Acórdão nº 7779/18.1T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelISA
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra I- Relatório 1.

Em 16/10/2018, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Cível de Coimbra – M...

, residente na Rua ..., instaurou ação especial de interdição por anomalia psíquica de I...

, sua irmã, nascida a 8.7.1941, solteira, residente na mesma morada.

Para o efeito alegou, em síntese, que a requerida, de que requerente é a sua única irmã viva, devido à anomalia psíquica de que padece, se encontra incapaz de governar a sua pessoa e bens.

Por via dessa incapacidade pediu, no final, que fosse decretada a interdição da requerida e lhe fosse nomeado um tutor.

  1. Ordena a publicidade da ação e a citação da requerida, esta, todavia, não pode efetuar-se, em virtude da última se encontrar, devido a doença psíquica de que padece, impossibilitada de a receber (e conforme foi atestado na certidão negativa, lavrada em 16/11/2018).

    Por via disso, pelo despacho de 13/12/2018 foi (nos termos do estatuído, a esse propósito, no artº 894º, nº 1, do CPC na redação então em vigor) nomeada/designada uma curadora provisória à requerida e ordenada a citação da mesma para, em representação da última, contestar a ação.

    Citação essa que veio a ocorrer em 17/12/2018.

  2. Decorrido o prazo legal fixado para o efeito, sem que que aquela curadora tivesse apresentado qualquer contestação, em 11/02/2019 foi proferido despacho do seguinte teor: « Cite o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 21º, aplicável ex vi art. 895º, n.º 2 do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, que cria o regime jurídico do maior acompanhado, a qual é imediatamente aplicável ao presente processo – art. 26º, n.º 1 da referida Lei.

    » 4. Na sequência dessa citação (para assumir a defesa da requerida), o MºPº, através do seu requerimento datado de 15/02/2019, veio, em representação da requerida, apresentar a sua defesa nos seguintes termos: « 1.º Atenta a entrada em vigor do regime jurídico do maior acompanhado, a qual é aplicável aos processos pendentes, nos termos do disposto no artigo 26.º n.º 1 da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, a legitimidade para requerer o acompanhamento passa a ser do maior impossibilitado ou mediante a sua autorização, do cônjuge, do unido de facto ou de qualquer parente sucessível, de acordo com o estatuído no artigo 141.º, n.º 1 do Código Civil.

    1. O que, in casu, não se verifica.

    2. Quando o maior impossibilitado não possa requerer o seu acompanhamento, a sua autorização pode ser suprida, devendo o pedido de suprimento da autorização do beneficiário ser cumulado com o pedido de acompanhamento, tal como dispõe o citado preceito nos n.ºs 2 e 3.

    3. O que aqui, igualmente, não sucedeu, em virtude da data de propositura da acção ser anterior à entrada em vigor do novo diploma.

    4. Por outro lado, a requerente tão-pouco comprovou documentalmente a identidade da beneficiária e a sua legitimidade para requerer o acompanhamento, na ausência de cônjuge ou unido de facto.

    5. Pelo que não se podem aceitar os factos vertidos no requerimento inicial. (…) » Pelo que, com base nos fundamentos por si alegados, terminou pedindo que a requerente fosse convidada a pedir o suprimento da autorização da beneficiária, caso esta não possa autonomamente requerer o seu acompanhamento, bem como a juntar certidão do seu assento de nascimento a com a tramitação legal subsequente dos autos.

  3. Respondeu a requerente, pugnando pela sua legitimidade, sem necessidade de (no caso destes autos) ser pedida ou suprimida a autorização da requerida para o seu acompanhamento.

    Porém, a assim não ser assim entendido, pediu que essa autorização (dada falta de discernimento da requerida para a dar) fosse suprida judicialmente (à luz do artº. 141º, nº 2, do CC, na redação que lhe foi entretanto introduzida por aquela pela Lei nº 49/2018).

    Juntou ainda assento do seu nascimento (sendo que o da requerida já constava dos autos).

  4. Em 26/03/2019 foi proferido despacho que indeferiu aquela pretensão do MºPº, nos termos e com a fundamentação cujo teor se deixa transcrito: « (…) Da necessidade de pedido de suprimento de autorização da beneficiária Face à entrada em vigor do Regime Jurídico do Maior Acompanhado, aplicável aos processos pendentes, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da necessidade de autorização do beneficiário ou, na falta desta, do seu suprimento.

    Vejamos.

    Os presentes autos de interdição foram instaurados no dia 16-10-2018.

    Salvo o devido respeito por opinião contrária, os pressupostos processuais e condições de procedibilidade estão verificados, à luz do regime legal então vigente, anterior à entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, em 10 de Fevereiro de 2019.

    Efectivamente, o art. 26º da citada Lei n.º 49/2018, dispõe que: “1 - A presente lei tem aplicação imediata aos processos de interdição e de inabilitação pendentes aquando da sua entrada em vigor.

    2 - O juiz utiliza os poderes de gestão processual e de adequação formal para proceder às adaptações necessárias nos processos pendentes.

    3 - Aos atos dos requeridos aplica-se a lei vigente no momento da sua prática (…)”.

    Ora, a interpretação que se faz da referida disposição legal é a de que a referida lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes, devendo o juiz, ao abrigo dos poderes de gestão processual e adequação formal proceder às necessárias adaptações, em função do estado processual em que se encontrem. A referida lei não tem efeito retroactivo, sendo aplicável apenas a actos futuros em processos pendentes, de harmonia com a regra da adequação formal. Não há assim, salvo melhor opinião, efeitos retroactivos e lugar à anulação de actos praticados ou à exigência subsequente de pressupostos que vieram a ser estabelecidos pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto.

    Concretamente, em relação ao consentimento do beneficiário para o processo de acompanhamento, ou ao respectivo suprimento, entendo que o mesmo não é exigível, porquanto o não era, à data da instauração da presente acção. A Requerente tinha, então, legitimidade para instaurar a acção, independentemente do consentimento da Requerida – agora beneficiária.

    Pelo exposto, indefiro o requerido.

    Notifique.

    » 7. Prosseguiram os autos com a tramitação legalmente prevista, à luz do regime do acompanhamento de maior consagrado pela sobredita lei, com a audição da requerida/beneficiária (que, todavia, se revelou não ser possível dado o seu estado de demência psíquica) e da realização de exame pericial à mesma.

  5. Seguiu-se a prolação sentença que, no final, – e após antes ter aí, de forma tabelar, considerado a regularidade da instância, nomeadamente quanto à legitimidade das partes - decidiu nos seguintes termos: « - 1) decreto o regime de acompanhamento de I...

    , com a aplicação da medida de representação geral – art. 145º, n.º 2, alínea b) do Código Civil.

    2) nomeio como acompanhantes da beneficiária: * a sua sobrinha A...

    , na vertente pessoal, competindo-lhe o acompanhamento pessoal da Beneficiária, com a tarefa de prestar todos os cuidados pessoais que são ou venham a ser necessários para a sua saúde e bem-estar e * L...

    , casado com I..., sobrinha da Beneficiária, na vertente patrimonial, o qual deverá assegurar a gestão e administração do património da Beneficiária, bem como a sua representação perante quaisquer entidades.

    3) nos termos e para os efeitos do disposto no art. 145º, n.º 4, dispenso a constituição do conselho de família; 4) considerando que o início da patologia foi fixado em 22 de Junho de 2018, a presente medida tornou-se conveniente desde essa data – art. 900º, n.º 1 do C.P.C.

    5) a medida de acompanhamento ora estabelecida será revista no prazo de 5 (cinco) anos – art. 155º do Código Civil; (…).

    » 9.

    O MºPº dela interpôs recurso de apelação dessa sentença, concluindo as suas alegações de recurso nos...

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