Acórdão nº 3112/19.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, *I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. (..), S.A.

, com sede na Rua Dr. (…), em Algés (aqui recorrente), propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra (…) residente na Quinta (…) pedindo que: · o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 58.571,91 (que ela própria já pagou a José, como sinistrado de acidente de trabalho ocorrido em 09 de Outubro de 2012), acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento; · o Réu fosse condenado a pagar-lhe todas as quantias que futuramente ela própria seja obrigada a satisfazer a José (a título de sua pensão anual e vitalícia, bom como a título de cuidados hospitalares, de tratamentos médicos, cirúrgicos e/ou medicamentosos, de meios auxiliares de diagnóstico, de fisioterapia, de ajudas técnicas e de transportes, ou quaisquer outras ainda exigidas pela ocorrência daquela acidente de trabalho).

Alegou para o efeito, e em síntese, ter celebrado em 31 de Agosto de 2012, com José, e enquanto trabalhador independente, um contrato de seguro de acidentes de trabalho.

Mais alegou que, tendo o mesmo sofrido um acidente em obra no dia 09 de Outubro de 2012, veio o mesmo a ser qualificado como de trabalho em acção própria, sendo aí responsabilizada pelas indemnizações devidas, isto é, a já apurada e paga até 01 de Abril de 2019 (de € 58.571,91) e futura, mercê da evolução da condição física do sinistrado.

Alegou ainda a Ré ter apurado que o acidente se ficou a dever ao incumprimento em obra das regras legais de segurança no trabalho, sendo M. M. o empreiteiro geral responsável pela obra; e, por isso, tendo ela própria direito de regresso contra ele, pelas indemnizações por si satisfeitas.

1.1.2.

Regularmente citado, o Réu (M. M.) contestou, pedindo nomeadamente para ser absolvido da instância, por procedência da excepção dilatória de incompetência material.

Alegou para o efeito, em síntese e no que ora nos interessa, que fundando-se a acção na verificação de um acidente de trabalho e na dita inobservância de regras de segurança no trabalho, a respectiva apreciação seria da competência específica dos tribunais de trabalho.

Mais alegou que, nem ele próprio teve intervenção na prévia acção em que se qualificou o acidente em causa como de trabalho (sendo suas exclusivas partes José, como sinistrado, e a aqui Ré, como seguradora), nem ali foi discutida ou provada a sua imputada culpa na dita inobservância de regras de segurança no trabalho, pelo que não poderia agora o tribunal comum conhecer do pretendido direito de regresso (da Ré contra si) por parte relevante dos respectivos fundamentos terem de ser apreciados pelo tribunal do trabalho.

1.1.3.

A Autora (X - Seguros Gerais, S.A.) respondeu à excepção deduzida, pedindo que fosse julgada improcedente.

Alegou para o efeito, em síntese, que, considerando o pedido e a causa de pedir da presente acção, não se estaria perante um litígio relativo a questões emergentes de um acidente de trabalho, mas sim perante uma relação jurídica autónoma.

1.1.4.

Foi proferido despacho saneador, julgando verificada a dita excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Ora, a competência do Tribunal, como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em que o autor estruturou o pedido e a causa de pedir.

No caso sub iudice, a problemática solvenda consiste no exercício do direito de regresso por parte de uma seguradora – a autora - contra uma entidade patronal - o réu -, relativamente a quantias pagas a um alegado trabalhador desta, na sequência de um acidente de trabalho de que foi vítima, no âmbito das obrigações por aquela assumidas no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho (trabalhadores independentes), titulado pela apólice 1901220001459/0; entre tais quantias contam-se as referentes a pensão anual e vitalícia, subsídio de elevada incapacidade e deslocações fixadas por sentença proferida no âmbito do processo especial de acidente de trabalho que correu termos sob o n.º 1103/13.7TTBRG, dos Juízos do Trabalho de Braga, J1.

A apreciação do litígio não traduz apenas a análise de uma situação autonomizada – o direito de crédito da autora acionado em sede de regresso - em relação a toda a factualidade que determinou esse direito, isto é, o acidente de trabalho.

Com efeito, no caso em análise, importa produzir prova e consequentemente apreciar e decidir sobre a existência da alegada relação laboral entre o trabalhador sinistrado e o réu, caraterizar o acidente em discussão como acidente de trabalho e apurar e concretizar a responsabilidade do empregador, nos termos da lei e do contrato de trabalho, designadamente por incumprimento das normas de segurança no trabalho, com a violação de normas imperativas destinadas à proteção e segurança dos trabalhadores.

A competência do Tribunal para a concretização do direito de regresso da autora implica, pois, a aptidão do mesmo para o tratamento/conhecimento destas questões específicas relativas a acidentes de trabalho e que se encontram atribuídas aos Juízos do Trabalho por força do disposto no artigo 126º, nº1, alínea c) da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (LOFT): “1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;”.

Aliás, como refere o acórdão do STJ atrás citado, “seria uma incongruência concluir-se que o Tribunal de Trabalho era o competente para se aferir da responsabilidade da entidade seguradora nesta sede, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, e, já não o seria, para averiguar, afinal das contas se teria ou não ocorrido uma efetiva responsabilidade funcional desta na ocorrência do sinistro, por forma a desonerar aquela das obrigações assumidas, porquanto o que está em causa, a jusante e a montante, é o acidente de trabalho e as circunstâncias em que o mesmo se verificou”, acrescentando-se que “Consagra-se, assim, o princípio da absorção das competências, o que equivale a dizer que tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com aqueles que prestem apoio ou reparação aos respetivos sinistrados, já que, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro e eventual violação por banda da entidade empregadora das regras de segurança”.

Nos termos do artigo 40º, da LOFT, os tribunais judiciais têm uma competência residual, apenas intervindo quando as causas não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

A situação em análise está, como ficou demonstrado, expressamente afeta à jurisdição laboral, por força do disposto no artigo 126º, nº1, alínea c) do mesmo diploma, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir.

Pelo exposto, conclui-se que o Juízo Central Cível de Braga é incompetente em razão da matéria para conhecer e decidir a presente ação.

(…)»*1.2. Recurso (fundamentos) Inconformada com esta decisão, a Autora (X - Seguros Gerais, S.A.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse julgado provido e se revogasse a decisão recorrida.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis): 1 - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida que julgou o Juízo Central Cível de Braga incompetente em razão da matéria para conhecer e apreciar o presente processo, absolvendo o R., aqui Recorrido, da instância.

2 - Não se conforma a Seguradora recorrente, com tal (douto) entendimento.

3 - Nos termos que infra se irão evidenciar, a douta decisão assim proferida incorre em errada interpretação da questão solvenda e flagrante violação do disposto no art.º 40º e 126º n.º 1 al c) da LOSJ e 17.º e 79º n.º 3 da LAT.

4 - É, pois, apenas uma a questão objecto do presente recurso e que se submete a Douta sindicância deste Venerando Tribunal da Relação, a saber: • Atendendo ao modo como a A./Recorrente configurou a acção é ou não o Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Braga – materialmente competente para conhecer o pedido formulado nos presentes autos ? 5 - Impõe-se responder afirmativamente a tal questão, e tal como infra se irá expor.

6 - Lida a decisão recorrida, constata-se que Mmo. Tribunal “a quo” partiu do pressuposto errado de que “no caso caso sub judice, a problemática solvenda consiste no exercício do direito de regresso por parte de uma seguradora – a autora – contra uma entidade patronal – o réu”.

7 - É que, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, a A./recorrente, claramente, não demanda o R./Recorrido na qualidade de entidade patronal do sinistrado.

8 - Na verdade, em sede de petição inicial, alega-se, repetidas vezes, a condição de trabalhador independente do sinistrado à data do acidente, sem qualquer alegação quanto à existência de qualquer relação jus laboral entre o sinistrado e o R./recorrido causador do dano, e conforme se extrai da leitura dos factos vertidos nos artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 12º, 13º, 28.º, 29º, 30º, 50º, 52º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º e 75º da petição inicial.

9 - Atendendo ao modo como a Seguradora A., aqui recorrente, configurou a acção, temos, pois, que existe erro na interpretação da questão solvenda o que conduziu a uma errada apreciação da questão da competência material do Tribunal para conhecer da demanda e a erro na aplicação das normas jurídicas em apreço.

10 - Dúvidas inexistem de que a competência material do tribunal se afere pelos concretos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos...

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