Acórdão nº 62/17.1T9FAL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19 de Dezembro de 2019
Magistrado Responsável | CARLOS BERGUETE COELHO |
Data da Resolução | 19 de Dezembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.
RELATÓRIO Nos autos em referência, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal de Beja do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o Ministério Público deduziu acusação contra SS e PP, imputando-lhes a prática dos seguintes crimes, em concurso efetivo: - ao arguido PP, de (i) 10 (dez) crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art. 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal (CP), em coautoria com a arguida SS; (ii) 2 (dois) crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, alínea a), do CP, a que são aplicáveis as sanções acessórias previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo preceito legal; (iii) 1 (um) crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152.º-A, n.º 1, alínea c), do CP; e (iv) 2 (dois) crimes de maus tratos a animais de companhia, p. e p. pelo art. 387.º, n.ºs 1 e 2, do CP, a que são aplicáveis as sanções acessórias previstas no art. 388.º-A, n.º 1, do CP; - à arguida SS, de (i) 10 (dez) crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art. 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea e), do Código Penal (CP), em coautoria com o arguido PP; (ii) 2 (dois) crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, alínea a), do CP, aos quais são aplicáveis as sanções acessórias previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo preceito legal; e (iii) 1 (um) crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152.º-A, n.º 1, alínea c), do CP.
Foi atribuído o estatuto de vítima especialmente vulnerável a AA e a EE, a quem foram nomeados Patronos para os representarem, ao abrigo da Lei n.º 112/2009, de 16.09.
O Ministério Público requereu que, em caso de condenação, os arguidos fossem igualmente condenados a pagar a título de compensação por danos não patrimoniais a cada uma das vítimas quantia nunca inferior a € 10 000,00 para cada um deles, ao abrigo dos arts. 16.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 130/2015, de 04.09 (Estatuto da Vítima), 82.º-A, do Código de Processo Penal (CPP), e 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16.09 (Regime Jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica).
O arguido apresentou contestação, na qual ofereceu o merecimento dos autos e arrolou prova testemunhal.
A arguida apresentou contestação segundo a qual refutou a prática dos crimes que lhe eram imputados e alegou que o menor AA, devido à doença de que padece, apresenta uma personalidade manipuladora, fantasia e efabula situações de pretensos maus tratos, razão por que as suas declarações não correspondem à realidade. Arrolou prova testemunhal.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, designadamente tendo sido assegurado aos arguidos o contraditório com respeito ao pedido de arbitramento de indemnizações.
Proferido acórdão, decidiu-se, além do mais: - julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acusação pública e, em consequência: - absolver os arguidos SS e PP da prática de dez crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo art. 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), do CP; - absolver os arguidos da prática de um crime de maus tratos, p. e p. pelo art. 152.º-A, n.º 1, alínea c), do CP; - condenar a arguida SS pela prática de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, alínea a), do CP, nas penas parcelares de 3 (três) anos de prisão, quanto à menor EE, e de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto ao menor AA; - em cúmulo jurídico, condenar a arguida na pena única de 6 (seis) anos de prisão; - condenar o arguido PP pela prática de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), e 2, alínea a), do CP, nas penas parcelares de 3 (três) anos de prisão, quanto à menor EE e, de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, quanto ao menor AA e, pela prática de um crime de maus tratos a animais de companhia, p. e p. pelo art. 387.º, n.º 2, do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão; - em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; - condenar os arguidos nas penas acessórias de frequência de programas específicos de violência doméstica, em ambiente prisional, nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do CP; - condenar o arguido na pena acessória de proibição de detenção de animais de companhia pelo período de 2 (dois) anos, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 388.º-A, do CP; - condenar os arguidos a pagar ao menor AA, a título de indemnização arbitrada oficiosamente, a quantia de € 10 000,00 (dez mil euros); - condenar os arguidos a pagar à menor EE, a título de indemnização arbitrada oficiosamente, a quantia de € 10 000,00 (dez mil euros).
Inconformados com tal decisão, o Ministério Público e os arguidos interpuseram recursos, formulando as conclusões: I - Ministério Público: 1.ª A arguida SS foi acusada pela prática, em concurso efectivo, de: - Dez crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1 e n.º 2, alínea e), do Código Penal; - Dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), n.º 2, alínea a), n.º 4, n.º 5 e n.º 6, do Código Penal; - Um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
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O arguido PP, por sua vez, foi acusado pela prática, em concurso efectivo, de: - Dez crimes de sequestro agravado, p. e p. pelo artigo 158.º, n.º 1 e n.º 2, alínea e), do Código Penal; - Dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), n.º 2, alínea a), n.º 4, n.º 5 e n.º 6, do Código Penal; - Um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea c), do Código Penal.
- Dois crimes de maus-tratos a animais de companhia, p. e p. pelos artigos 387.º, n.º 1 e n.º 2, e 388.º-A, n.º 1, do Código Penal.
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Realizado o julgamento, o tribunal colectivo do Juízo Central Cível e Criminal de Beja decidiu: a) Absolver os Arguidos da prática dos dez crimes de sequestro agravado; b) Absolver os Arguidos da prática do crime de maus tratos; c) Condenar a Arguida SS pela prática de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, nas penas parcelares de 3 anos de prisão, quanto à menor EE, e de 4 anos e 6 meses de prisão, quanto ao menor AA; d) Em cúmulo jurídico, condenar a Arguida na pena única de 6 anos de prisão; e) Condenar o Arguido PP pela prática de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, nas penas parcelares de 3 anos de prisão, quanto à menor EE, e de 4 anos e 6 meses de prisão, quanto ao menor AA; f) Condenar o Arguido PP pela prática de um crime de maus tratos a animais de companhia, p. e p. pelo artigo 387.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão; g) Em cúmulo jurídico, condenar o Arguido na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão; h) Condenar os Arguidos nas penas acessórias de frequência de programas específicos de violência doméstica, em ambiente prisional, nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal.
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O Ministério Público entende que: - Os factos que envolvem o menor AA devem ser punidos pela moldura penal do crime de sequestro agravado [artigos 152.º, n.º 1, parte final, e 158.º, n.º 1 e n.º 2, alínea e), do Código Penal]; - Deve haver uma diferenciação na penalização dos arguidos pelos crimes de sequestro agravado, em que é ofendido o menor AA, e de violência doméstica, em que é ofendida a menor EE; - O arguido PP deve ser condenado na pena acessória de proibição de contactos com a menor EE.
Com efeito, 5.ª Ficou provado que o menor AA é filho da arguida SS e de RS, nasceu a 23 de Janeiro de 2004 e padece de síndrome de asperger, que os arguidos mantêm uma relação marital desde Junho de 2015, e que os arguidos, de forma livre, voluntária e consciente, entre os dias 1 Junho de 2015 e 13 de Agosto de 2017, em múltiplas ocasiões, agrediram fisicamente e insultaram o menor AA, ataram-lhe as mãos e os pés com fita adesiva e, dessa forma, confinaram-no ao interior do seu quarto durante várias horas, e entre 1 de Junho de 2017 e 13 de Agosto do mesmo ano, obrigaram-no a realizar trabalhos de construção civil inapropriados para a sua idade e para a sua capacidade física, privando-o, frequentes de vezes, de almoço.
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Diante deste quadro factual, não restam dúvidas de que o crime de violência doméstica e que é ofendido o menor AA integrou a prática de factos que, isoladamente considerados, preenchem os pressupostos típicos dos crimes de ofensa à integridade física qualificada [artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 132.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código Penal], de injúria [artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal], de maus tratos [artigo 152.º-A, n.º 1, alínea c), do Código Penal] e de sequestro agravado [artigo 158.º, n.º 1 e n.º 2, alínea e), do Código Penal].
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Sendo o crime de sequestro agravado punido com pena de 2 a 10 anos de prisão, é pela sua prática que os arguidos devem ser condenados relativamente aos factos que envolvem o menor AA por força do princípio da subsidiariedade [v. a parte final no artigo 152.º, n.º 1, do Código Penal].
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Ao considerar que o crime de sequestro agravado está consumido pelo crime de violência doméstica e que, por conseguinte, os arguidos incorrem na pena abstracta estabelecida no artigo 152.º, n.º 2, do Código Penal, o douto acórdão violou o princípio da subsidiariedade e o disposto nos artigos 152.º, n.º 1, parte final, e 158.º, n.º 1 e n.º 2, alínea e), do Código Penal.
Por outro lado, 9.ª Perante os elementos de facto atinentes à culpabilidade, ao grau de ilicitude e às exigências de prevenção que se destacam na decisão recorrida, justifica-se que aos arguidos sejam aplicadas as seguintes penas:
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Arguida SS: - 6 anos de prisão pelo crime de sequestro agravado em que é ofendido o menor AA; - 3 anos e 6 meses de prisão pelo crime de violência doméstica em que é ofendida a menor EE; - 7 anos e 6 meses de...
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