Acórdão nº 1418/17.5T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO A Sociedade “…” (a seguir designada, abreviadamente, por “…”), intentou, em 21-02-2017, no Tribunal de VN de Famalicão, acção executiva contra a Sociedade “…” (adiante referida como “…”).

Como título executivo, juntou um cheque a seu favor emitido por esta.

Alegou, no requerimento executivo, que o sócio da emitente, L. M., “contraiu com a AGRO ..., uma dívida no valor total de €26.547,90” e que “como forma de liquidar parte do montante em dívida, do seu sócio, a executada, que assumiu tal dívida, emitiu e entregou à exequente o cheque supra mencionado”, o qual, uma vez apresentado a pagamento foi devolvido com a indicação de “extravio”.

Acrescentou que “o cheque ora junto, como mero quirógrafo, teve por finalidade o pagamento da quantia de €14.000,00 por parte da TRADIÇÃO de uma dívida que o seu sócio tinha para com a exequente”, pelo que “mostrando-se clara e exaustivamente, alegados, no requerimento executivo, todos os factos constitutivos da invocada relação subjacente causal da obrigação exequenda, deve o cheque apresentado ser considerado título executivo, tudo nos termos 703 nº 1 al. c) do CPC.” [1] Uma vez citada, a executada, em 04-05-2017, deduziu embargos, alegando que inexiste título executivo porque, apesar de prescrita a obrigação cambiária, de o cheque só ser invocado como quirógrafo e de a exequente ter alegado “a relação subjacente no âmbito da qual o cheque terá alegadamente sido emitido e entregue”, este apenas “poderá servir de meio de prova em acção declarativa da relação estabelecida entre as partes e que terá originado a sua emissão” e “não pode ser reconduzido à previsão do art. 458º, nº 1, na medida em que não incorpora, por si só, qualquer reconhecimento de dívida”.

Mais alegou, ainda assim, que tal relação subjacente não existe, pois a Sociedade embargante “nunca assumiu qualquer dívida” do referido L. M., impugnando por falso o que quanto a isso alega a embargada.

Com efeito, explica, “o cheque em causa foi emitido no âmbito de uma relação comercial estabelecida entre embargante e embargada”, de acordo com a qual “em inícios de 2012, a embargante adquiriu junto da embargada uma máquina agrícola UNIFEED - máquina cujas funções são de enchimento, pesagem e mistura de ração para gado - pelo valor de €20.000” e “11.Para pagamento dessa máquina, a embargante emitiu e entregou à embargada dois cheques pós-datados, um no valor de €6.500 para setembro de 2012 e outro de €14.000 para janeiro de 2013 (agora junto com o requerimento executivo).

  1. O valor de €500 incluído no cheque de €6.500 dizia respeito aos juros devidos pelo deferimento do pagamento (entre 8 e 12 meses).

  2. O primeiro cheque de €6.500 foi apresentado a pagamento, tendo sido pago à embargada.

  3. Após concluir a venda da máquina, a embargante ficou de a rebaixar cerca de 10 cm para a mesma poder entrar na vacaria e ainda de a forrar a inox.

  4. Para o efeito, deslocaram-se à fábrica da empresa X - SERRALHARIA, LD […], que elaborou e apresentou orçamento para esse serviço.

  5. Após isso, a embargada comprometeu-se a entregar nessa empresa a máquina agrícola vendida à embargante para ser intervencionada nos termos que esta pretendia.

  6. Sucede que, apesar dos sucessivos contactos por parte da X, nunca a embargada lhe levou a máquina para o referido efeito, e tão-pouco a entregou à embargante, 18. Conservando-a em seu poder, encontrando-se desde então a ser utilizada pelo seu sócio J. S. na realização de trabalhos agrícolas.

  7. Por essa razão, a embargante procedeu à revogação do cheque com justa causa, não vindo a ser pago à embargada.

  8. Nada deve, por isso, a embargante ao embargado, seja pela inexistência da relação subjacente alegada, seja pelo manifesto e inequívoco incumprimento do contrato de compra e venda celebrado.” Alegou, ainda, que a exequente litiga de má-fé e que deve a tal título ser condenada em multa e indemnização.

    A exequente/embargada contestou, impugnando de facto e de direito. Nesse sentido, manteve que o cheque vale como quirógrafo e, assim, como título executivo e que a divida foi originariamente contraída pelo dito L. M. (sócio da executada), no montante inicial de €26.547,90 e que, “ Tendo a executada, assumido a liquidação de parte dessa mesma dívida”, “Emitiu primeiramente, um cheque à ordem da exequente no valor de €6.500,00” e, mais tarde, “um cheque à ordem da exequente no valor de €14.000,00”, tendo aquele sido endossado pela “Agro” a José (viria a ser pago no âmbito de acção executiva nº 3022/12.5TBBCL-A), no qual “também a executada veio alegar que o cheque levado à execução no referido processo tinha sido entregue para o pagamento de uma máquina “Unifeed” (para alimentação de animais) que a Agro […] não tinha entregado”, tese que ali resultou não provada, já que é falsa, enfatizando que nenhum documento existe relativo a tal contrato e a embargada nada fez para que lhe fosse entregue a referida máquina, nem para o resolver, o que acha estranho.

    Foi infrutífera a tentativa de conciliação realizada. Dispensou-se a audiência prévia. Fixou-se o valor da causa. Proferiu-se decisão no sentido de que o cheque, embora prescrito e sendo mero quirógrafo da relação fundamental causadora da dívida, serve de título executivo, assim se julgando improcedente essa questão suscitada pela embargante. Prosseguindo, verificaram-se os pressupostos processuais, identificou-se o objecto do litígio, enunciaram-se os temas de prova, apreciaram-se os requerimentos indicativos dos respectivos meios e marcou-se a audiência de julgamento.

    Realizou-se esta, nos termos descritos na acta respectiva.

    Por sentença de 02-05-2019, decidiu-se: “Nestes termos, julga-se totalmente improcedente a presente oposição à execução, mediante embargos, deduzida pela embargante/executada “TF. – SOCIEDADE AGRÍCOLA, LDA” contra a embargada/exequente “AGRO-…, COMÉRCIO DE GADO E PRODUTOS DE AGROPECUÁRIA, LDA.” e, em consequência, absolve-se esta última do pedido, determinando-se, consequentemente, o normal prosseguimento da instância executiva.

    *Decide-se, ainda, não condenar a embargada/exequente como litigante de má-fé.

    *Custas a cargo da embargante/executada (cfr. artigo 527º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie.

    *Registe e notifique.” A executada/embargante, inconformada, apelou a esta Relação, concluindo assim as suas alegações: “I. Nos presentes autos, em que foi dada á execução um cheque, Tribunal a quo após ter decidido que a obrigação cartular se encontrava prescrita, entendeu que valeria como quirógrafo da obrigação fundamental, realizando o julgamento da causa.

    II. Feito o julgamento da causa, foram os embargos julgados improcedentes, entendendo o Tribunal a quo que “incumbia à embargante/executada “TF.” o ónus de alegar e demonstrar que a obrigação constante do título oferecido à execução não existia ou mostrava-se já extinta. Sucede que, como resulta da fundamentação de facto desta decisão, a embargante/executada soçobrou na tarefa de demonstrar a falta de causa da relação subjacente invocada pela embargada/exequente “Agro”.” III. Ora, não pode a executada/embargante conformar-se com o sentenciado na primeira instância, por duas ordens de razões.

    IV. A primeira prende-se com a repartição do ónus da prova, tal como ele vem aflorado no excerto da sentença acabado de citar; a segunda tem a ver com a realidade que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada a partir da prova produzida; por conseguinte, a primeira razão tem subjacente uma estrita questão de Direito, enquanto que a segunda tem a ver com o juízo probatório emitido pela 1ª instância sobre os factos em discussão.

    V. A nosso ver, valendo o cheque como quirógrafo da obrigação fundamental e tendo a embargante negado a existência dessa obrigação, esse ónus probatório pertencia à recorrida, ou seja, cabia-lhe provar de que recebera o cheque para pagamento de uma dívida de um ex-sócio da devedora, considerando que a entrega do cheque só por si não prova qualquer relação fundamental.

    VI. Mais ainda que assim não fosse, ainda que esse labor probatório estivesse a cargo da recorrente, como o Tribunal a quo entendeu, ainda assim entende a mesma que face à prova produzida não podia aquele Tribunal decidir como decidiu.

    VII. O concreto ponto da matéria de facto que a recorrente considera incorrectamente julgado, é, pois, o seguinte: 3. A embargante/executada, como forma de liquidar parte do montante em dívida do seu sócio, assumiu-a, emitindo e entregando o cheque referido em 1. à embargada/exequente.

    VIII. A esta matéria de facto deveria o Tribunal a quo ter respondido negativamente, não dando como provada qualquer assunção de dívida por parte da recorrente.

    IX. Os concretos meios probatórios que impunham resposta diferente ao referido ponto da matéria de facto, são, por ordem de importância, o depoimento da testemunha L. M., o depoimento de S. S., o depoimento de parte/declarações de parte de A. S. as declarações de parte de M. S. e o depoimento da testemunha M. C.

    .

    X. As concretas passagens da gravação, que não se encontram assinaladas na acta, de onde se extrai a factualidade que infirma o juízo probatório emitido pelo Tribunal a quo, são as que a seguir se identificam.

    XI. L. M., testemunha da recorrente, cujo depoimento ficou registado entre as 11:23’:47’’ e as 11:45’:23’ 1ª passagem: 03’:40’’ a 13’:40’’ – instância do mandatário da recorrente 2ª passagem: 15’:05’’ a 17’:10’’ – instância do mandatário da recorrida 3ª passagem: 18’:40’’ a 21’:15’’ – instância do mandatário da recorrente O seu depoimento ficou registado no sistema habilus média studio 11.23.48 XII. S. S., testemunha da recorrente, cujo depoimento ficou registado entre as 11:16’:26’’ e as 11:23’:46’’ 1ª passagem: 01’:00’’ a 02’:00’’ – instância do Mº Juiz 2ª passagem: 02’:01’’ a 06’:45’’ – instância do mandatário da recorrente O seu depoimento ficou...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT