Acórdão nº 171/16.4PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução09 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.

Secção Penal I – RELATÓRIO No processo comum singular n.º 171/16.4PBGMR do Juízo Local Criminal de Guimarães, Juiz 4, da comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos J. M. e A. R., com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 28 de março de 2019 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julga-se a acusação, procedente, por provada e, consequentemente: Parte crime:

  1. Condena-se o arguido J. M., como autor material, de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º1, 204.º, n.º 2, al. e) por referência ao artigo 202.º, al. d) todos do Código Penal, na pena de 02 (dois) anos 02 (dois) meses de prisão efectiva.

  2. Condena-se o arguido A. R., como autor material, de um crime de receptação p. e p. pelo artigo 231.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

  3. Condena-se os arguidos, ainda, no pagamento de 04 UC´s de taxa de justiça, e demais encargos do processo.

    Notifique.

    Proceda-se ao depósito da presente sentença (artº 372º, nº5º, do CPP). * Remeta, após trânsito, boletim à D.S.I.C..»*Inconformado, o arguido A. R. interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões: «1. O arguido ora recorrente foi acusado e condenado pela prática do crime de receptação previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 231.º do CP; 2. O preenchimento deste tipo legal verifica-se, na sua vertente objetiva, com a aquisição ou recebimento, a qualquer título, de coisa que, em razão da sua qualidade e preço, bem como da condição de quem lhe oferece, gera uma suspeita razoável (juízo formulado pelo homem medianamente sagaz e diligente) de que provém de facto ilícito típico contra o património, sem que o agente se assegure, de antemão, da sua legítima proveniência.

    Em sede de elemento subjetivo, divergem os autores entre a configuração deste tipo de crime como de dolo eventual OU negligente.

    3. A jurisprudência maioritária dos tribunais superiores vem acolhendo a tese de que o crime de receptação é de natureza exclusivamente dolosa, sendo o tipo previsto no n° 2 de natureza dolosa eventual - Nesse sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 2009.09.14 (proc. N.º 869/02.4PBGMR), Relação de Coimbra de 2005.04.27, da Relação do Porto de 2003.05.07, Relação de Lisboa de 2002.07.02, Relação do Porto de 2007.11.28, Relação de Lisboa de 2010.04.13 e da Relação do Porto de 2013.04.03 (proc. N.º 310/12.4TDPRT.P1), Relação de Évora de 12.09.2017 (proc. N.º 252/15.1PBSTR.E1), entre outros.

    4. Todavia, não foi este o sentido que o Tribunal recorrido interpretou a referida norma jurídica, como se transcreve do enquadramento jurídico-penal da douta sentença: “Por contraposição com a previsão do crime de receptação dolosa do nº 1 do art. 231º, afigura-se que a utilidade da punição autónoma do nº 2 só encontra expressão se ai se integrar as condutas negligentes, em que perante a qualidade da coisa, a condição de quem oferece a coisa, o montante do preço proposto é exigível que o homem médio colocado na posição do agente averigúe da sua legítima proveniência.” (negrito nosso), 5. Não concordamos com tal interpretação normativa, porquanto o crime de receptação previsto e punível pelo artigo 231ºdo CP é de natureza dolosa, sendo que no n.º 1 exige-se o dolo específico e no n.º 2 prevê-se o ilícito cometido com dolo eventual, 6. Estatui o artigo 13.º do Código Penal que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, por negligência.”.

    Ora, no caso do 231º n.º 2 do CP a sua punição a título de negligência não está especialmente prevista em nenhuma norma, 7.

    Nulla poena sine lege, princípio segundo o qual só são criminalmente puníveis os comportamentos como tais definidos na lei, 8. O artigo 9º, n.º 3, do Código Civil, estatui que “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”, 9. Tendo em conta o grau acrescido de certeza e definição que deve ter a lei penal e o princípio hermenêutico de que o intérprete deve presumir que o legislador se exprimiu “em termos adequados”, caso o legislador tivesse pretendido prever um tipo negligente no n.º 2 do artigo 231º, do Código Penal, tê-lo-ia afirmado de modo a não deixar dúvidas, 10.Acresce que, o dever de informação incumbido ao agente não é compatível com a configuração negligente do tipo, nos casos em que aquele atua com negligência inconsciente. O dever de informação só se coaduna com os casos em que o agente suspeita da proveniência ilícita da coisa, pois só aí se compreende que sobre ele impenda um especial dever de informação acerca dela, dever que não existe para o comum das transações comerciais, 11.Por conseguinte, em sede de elemento subjetivo, o agente, além de representar intelectualmente as demais circunstâncias do elemento objetivo do tipo, representa, ainda, a possibilidade de os bens serem de proveniência ilícita (típica contra o património), conformando-se com essa possibilidade, 12.Pelo explanado, entendemos que o crime de receptação previsto no artigo 231.º n.º 2 do Código Penal contém um tipo doloso, não podendo o agente ser punido a título negligente, como ocorreu no caso em apreço.

    13.Os factos provados (em concreto os pontos 6, 9 e 10) não integram todos os elementos do crime de receptação previsto e punível pelo artigo 231.º nº 2 do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado: “6. O arguido A. R. integrou os objectos no seu património, não obstante ter motivos para suspeitar da sua proveniência ilícita, atento o valor reduzido pelo qual adquiriu os bens, quando comparado com o seu valor real, sendo do seu conhecimento esse mesmo valor, porquanto eram instrumentos que utilizava na sua profissão.” “9. (…); e o arguido A. R. agiu livre e deliberadamente, com o propósito concretizado de fazer seus os objectos supra referenciados, adquirindo-os a um preço muito inferior ao seu valor de mercado, sem previamente se assegurar da sua proveniência, não obstante ter razões para suspeitar da origem ilícita dos mesmos.” “10. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.”, 14.Os referidos factos dados como provados integram apenas a negligência inconsciente, faltam os factos que permitiriam integrar o dolo, mesmo na sua modalidade de dolo eventual; 15.Quer na douta acusação não estão descritos esses factos, quer na douta sentença não estão provados tais factos referentes aos elementos subjetivos do crime em apreço, nomeadamente o conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, a livre determinação do agente e a vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, 16.“A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal.” – Vide AUJ n.º 1/2015 (publ. DR 18 série I de 2015-01-27; 17. Por outro lado, também não ficou provado (nem como “não provado”, pois não veio descrito na acusação) que o arguido suspeitou que os bens advinham de facto ilícito típico contra o património.

    18.A letra da lei não deixa margem para dúvidas ao indicar no número um do artigo 231º “a facto ilícito típico contra o património” e ao indicar no número dois que quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber… coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, “faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património”, 19.O crime de receptação p. e p. pelo art. 231.º do CP não se basta com o conhecimento por parte do agente, caso da modalidade prevista no número um, ou com a suspeita por parte do agente, caso da modalidade constante do número dois, de que a coisa tem origem ilícita, sendo necessário que o agente tenha conhecimento ou suspeite, consoante os casos, que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património, Neste sentido vide Acórdão da Relação de Guimarães de 28-01-2019 (proc. 562/16.0GBVLN.G1); Acórdão da Relação de...

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