Acórdão nº 2989/17.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANIZABEL SOUSA PEREIRA
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: *I- RELATÓRIO: (…) e esposa (…), intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra (…) S.A., melhor identificados nos autos, peticionando, a final, a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia global de € 44.881,00 (quarenta e quatro mil oitocentos e oitenta e um cêntimos), acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegam, em síntese, que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, sito na Rua …, União de freguesias de ...

, concelho de Viana do Castelo, composto por casa de habitação de três pisos e quatro divisões implantada num terreno com a área de 1.932,00 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...

e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...

/20140521.

Sucede que a DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA, nos anos de 2015/2016, no exercício da sua actividade, levou a efeito a construção de um posto de corte de alta tensão – subestação eléctrica, paredes meias com o prédio dos Autores, num terreno contíguo ao da casa dos Autores e dele apenas separado por um caminho público.

Com a referida construção, os Autores viram perigar o seu direito à qualidade de vida, direito ao descanso e ao sossego, bem com a sua saúde, em resultado da exposição aos campos electromagnéticos das linhas de alta tensão que alimentam a referida subestação e atravessam o logradouro do prédio dos Autores. Acresce que tais linhas geram ainda ruídos anormais que perturbam a tranquilidade, o sossego e o ambiente envolvente. Toda a situação criada causa-lhes angústia e desgosto, dano que deve ser compensado com o montante de € 15.000,00.

Acresce que a referida construção, levou a uma desvalorização patrimonial da casa de habitação dos Autores, em € 29.881,00.

*Citada, a Ré contestou, alegando, em suma, que o posto de corte de alta tensão em causa foi licenciado pela Câmara Municipal de …, obteve parecer favorável da Entidade Regional da Reserva Agrícola, e foi licenciado pela Direcção Geral de Energia e Geologia do Ministério da Economia, sendo que nos respectivos projectos de construção foram ponderadas questões de natureza ambiental, estética, técnica e económica. Mais, impugna que as linhas de alta tensão atravessem o logradouro do prédio dos Autores.

Alega, ainda, que os valores dos campos electromagnéticos no local apresentam valores medidos inferiores aos níveis de referência de exposição ocupacional e permanente, sendo inofensivos, assim como o ruído produzido pelas infra-estruturas eléctricas é também muito inferior ao que é consentido pelas regras actualmente em vigor.

*Findos os articulados, procedeu-se à realização da audiência prévia, no decurso da qual os Autores responderam à contestação. Após foi proferido despacho saneador, seguido do despacho de fixação do objecto da causa e enunciação dos temas de prova.

***Realizou-se a audiência de julgamento de acordo com o formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta.

*Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos: “decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena-se a Ré a pagar aos Autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.

Custas por Autores e Ré, na proporção do decaimento (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).

*É desta decisão que vem interposto recurso pela R, a qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões: I.

Da discussão do julgamento da causa e da inspeção judicial realizada ao local, resultaram factos absolutamente relevantes para a boa decisão da causa e que não foram levados em consideração na sentença recorrida.

II.

A residência em causa não é habitada pelos Recorrentes, sendo-o, sim, pela arrendatária do imóvel – D. C. – ouvida como testemunha em audiência de julgamento e que depôs precisamente naquele sentido.

III.

É por isso falso que o habitat que observavam até à construção do posto de corte tivesse sido substituído por outro que lhes é desfavorável.

IV.

Na verdade, os Recorridos não observavam a referida envolvente antes da construção da referida infraestrutura, como também a não observam agora, sendo certo que no imóvel não residem, nem sequer residindo em Portugal.

V.

É falso que os Recorridos sejam no seu quotidiano confrontados com qualquer impacto ou alteração de cariz paisagístico, porque não residem naquela habitação.

VI.

Nesta esteira, o direito de personalidade dos Recorridos, na vertente da perda da qualidade das vistas, do direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, não poderia ser atingido por via da construção do posto de corte e respetivas elétricas.

VII.

Por outro lado, as infraestruturas elétricas versadas nos autos estão licenciadas pela DGEG, obtiveram parecer favorável da Câmara Municipal de … para efeitos de cumprimento do PDM e ainda parecer favorável da Entidade Regional da Reserva Agrícola, cumprindo todas disposições regulamentares impostas, nomeadamente e desde logo, no que concerne aos níveis de ruído e dos campos eletromagnéticos, bem como quanto ao seu enquadramento paisagístico e ambiental.

VIII.

Assim, nenhuma prova foi feita quanto ao alegado impacto visual que desafie o direito ao ambiente e à qualidade de vida dos Recorridos, nos termos consagrado no artigo 66.º da CRP na Lei de Bases do Ambiente.

IX.

A abrangência de determinado direito fundamental depende, desde logo, da identificação do objeto de proteção atendendo ao valor e/ou bem jurídico que é efetivamente protegido pela norma de direito fundamental e também da verificação de contra qual o tipo de agressão ou restrição se outorga essa proteção.

X.

E é forçoso concluir que nos presentes autos, o bem jurídico que as normas invocadas pela douta sentença do Tribunal a quo protegem (designadamente 70.º, n.º 1, Cod. Civil; artigo 2.º, n.º 1, da Lei de Bases do Ambiente – cuja versão invocada se encontra desatualizada) não foram violadas, inexistindo qualquer conflito entre os direitos que o Tribunal entendeu como presentes nos autos.

XI.

Em suma, para os Recorridos, não houve perda da qualidade de vistas, afectação da sua qualidade ambiental.

XII.

Motivo pelo qual é essencial para a justa composição do litígio que se insira na matéria de facto provado o seguinte facto: Os Recorridos não residem no imóvel em apreço nos presentes autos.

XIII.

Por outro lado, parece-nos, salvo o devido respeito, que o Senhor Juiz do Tribunal a quo deveria ter considerado matéria instrumental que resultou da inspeção judicial realizada ao local.

XIV.

Com efeito, no âmbito da referida diligência, foi possível apurar que na envolvência da habitação em causa existe uma oficina da “RENAULT” e do outro lado da Estrada Nacional a unidade industrial “...”.

XV.

Pese embora a Meritíssima Juiz tenha considerado que a paisagem e a envolvente da habitação vertida nos presentes estivesse inserida num “habitat verdejante e rural, circundada por árvores, concedendo aos seus moradores o privilégio de ao acordarem sentirem-se em plena natureza e num ambiente rural, foi substituída por uma construção de betão e ferro, alterando totalmente a envolvente natural da referida habitação”, tal envolvente, na verdade, não existia.

XVI.

Entendemos como essencial que deveria ser considerado como provado o facto com a seguinte redação: Na envolvente do imóvel em apreço nos autos, para além do poste de corte, existe uma oficina da “RENAULT” e a unidade industrial “...”.

XVII.

Da inspeção realizada ao local foi possível apurar que o poste de corte versado nos presente autos está dotado de certificação ambiental, emitida a abrigo da NP ISO 14001:2015, por se tratar de uma infraestrutura paisagística e ambientalmente integrado.

XVIII.

A Recorrente procede à arborização da envolvente do posto de corte, garantindo cobertura vegetal de porte arbóreo nas parcelas sobrantes (à da utilizada para construção do posto de corte), afetando-as, então, a sementeiras e extrato arbóreo, assim alcançando a melhor solução arquitetónica e enquadramento paisagístico, nomeadamente a harmonia com toda a envolvente.

Pelo que consideramos dever ser aditado aos factos como provados o seguinte: O parque do qual faz parte o posto de corte encontra-se ambientalmente certificado ao abrigo da NP ISO 14001:2015 XIX.

Não há qualquer ação nociva ao ambiente envolvente do imóvel que coloque em causa o ambiente sadio do qual usufruíam e usufruem os seus moradores.

XX.

Por outro lado, mesmo que se “numa ida à janela da habitação” o posto de corte se veja, porque existe (tal como se vê a unidade de produção da ... e a oficina da RENAULT), este é visto por quem ali mora, o que não é o caso dos Recorrentes! XXI.

Para que os direitos de personalidade possam gerar uma obrigação de respeito e abstenção de lesão, incorrendo em responsabilidade civil indemnizatória quem os violar., exige-se que se verifiquem os necessários pressupostos legais da responsabilidade civil.

XXII.

No caso em apreço não existe qualquer violação dos direitos de personalidade dos Recorridos, sendo certo que os últimos não perderam qualidade de vistas ou foi afetado o seu direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, sendo errado concluir que os seus direitos fundamentais foram afetados.

XXIII.

Que os Recorrentes têm direitos - é claro que têm. - mas estes não foram afetados pela Recorrente e pelo direito que esta tem em desenvolver a sua atividade económica.

XXIV.

Aliás, a atividade desenvolvida pela Recorrente, apesar de económica, assume um caráter de serviço público, sendo esta concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão e ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão no concelho de Viana do Castelo.

XXV.

Nessa qualidade, instala infraestruturas ─ como a que está em causa nos...

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