Acórdão nº 220/12.5TBSEI-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra Relatório No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda - Juízo de Competência Genérica de Seia - Juiz 1 – a Associação A..., executada no processo principal, veio opor-se à execução mediante embargos de executado, invocando a excepção de não cumprimento pelo facto de a transacção homologada por sentença emergirem obrigações para ambas as partes, exequentes e executada, sendo legítimo a esta recusar a sua prestação, mais concretamente a segunda parte da prestação (por a primeira já ter sido cumprida), enquanto os exequentes não cumprirem a sua, a saber, a rectificação, no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer da respectiva Conservatória do Registo Predial, por referência aos prédios referidos na cláusula 1 da aludida transacção.

Na contestação os exequentes alegam que o legal representante da executada não compareceu na reunião agendada com vista à regularização do cadastro predial nos serviços competentes, o que abalou a confiança depositada na transacção alcançada; que a obrigação que sobre si recaí, decorrente da referida transacção, não tem qualquer prazo, o que os legitima apenas a cumprir a sua obrigação após o cumprimento integral da obrigação da executada. Sustentaram ainda que a executada actua em abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprium. Por fim, alegam que o exequente J... dirigiu-se ao Serviço de Finanças, bem como à Conservatória do Registo Predial de ... para regularizar a situação, o que lhe foi negado por o documento justificativo para o acto estar bastante confuso, situação que lhes é alheia. Por fim, salientaram que o irmão do referido exequente, M..., é comproprietário de dois dos prédios.

Realizada a instrução dos autos a embargante apresentou articulado superveniente, que foi admitido, no qual invocou que já após a apresentação dos embargos recepcionou duas cartas de dois comproprietários de um dos prédios cuja área os exequentes se comprometeram a rectificar, nas quais os mesmos referem não autorizarem tal rectificação, o que impossibilita os embargados de cumprirem a sua obrigação.

Os exequentes/embargados apresentaram resposta alegando que sempre se apresentaram como comproprietários dos referidos terrenos, o que era do conhecimento da embargada no momento da aceitação da transacção.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a embargante concluindo que: “ 1) O Tribunal a quo não aplicou a excepção de não cumprimento por entender que a obrigação dos Recorridos não se encontra vencida e assim não ser exigível, pelo facto de a Recorrente não ter alegado nem demonstrado que procedeu à interpelação dos Recorridos para cumprirem a sua obrigação.

2) Tal argumento que não foi alvo de discussão e o Tribunal a quo não deu oportunidade à Recorrente de se pronunciar, o que constituiu uma decisão surpresa.

3) Ao decidir assim, o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º, n.º 3.º do CPC.

4) Acresce que foram os Recorridos que declararam antecipadamente não reunirem as condições para cumprirem a obrigação, quer por razões de ordem objectiva quer por razões de ordem subjectiva.

5) Os Recorridos reconhecerem que não cumpriram a sua obrigação devido ao facto de “o documento justificativo para aquele ato de correcção das confrontações e áreas, neste caso a sentença, está bastante confuso e que dessa forma não se pode dar início ao procedimento de reclamação cadastral de modo a corrigir a matriz predial” (cf. art. 29 da Contestação).

6) Daqui sempre resultaria que a contraprestação não é devida.

7) Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 401.º, n.º 1 do CC.

8) Tanto é impossível a obrigação que a primeira sessão da Audiência Prévia foi suspensa por 45 dias para permitir aos Recorridos procederem à rectificação quer no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer ainda da respectiva Conservatória do Registo Predial.

9) Frise-se que esta Audiência teve lugar cerca de 3 anos após a celebração da transacção que criou na esfera jurídica dos Recorridos a obrigação a ser cumprida.

10) Por outro lado, os Recorridos reconheceram que não têm legitimidade para cumprir a sua obrigação e que o cumprimento da sua obrigação está dependente de terceiros (três comproprietários).

11) E dois dos comproprietários remeteram cartas a declarar que não autorizam qualquer alteração da área ou das confrontações do imóvel em causa – Cf. Factos Provados n.º 8 e 9.

12) Tendo-se tornado do conhecimento de todos os intervenientes – Partes e Tribunal – que dois dos comproprietários de quem depende o cumprimento da obrigação dos Recorridos opõem-se expressamente à realização dos actos necessários, impossibilitando o cumprimento da obrigação! 13) Pelo que é claro que os Recorridos não reúnem as condições para cumprirem a sua obrigação.

14) Ainda que assim não se entenda sempre seria aplicável a excepção de não cumprimento invocada pela Recorrente.

15) E assim e porque desde logo os próprios Recorridos reconheceram que estão em incumprimento.

16) Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo está a violar o artigo 428.º do CPC.

Nestes termos, deve o presente recurso ser procedente, revogando-se a sentença e, consequentemente, ser julgada procedente a acção.” Nas contra alegações os embargados defenderam a confirmação da decisão recorrida.

Cumpre decidir.

Fundamentação O tribunal em primeira instância julgou provada a seguinte matéria de facto: “ 1 – Nos autos de execução para pagamento de quantia certa de que estes constituem apenso foi apresentado como título executivo sentença homologatória de transacção, proferida no dia 4 de Fevereiro de 2016, transitada em julgado, no âmbito da acção principal de processo ordinário n.º ..., que J... e F... moveram contra «E..., S.A» e em que foi admitida a intervenção principal provocada da Associação A...

2 – A transação referida em 1) tem o seguinte teor: “1- Os autores reconhecem que os seus prédios melhor identificados na matéria de facto assente sob as alíneas A), C) e E) têm na extremidade nascente como limite a Estrada Nacional nº 230, sendo que o prédio da interveniente Associação dos A... melhor descrito na matéria de facto assente sob a alínea J), correspondente ao artigo matricial ..., que confronta do poente também ele com a mesma Estrada Nacional 230 e prolonga-se até à linha de cumeada, aí confrontando com o limite da freguesia de ...; 2- Mais acordam que as parcelas de terreno C), A) e E) da Estrada Nacional 230 para cima e até à linha de cumeada fazem parte integrante do prédio melhor descrito na al. J) da matéria de facto assente; 3- A interveniente Associação dos A..., a título de compensação e de molde a pôr termo ao presente litígio, aceita entregar aos autores a quantia global de 90.000,00 €, a qual será paga da seguinte forma: a) 45.000,00 € até ao final do mês de Fevereiro do ano em curso; b) O remanescente será pago até ao final do mês de Maio do ano em curso.

4- As quantias a que acima se fez referência serão pagas pela interveniente Associação dos A... aos autores, através de transferência bancária para o IBAN disponibilizado pelos autores para o efeito: ...

5- Autores e réus declaram que o acordo a que ora chegaram tem como referência o levantamento topográfico efectuado pelo Sr. Perito L..., página 13 do relatório e fls. 453 dos autos, tendo autores e réus se socorrido do referido levantamento constante na supra referida página 13; 6- Os autores obrigam-se a proceder, por força do presente acordo, à competente rectificação, quer no que à área e confrontação diz respeito, quer junto da competente repartição de Finanças, quer ainda da respectiva Conservatória do Registo Predial, por referência aos prédios referidos na cláusula 1 – A), C) e E) da matéria de...

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