Acórdão nº 2709/18.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE DOS SANTOS
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO CAIXA (…), com sede em (..) instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra (…) e (…), pedindo que, na procedência da acção: a) se declare a nulidade da venda judicial de 1/9 dos referidos 4 prédios, realizada em 12.09.2016, a favor da autora, na execução n.º 483/03.7TBCMN; b) ordenar-se o cancelamento do registo de propriedade de 1/9 desses 4 prédios, efetuado a favor da autora pela Ap. 2851 de 2017/05/18 incidente sobre os prédios urbanos descritos no registo predial sob os n.ºs 1769 e 1770, da freguesia de ... e sobre os prédios rústicos descritos no registo predial sob os n.ºs 1781 e 1782 dessa mesma freguesia; c) condenar-se a 1.ª ré a restituir à autora a quantia de € 14 739,02, correspondente ao preço pago pela autora e recebido por essa ré por efeito dessa venda judicial, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da adjudicação até efetivo e integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que adquiriu 1/9 de 4 prédios em sede da execução especial n.º 483/03.7TBCMN - B, juízo de família e menores de Viana do Castelo, juiz 1. Sucedendo que tal aquisição configura uma venda de bem alheio, tendo sido remetida pelo Tribunal Superior da Relação de Guimarães para acção própria de apreciação da nulidade decorrente dessa venda. A venda em causa é de bem alheio na medida em que o executado, ora réu, já em 27.10.2009 havia transmitido aquele 1/9 dos 4 prédios aos réus A. M. e mulher, logo a penhora do mesmo na referida execução n.º 483/03.7TBCMN não poderia ter sido efetuada. Mais, a penhora realizada nessa execução foi, pois, feita erradamente, pois que, na realidade, a essa data, não existia em separado 1/9 desses 4 imóveis na titularidade do executado: a nona parte desses 4 prédios constituía o “quinhão hereditário de B. L. na herança indivisa aberta por óbito de M. L.”.

A autora estava, pois, convencida de que o ali executado B. L. era titular de 1/9 desses prédios. Por força da alienação do quinhão hereditário, não pertencendo os bens penhorados ao ali executado B. L., não poderiam ter sido objecto de venda em sede dessa execução, uma vez que o tribunal carecia de legitimidade para a realizar. Quando o tribunal procedeu à venda judicial e à aceitação da proposta apresentada pela aqui autora já os referidos bens penhorados não existiam na titularidade do executado B. L., ora réu. Deste modo, a venda judicial realizada em 12.09.2016 nessa execução e consequente adjudicação à aqui autora daquele 1/9 dos referidos 4 prédios configura venda de bens alheios e, como tal, é nula - cfr. art.º 892.º CC. Impõe-se, por isso, a declaração de nulidade da venda realizada em 12.09.2016 na referida execução n.º 483/03.7TBCMN, tendo a A. direito a exigir da 1.ª ré a restituição integral do preço que pagou e que por esta foi recebido - cfr. art.ºs 825.º e 894.º do C - ou seja, a quantia de € 14 739,02 (catorze mil setecentos e trinta e nove euros e dois cêntimos), acrescida dos os juros de mora vencidos sobre esta quantia, à taxa legal, desde a data da referida adjudicação, sendo que até à presente data, venceram-se já juros no valor global de € 1109,67 (mil cento e nove euros e sessenta e sete cêntimos).

Contestou apenas a Ré C. M. invocando a excepção do abuso do direito por parte da A., alegando que pela presente acção, pretende a A. que a venda operada no âmbito do P. 483 seja anulada, condenando-se a Ré a pagar-lhe a importância de €14.739,02, acrescida de juros vencidos e vincendos. Ou seja, a única responsável pela compra dos bens (a A.) pretende receber de quem nenhuma responsabilidade tem (a Ré) uma quantia muito superior àquela que esta recebeu no âmbito do P. 483, quantia essa à qual não tem direito. Mais alegou que a haver qualquer discrepância entre a realidade jurídica dos prédios e aquela que se encontra registada, a mesma só poderá ser da responsabilidade da A., pois a Ré limitou-se a consultar o Registo Predial e a indicar à penhora os bens que nele figuravam como pertencentes ao Réu B. L. (Executado na outra acção), indicando 1/9 indiviso dos mencionados prédios, pois assim constava (e consta) do Registo Predial.

Por outro lado, e sobretudo, a A., apesar de saber desde 2013 que os bens penhorados tinham sido alienados pelo B. L., apresentou uma proposta de adjudicação desses bens em 2016, pagou o preço devido e registou a sua aquisição. Ao reclamar no P. 483 a restituição do valor por si pago, a A. actuou em manifesto abuso do direito, consubstanciado num evidente "venire contra factum proprium". Abuso do Direito no qual persiste inexplicavelmente, ao propor a presente acção, na qual a A. pede a nulidade da venda e até reclama da Ré um valor superior àquele que ela recebeu.

A A. é compradora dolosa, pois sabia, pelo menos desde 2013, que comprava bens que não pertenciam ao B. L..

Conclui no sentido de que: a A. sabia, aquando apresentou a proposta de aquisição, que os bens que pretendia que lhe fossem adjudicados no âmbito do P. 483 já não pertenciam ao B. L., Executado nesse processo. Era, aliás, a A. o único interveniente processual a ter conhecimento de tal facto, o qual lhe veio ao conhecimento depois de ter sido citada num Apenso de Habilitação. Aquando da dedução dessa Habilitação, foi o Requerimento instruído com todos os elementos identificativos dos prédios, pelo que, reitera-se, desde 2013 sabia a A. quem era o proprietário dos bens penhorados no P. 483. Devendo improceder o pedido de declaração da nulidade da venda.

Mais impugnou o valor peticionado pela A., porquanto à Ré apenas foi entregue parte do produto da venda (€13.359,32), tendo sido a outra parte retida pelo Tribunal (pelo Exmo. Sr. Oficial de Justiça a exercer as funções de Agente de Execução) para custear os encargos do processo, da responsabilidade do Executado. E mesmo quanto ao valor de €13.359,32, a proceder essa parte do pedido, apenas poderão ser reclamados juros desde a data em que a sentença transitar em julgado ou, quando muito, desde a data da citação da Ré; não podendo a A. reclamar juros desde a data da adjudicação (a qual nem coincide com a data em que efectivamente procedeu ao depósito do preço, pois a adjudicação ocorreu em 12/09/2016 e o depósito em 06/03/2017).

Deduziu reconvenção, no caso da procedência acção, nos termos da qual pediu a condenação da A. a pagar à Ré Reconvinte: a) A quantia de €14.920,00 (catorze mil novecentos e vinte euros), a título de indemnização por danos patrimoniais; b) A importância de €50.001,00 (cinquenta mil e um euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais; c) os juros de mora vincendos, à taxa legal, sobre as quantias peticionadas, desde a prolação da Douta Sentença em 1ª Instância e até efectivo e integral pagamento.

Tendo, por fim requerido a condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da Ré.

A A. respondeu nos termos do articulado de fls. 205 e ss, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

No âmbito do despacho saneador foi proferida sentença, que decidiu julgar improcedente a presente acção, absolvendo-se os Réus dos pedidos formulados.

Inconformada com a sentença, veio a Autora recorrer da mesma, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - Não se encontram ainda reunidos todos os factos necessários à prolação de uma decisão final, designadamente no que concerne à demonstração da existência ou não de dolo por parte da recorrente aquando da apresentação da sua proposta de compra dos bens penhorados na execução n.º 483/03.7TBCMN.

  1. - Os autos contêm matéria de facto controvertida que carece de instrução, não sendo por isso possível, sem produção de prova, conhecer-se de imediato do mérito da causa - vd. al. b), n.º 1, art.º 595.º do CPC.

  2. - Resultou provado que o que foi penhorado na execução ao executado B. L. foi 1/9 de 4 imóveis e não, especificamente, o seu “quinhão hereditário” na herança indivisa aberta por óbito da sua avó - cfr. pontos 1.2 e 1.21 dos factos provados.

  3. - Assim, face aos concretos termos em que foi efectuada a penhora não pôde a autora, à data da proposta de compra que efectuou, percepcionar que aqueles imóveis correspondiam ao “quinhão hereditário” do executado na referida herança indivisa.

  4. - Acresce que, apesar de a recorrente ter tido conhecimento em 2013 da cessão do quinhão hereditário do executado, a aquisição do mesmo por parte de A. M. e esposa nunca foi registada, por isso, em 2016, aquando da apresentação da sua proposta de compra do 1/9 dos 4 imóveis, a recorrente estava convencida que pertenciam ao executado - cfr. ponto 1.20. dos facto provados.

  5. - Face ao exposto, deve dar-se como provado o facto constante do ponto 2.1 dos factos não provados e dar-se como não provados os factos constantes dos pontos 1.44 e 1.45, ou, caso assim não se entenda, no mínimo, alterar-se a redacção destes nos seguintes...

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