as constantes do relatório, nomeadamente: - Em 12.02.2018 a recorrente requereu que “Junto remeto certidão permanente do imóvel penhorado nos presentes autos.
Contudo verifica-se que se encontram registadas penhoras anteriores das Finanças e Segurança Social, o que ao abrigo do disposto no art. 794 do CPC determina a sustação da execução quanto a esse bem.
Desconhecem-se outros bens pertença dos executados.
Acontece, porém, que o dito imóvel está afecto como habitação própria e permanente da executada T..., o que nos termos do art.º 244º, nº 2 do CPPT, na redacção conferida pela Lei nº 13/2016, de 23.5, impede a venda pela Fazenda Nacional na tramitação da execução fiscal (com penhora prioritária), de nada valendo ao exequente ir aí reclamar o seu crédito.
Face ao exposto e tendo presente a jurisprudência que vem sendo produzida pelos tribunais superiores, a título exemplificativo o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2017 (Processo 1420/16.4T8VIS- B.C1) disponível em www.dgsi.pt, solito a V/Exa. que se digne ordenar o prosseguimento dos autos para a venda do imóvel respectivo nesta execução, o que a confirmar-se, proceder-se-á́ a citação da Fazenda Nacional e Segurança Social para reclamarem créditos nesta execução, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado em posterior sentença de graduação, nada alterando, na opinião do signatário, as garantias quer da Fazenda Nacional quer da Segurança Social.” - Na sequência deste requerimento o tribunal recorrido proferiu o despacho: “Decidiu-se no acórdão do tribunal da Relação de Coimbra datado de 24.10.2017 e disponível no sítio da internet www.dgsi.pt que “[a] Administração Fiscal não pode promover na situação de penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda. Porém, o credor cuja execução foi sustada e posteriormente extinta em consequência de essa sustação ter sido integral, por existência de penhora anterior em execução fiscal, onde o bem não pode ser vendido, não pode renovar o prosseguimento da sua execução para venda do bem. Nestes termos, a execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre os posteriores, não se permitindo que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.” Idêntica posição é defendida por J H Delgado Carvalho, com a colaboração de Miguel Teixeira de Sousa, in As alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2016, de 23/5, no Código de Procedimento e de Processo Tributário e na Lei Geral Tributária e as suas repercussões no concurso de credores publicado no Blog do IPPC em 11.7.2016.
No caso dos autos, mantém-se penhora anterior e não há conhecimento de que aquela execução fiscal se mostre extinta, pelo que somos de entendimento da aplicação da boa doutrina do aresto. E se é certo que este tribunal tem conhecimento da celeuma jurisprudencial e doutrinária em torno deste tema, mas perfilhando do entendimento que acabamos de expor, decide-se indeferir a requerida continuação da instância para realização da venda de casa de habitação da executada.”.
Além de delimitado pelo objecto da acção, pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (arts. 635 nº3 e 4 e 637 nº2 do CPC).
Na observação destas prescrições normativas concluímos que o objecto do recurso incide sobre saber se assiste à recorrente direito ao prosseguimento da presente execução comum com vista à satisfação integral do seu crédito, não obstante existir penhora com registo anterior sobre o mesmo bem a favor da Autoridade Tributária, no âmbito de processo de execução fiscal.
O Tribunal recorrido decidiu indeferir o requerimento de prosseguimento destes autos de execução comum e a recorrente insurge-se contra esta decisão, protestando que existindo um impedimento legal à venda do imóvel nas execuções fiscais, a não se admitir o prosseguimento desta execução, fica a mesma sujeita a uma intolerável compressão do exercício do seu direito à satisfação do seu crédito, além de que sempre ficaria submetida às vicissitudes próprias da suspensão da execução fiscal, determinada por aquele impedimento legal, sem que tenha a possibilidade de, por via dos competentes mecanismos legais, promover ou requerer o prosseguimento da execução fiscal.
Sabendo que a questão é controversa, existindo posições divergentes, quer na doutrina, quer na jurisprudência importa sublinhar que no quadro legal relevante para a apreciação e decisão da questão em apreço sobreleva nº 2 do art. 244º do CPPT, nos termos do qual, em sede de execução-fiscal, penhorado o imóvel que constitua a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar (verificados os restantes...
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