Acórdão nº 1099/17.T9BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelARMANDO AZEVEDO
Data da Resolução25 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1.

No processo nº 1099/17.6T9BGC, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, Juízo Local Criminal de Bragança, a assistente M. A.

, deduziu acusação contra as arguidas R. M. e E. M., todos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a perpetração, em autoria material, de um crime de difamação p. e p. pelos artigos 180º, nº 1 e 183º, nº 1 al. b) do C. Penal.

  1. As arguidas requereram instrução, a qual foi admitida, tendo a final sido proferido despacho de não pronúncia.

  2. Não se conformando com a mencionada decisão de não pronúncia, dela interpôs recurso a assistente M. A., formulando as seguintes conclusões [transcrição]: 1. Apesar de, no exercício das suas funções, bem conhecer o clima de litigiosidade existente entre a assistente e seus irmãos, por um lado, e a arguida R. M., por outro, o Sr. Juiz a quo, sem que tal resulte da factualidade indiciada, sem dizer em que meio de prova suporta a afirmação, sem dar à Assistente a possibilidade de exercer o contraditório, afastando-se do objecto do processo, abusivamente afirma que arguida era “companheira do Interditando”, no sentido de que seria sua “concubina” ou os mesmos manteriam uma união de facto.

  3. Para além de deixar bem vincado o seu PROTESTO por tal afirmação, a Assistente argui a nulidade da afirmação do Sr. Juiz, por excesso de pronúncia, atendendo a que a mesma não está suportada em qualquer meio de prova ou, pelo menos, o Sr. Juiz não o indica. Consequentemente, deve tal expressão ser riscada da decisão de não pronúncia.

  4. Em 06-06-2017, depois de a arguida R. M., patrocinada pela arguida E. M., ter levado o pai da Assistente, então já absolutamente incapaz de entender e querer, a consigo se casar e a outorgar-lhe testamento deixando-lhe a quota disponível, atravessou requerimento no processo de Interdição n.º 87/17.7T8BGC, que arguida E. M., na qualidade de mandatária da Arguida R. M. e em seu nome, redigiu e subscreveu, no qual consta: a.

    “a indicada tutora está incapaz de, cuidar de si própria” b.

    “nunca privou com o pai” c. “Acrescenta-se ainda, que estes filhos (a Assistente M. A. e seu irmão F. J.) deixaram casal, D. R. M. e Sr. F. J., sem as batatas que estes colheram, sem o azeite que colheram, sem os seus veículos comprados na constância da união de facto, mesmo assim e com ajudas, ainda continuam vivos e a defenderem-se”.

  5. Afirmaram as arguidas que a indicada tutora está incapaz de cuidar de si própria o que, no contexto, quer significar que a Assistente tem problemas psicológicos ou psiquiátricos, que não tem e nunca teve, apesar de a arguida R. M., sabe agora a Assistente, nas suas costas a apelidar de “maluqinha”.

  6. Se a Assistente requereu escusa do cargo de depositário, invocando problemas físicos e doença de origem nervosa era porque, tendo mais de 70 anos, no uso de um direito que a Lei lhe confere, não queria gerir um casal agrícola com mais de 200 prédios rústicos e com 2 empregados permanentes.

  7. No processo de interdição apenas estava em causa a nomeação de tutora para exercer as funções de “pai e mãe” de seu pai. E para isso, a Assistente que é professora do ensino secundário, embora reformada, sendo ela própria quem ajuda a cuidar dos netos, tinha e tem condições físicas e psíquicas mais do que suficientes.

  8. Como as Arguidas bem sabem.

  9. Com a expressão quiseram as Arguidas significar que a Assistente está maluca, no vulgar sentido do termo, como em julgamento se demonstrará.

  10. Apelidar alguém de maluco é factual, naturalmente ofensivo, o que as arguidas bem sabem e quiseram.

  11. Por outro lado, afirmam as Arguidas que a Assistente “nunca privou com o pai”.

    Não privar com o pai significa, em linguagem vulgar, em linguagem comum, desprezar o pai. Mas se for consultado um dicionário de língua portuguesa de referência, privar significa “viver na privança de” e o vocábulo “privança” significa “estado do que é favorito ou válido, intimidade, amizade”.

  12. Pelo que “não privar” significa não ser amigo, não ter intimidade, rectius, e no contexto, desprezava o pai.

  13. O que a arguida R. M. e sua Advogada bem sabem não ser verdadeiro pois que a Assistente não só visitava o pai com regularidade, como telefonava com muita frequência a indagar do seu estado, como ainda sempre esteve a seu lado aquando dos internamentos hospitalares, ou seja, com ele privava no sentido corrente e técnico do termo.

  14. É objectivamente ofensivo da honra e consideração que são devidas à Assistente afirmar-se que esta não privava com seu pai, seja o de que desprezava o seu pai, o que bem sabem não ser verdadeiro.

  15. As arguidas quiseram ofender ou, no mínimo, admitiram como possível que, ao usar a expressão, iriam ofender a Assistente na honra e consideram que lhe é devida, enquanto filha que muito prezou o pai e por quem sempre teve muito respeito e admiração, o que era recíproco, ou sejam, agiram dolosamente.

  16. Quanto à última expressão, “Acrescenta-se ainda, que estes filhos deixaram casal, D. R. M. e Sr. F. J., sem as batatas que estes colheram, sem o azeite que colheram, sem os seus veículos comprados na constância da união de facto, mesmo assim e com ajudas, ainda continuam vivos e a defenderem-se”, devidamemte contextualizada, significa que a Assistente se apoderou de bens que a Arguida R. M. dizia serem seus, o que bem sabia não corresponder á verdade, como confessou na acção de petição de herança, contra a vontade de quem, no entender das Arguidas, era o seu proprietário. O que configura crime de furto.

  17. A Assistente nada teve que ver com a apreensão dos bens feita em processo de arrolamemto, que não requereu e no qual não teve intervenção activa, e, por isso, não deixou e não podia deixar seu pai e nem a arguida R. M. e “sem as batatas que estes colheram, sem o azeite que colheram”, como as Arguidas bem sabiam.

  18. De resto, bem sabem as Arguidas que o pai da Assistente tinha em contas bancárias mais de 1.000.000€ e, por isso, ainda que fosse verdade que ficaram sem batatas e azeite, o que só por facilidade de raciocínio se admite, tal quantia chegaria e sobraria para comprar todos os víveres de que necessitassem, podendo a arguido R. M. movimentar as contas.

  19. Jamais podem as Arguidas afirmar que ficaram “sem os seus veículos comprados na constância da união de facto” pois que, como bem sabem, nenhuma união de facto existia sendo certo que os veículos foram todos eles, sem excpeção, como a Arguida R. M. confessou, comprados com dinheiro da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe da Assistente.

  20. Por outro lado, o veículo de marca Mercedes, registado em nome da arguida R. M. e pago com dinheiro da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito da mãe da Assistente, jamais foi apreendido.

  21. A expressão em causa é altamente ofensiva da honra e consideração que são devidas à Assistente, ofensa essa procurada pela Arguidas ou, no mínimo, previram como possível que, ao usarem tal expressão, punham em causa tais valores e, apesar disso, não se abstiveram de a usar, conformando-se com o resultado.

  22. Agiram, pois, dolosamente.

  23. Face ao exposto, têm as Arguidas de ser pronunciadas pelos factos e com a incriminação constante da acusação particular, acompanhada pelo MP, devendo serem considerados indiciados os seguintes factos não indiciados: a) O descrito em 6. a) e c) é falso, bem assim o sabendo a Arguida R. M., a qual, apesar da consciência da falsidade das imputações que fez não se coibiu de o denunciar; b) A Assistente tinha plenas condições para o bom desempenho do cargo para o qual foi nomeada; c) A Arguida R. M. bem sabia, e sabe, que a Assistente é capaz de proteger, zelar, orientar, responsabilizar-se por quem quer que seja, como é plenamente capaz de gerir e cuidar de si própria, pois é completamente autónoma e com claro discernimento; d) Com o teor das afirmações transcritas no ponto 6. c), R. M. imputou à aqui Assistente e seu referido irmão, ainda que sob a forma de suspeita, vários crimes de furto, que bem sabia não existirem; e) A mandatária, Sr.ª Dr.ª E. M., ao transferir para a peça processual mencionada no ponto 5.

    aquilo que lá consta, sabia que propalava factos inverídicos; f) Pois vem intervindo como Advogada da aqui Arguida R. M., patrocinando-a nos vários processos judiciais, designadamente em outros processos que não os supra mencionados, que correm termos na Comarca de Bragança, sendo conhecedora das questões que originaram tais processos - quais sejam a anulação do casamento do pai da Assistente, a interdição de seu pai por incapacidade de gerir a sua pessoa e bens e a designação da ofendida como sua curadora provisória.

  24. Foram subvertidas as regras do ónus da prova em processo penal ao não se presumir que um ser humano tem natural capacidade de entender e querer. Se dúvidas houvesse a tal respeito, como em processo penal vigora o princípio da verdade material, incumbia ao Juiz, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º 340º do CPP, certificar-se de tal realidade, bastando-lhe, para tanto, ouvir em declarações a Assistente.

  25. Considerou o Sr. Juiz a quo que “não basta a pronúncia de palavras ou expressões que constituam falta de educação, ou indelicadeza para estarmos perante um crime de injúrias; é necessário mais do que isso: que tais palavras ou expressões ofendam a honra e consideração do seu destinatário”. O que é verdade.

  26. No entanto, as expressões em causa, para além de demonstrarem a má educação de quem as proferiu, expressam factos – a assistente está maluca, desprezou o pai, apoderou-se do que era do pai e da Arguida R. M. – que são altamente ofensivos da honra e consderação que são devidas à Assistente enquanto ser humano que é.

  27. Sendo o dolo um fenómeno do mundo interior e, por isso, impossível de apreensão directa, salvo confissão do agente, tem o mesmo de se extrair da materialidade indiciada.

  28. Quem imputa os factos referidos - a assistente está maluca, desprezou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT