Acórdão nº 1418/06.0TBCVL-E.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelFALC
Data da Resolução26 de Novembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I - A) – 2«[…] A A., P..., divorciada, residente na ..., veio intentar acção declarativa comum, contra o R., J..., divorciado, residente na Rua ...

Alega que correu termos pelo 2º Juízo da extinta comarca da Covilhã, sob o processo nº ..., inventário para separação de meações, no qual foram partes os aqui Autora e Réu, processo instaurado na sequência que decretou o divórcio entre ambos e destinou-se a partilhar o património conjugal.

O Réu desempenhou no processo de inventário as funções de cabeça-de-casal e nessa qualidade prestou compromisso de honra de bem desempenhar as funções de cabeça de casal e nas declarações que prestou referiu que contraiu casamento com a aqui Autora em 16/8/2003, em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos.

Todo o processo de inventário correu os seus trâmites no pressuposto de que Autora e Réu foram casados um com o outro no regime de comunhão de adquiridos.

A partilha efectuada em tal processo e as decisões nele tomadas pelas partes (ou, pelo menos, pela Autora), assentaram no pressuposto de que Autora e Réu foram casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos.

Sucede que os aqui Autora e Réu foram casados um com o outro sob o regime de separação de bens.

O mandatário signatário desta petição só interveio no processo de inventário já após a fase de reclamação contra a relação de bens, pelo que pressupôs que o anteriormente processo se mostrava conforme, não se lhe representando sequer como possível que o cabeça-de-casal tivesse prestado falsas declarações quanto ao regime de casamento.

A Autora, por seu turno, confiava nos ilustres mandatários que até então a patrocinaram, pelo que estava absolutamente convencida de que o inventário estava a ser processado correctamente, não tem formação jurídica e estava convicta de que o seu regime de casamento era o de comunhão de bens adquiridos.

Só tomou consciência que foi casada com o Réu no regime de separação de bens posteriormente à citação para os termos da acção de divisão de coisa comum instaurada pelo Réu, com vista à divisão do imóvel que tinha sido objecto do aludido processo de inventário, quando lhe foi explicado pelo mandatário signatário que, afinal, não havia casado com o Réu no regime de comunhão de adquiridos, mas, sim, no regime de separação de bens.

No inventário para separação de meações a que se vem aludindo foram objecto da partilha aí formalizada diversos bens móveis, um veículo automóvel, um prédio urbano e passivo.

Os bens móveis, o veículo e o imóvel foram objecto de licitação, na sequência e por efeito da qual foram adjudicados ao Réu. No que concerne ao passivo, parte foi aprovado por Autora e Réu e parte não foi aprovado pela Autora.

Foi ulteriormente elaborado o mapa de partilha, em observância do decidido na conferência de interessados e proferida sentença homologatória da partilha.

O Réu intentou, entretanto, contra a qui Autora acção de divisão de coisa comum, que corre termos pelo Juízo Local Cível da Covilhã – Juiz 1, sob o processo nº ..., que tem, precisamente, por objecto o prédio urbano relacionado e partilhado nos autos de inventário para separação de meações a que se vem aludindo.

Nessa acção o “Banco S..., S.A.”, na qualidade de credor hipotecário, veio reclamar o seu crédito sobre Autora e Ré, emergente do financiamento que lhes concedeu para compra do prédio urbano objecto da acção de divisão de coisa comum. Tal crédito também foi objecto do inventário para separação de meações, tendo sido aí aprovado por Autora e Réu.

A partilha efectuada no referido inventário para separação de meações incidiu, assim, sobre bens que não eram património comum do ex-casal formado por Autora e Réu e sobre passivo que só podia ser objecto daquele processo se estes tivessem sido casados um com o outro em regime que não o de separação de bens. Mais: os negócios jurídicos em que se traduziu a conferência de interessados tiveram, assim, um objecto legalmente impossível e contrário à lei. Dispõe o artigo 2123º do Código Civil, aplicável, por analogia, à partilha para separação de meações, que “se tiver recaído sobre bens não pertencentes à herança, a partilha é nula nessa parte (…)”. Por seu turno, prescreve o nº 1 do artigo 280º do mesmo código que “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrario à lei ou indeterminável”.

A este respeito refere o Acórdão da Relação de Coimbra de 8/3/2016 (proferido no processo nº 1419/15.8T8FIG.C1, pesquisado em www.dgsi.pt), que “incidindo na sentença homologatória (da partilha) sobre um encontro de vontades decorrente da conferência de interessados, será de fazer relevar e prevalecer este acordo e não a autoridade do caso julgado, sendo assim defensível a aplicação das regras de ineficácia e de invalidade próprias dos negócios jurídicos (…)”, aplicando- se, assim, em matéria de declaração da ineficácia da partilha as regras gerais dos negócios jurídicos (artigos 286º e seguintes do CC), “(…) sendo que a declaração de ineficácia global tem como consequência fazer extinguir, retroactivamente (…) os efeitos próprios da partilha, repondo a situação de indivisão (…)”.

Mais: as falsas declarações prestadas pelo cabeça-de-casal no aludido processo de inventário no que concerne ao regime de casamento consubstanciam a prática de crime, previsto e punível nos termos do preceituado no artigo 348º-A do Código Penal.

As declarações prestadas pelo cabeça-de-casal, aqui Réu, na medida em que consubstanciam à prática de ilícito criminal, são nulas, pelo que, consequentemente, são nulos todos os actos processuais subsequentemente praticados no processo de inventário.

A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal – artigo 286º do Código Civil, e tem efeito retroactivo – artigo 289º, nº 1, do Código Civil.

Formula o seguinte pedido: julgar-se a presente acção procedente, por provada, declarando-se nulas as declarações de cabeça-de-casal prestadas no processo de inventário supra identificado, e todos os subsequentes actos processuais praticados nesse processo e, assim, a partilha aí efectuada, com todas as legais consequências.

*Regularmente citado, contestou o réu, referindo, desde logo, que a verdade dos factos é distinta da versão apresentada pela autora.

Invoca a prescrição do direito da autora.

Quando o Réu pretendeu fazer o registo em seu nome, da fracção que licitou e lhe foi adjudicada nos termos do processo em causa e após ter liquidado junto da Repartição de Finanças da Covilhã o adequado imposto, tomou conhecimento que não podia efectuar o registo em virtude de constar na inscrição predial que estava casado no regime da separação de bens.

Situação esta que muito o surpreendeu, já que o Réu sempre pensou que estava casado no regime da comunhão de adquiridos, ao longo do processo de divórcio e do inventário, ninguém, mas ninguém, suscitou a questão do regime de bens, pelo que o Réu mais reforço a ideio de que o regime de casamento era o do regime da comunhão adquiridos.

Face a tal situação, o Réu intentou a adequada acção de divisão de coisa comum, a correr seus termos sob o nº ..., no 1º juízo Local Cível da Covilhã, tendo a Autora sido citada para a referida acção em 30/11/2016, tomando assim conhecimento em tal data do teor da referida acção e consequentemente da questão relacionada com o regime do casamento.

Por outro lado, quer no âmbito do processo de divórcio, quer no âmbito do processo de inventário, a Autora praticou vários actos e nunca colocou a questão do regime de bens, para além de terem sido tomadas várias decisões, inclusive do Tribunal da Relação de Coimbra, não tendo sido suscitada a questão do regime de bens.

Ou seja, todos os intervenientes e por lapso, consideravam e estavam convictos que o regime de bens do ex-casal era o regime da comunhão de adquiridos. Ora, pretende a Autora dar sem efeito a partilha realizada alegando para o efeito a sua nulidade e as falsas declarações.

Tal conforme a Autora muito bem sabe o meio por si utilizado não é o adequado e admitido em termos processuais para a resolução da questão.

Conforme resulta do C.P.C. em vigor á prática dos factos, a Autora só tinha ao seu dispor dois meios processuais para resolver a questão: recurso extraordinário de revisão e a emenda á partilha. No caso em apreço e não se verificando os requisitos que permitiam o recurso extraordinário de revisão e sendo claro que estamos na presença de um claro erro que determina inclusive a qualificação dos bens, deveria a Autora recorrer a emenda à partilha P e P no artigo 1387 do C.PC em vigor à data dos factos.

Tal conforme refere R. Capelo de Sousa “…vamos no sentido de defender que os erros de descrição ou de qualificação dos bens partilhados dão lugar a emenda á partilha por si...

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