Acórdão nº 568/17.2T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução14 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO J. A. e mulher Maria deduziram ação declarativa contra J. G. e mulher D. B. pedindo que seja reconhecido aos autores o direito à execução específica do contrato-promessa que identificam e que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos réus em falta, transmitindo para os autores os dois terços de que os réus são proprietários em cada um dos prédios identificados no artigo 4.º da petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 830.º do Código Civil, sendo os réus condenados a reconhecer a transmissão da propriedade e a consequente propriedade plena dos autores sobre os referidos prédios.

Os réus contestaram invocando a violação do dever de sigilo profissional por parte da mandatária dos autores, com a junção de documentos que correspondem a correspondência trocada entre mandatários no âmbito de negociação malograda. Quanto ao mais, alegam não existir qualquer contrato-promessa que pudesse dar lugar a qualquer direito à execução específica. Alegam, ainda, que os autores intentaram a ação na sequência de uma ação de divisão de coisa comum intentada pelos réus, depois de terem estado em silêncio durante mais de dois anos, o que configura abuso de direito.

Os autores responderam, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas.

Teve lugar a audiência prévia com a identificação do objeto do litígio e a enumeração dos temas da prova.

Nos autos de divisão de coisa comum intentados pelos réus contra os autores (Juízo Local Cível de Chaves – J2, processo n.º 101/17.6T8CHV) foi determinada a suspensão da instância até que seja proferida decisão final com trânsito em julgado, neste processo.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo os réus dos pedidos contra si formulados.

Os autores interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes Conclusões: I. O Tribunal a quo entendeu que os documentos n.ºs 9, 10, 11, 13 e 14 juntos com a petição inicial violam o dever de segredo profissional e que, por isso, constituem prova nula nos termos do artigo 92.º, n.º 5, do EOA.

  1. O único fundamento aventado pelo Tribunal a quo para sustentar a existência do dever de segredo profissional por parte da Mandatária que representa os Autores nos presentes autos é o de que os factos aqui em discussão e os documentos juntos com a petição inicial lhe foram revelados pelos seus clientes, os aqui Autores.

  2. Estes documentos são correspondência trocada entre os advogados dos Autores e os advogados dos Réus, que corporiza propostas negociais apresentadas pelos Réus e a correspondente aceitação pelos Autores.

  3. Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a matéria do segredo da correspondência trocada entre advogados é regulada pelo artigo 113.º do EOA, e não pelo artigo 92.º, pois que aquele é norma especial que prevalece sobre este.

  4. O artigo 113.º, n.º 1, do EOA prescreve as comunicações entre advogados só ficam sujeitas ao dever de segredo se o respectivo remetente exprimir claramente a sua intenção de as sujeitar a confidencialidade.

  5. Nenhuma das comunicações enviadas pelos mandatários dos Réus ao mandatário dos Autores tem menção de confidencialidade, nem delas resulta, expressa ou tacitamente, que fosse intenção dos advogados dos Réus sujeitá-las a confidencialidade.

  6. Pelo contrário, pela sua própria natureza, as comunicações em questão destinavam-se a ser reveladas, uma vez que integravam propostas negociais, tendentes à celebração de um contrato de compra e venda de imóveis.

  7. Apenas duas das comunicações enviadas pelo mandatário dos Autores em Portugal, o Sr. Dr. J. F., contêm a menção de confidencialidade (cf. documentos n.ºs 11 e 13 da petição inicial).

  8. Porém, trata-se de uma menção que foi incluída no rodapé das mensagens de correio electrónico de forma automática, pelo que não houve da parte do Sr. Dr. J. F. real intenção de sujeitar tais comunicações a um dever de confidencialidade, até pela própria natureza das comunicações em questão.

  9. Ainda que assim não fosse, o que não se concede, os Autores, enquanto titulares do direito ao segredo, podiam dispensar essa confidencialidade, o que fizeram, ao transmitirem e entregarem cópia dessas comunicações à mandatária que os representa nestes autos – vide acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.03.2015.

  10. Não existe uma proibição geral ou generalizada de revelação do teor de correspondência trocada entre advogados – vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24.09.2018.

  11. O caso sub judice não se subsume a nenhuma das hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 92.º do EOA, pelo que em relação aos factos em discussão dos autos e aos documentos juntos, a Mandatária dos Autores não estava adstrita ao dever de segredo profissional.

  12. Ao contrário do entendimento propugnado na sentença em crise não é pela mera circunstância de os factos e documentos terem sido transmitidos à aqui mandatária pelos seus clientes, os Autores, que os mesmos ficam sujeitos ao dever de segredo, pois que se assim fosse um advogado nunca poderia elaborar uma petição inicial porque não poderia divulgar a versão dos factos que lhe foi transmitida pelo cliente.

  13. Os factos narrados na petição inicial e os documentos com esta juntos não estavam, nem estão, cobertos pelo dever de segredo profissional da aqui Mandatária dos Autores, uma vez que esta não revelou qualquer facto que lhe tenha sido transmitido na expectativa da protecção do sigilo.

  14. A aqui Mandatária dos Autores não teve qualquer participação ou intervenção na negociação e na celebração do contrato promessa objecto dos presentes autos, pelo que não foi nesse contexto nem por esse motivo que tomou conhecimento dos factos em discussão e dos documentos.

  15. Os factos aqui em causa não foram comunicados pelos Réus ao seu Mandatário e por este aos Autores e ao Mandatário destes na expectativa de que tais factos fossem guardados em segredo; pelo contrário: os Réus pretendiam apresentar aos Autores uma proposta negocial e, como tal, o conteúdo e os termos dessa proposta teriam necessariamente que ser comunicados pelo seu Mandatário ao Mandatário dos Autores e por este aos próprios Autores, o mesmo se passando exactamente em relação à declaração negocial de aceitação da proposta, emitida pelos Autores representados pelo seu Mandatário.

  16. Em particular a alínea f) do n.º 1 do artigo 92.º do EOA, não tem aplicação in casu, porque não estão em causa negociações malogradas (pelo contrário o que se requer é a execução específica de um contrato promessa que foi efectivamente celebrado) e porque os documentos em causa não dizem respeito a negociações, mas antes corporizam as próprias declarações negociais.

  17. Assim, os documentos n.ºs 9, 10, 11, 13 e 14 juntos com a petição inicial não estão cobertos pelo dever de segredo profissional da aqui Mandatária dos Autores, pelo que não constituem prova nula e, pelo contrário, devem ser considerados prova admissível e válida.

  18. Em resultado da admissão destes documentos e da consideração de que os mesmos configuram prova válida, deve ser dado como provado o teor das comunicações trocadas entre os mandatários das Partes, uma vez que nenhum desses documentos foi impugnado.

  19. Assim, devem ser dados como provados os seguintes factos, que, erradamente, foram incluídos pelo Tribunal a quo nos Factos Não Provados: 1. No dia 2 de Fevereiro de 2015, os Srs. Drs. A. S. e B. B., mandatários dos Réus, retransmitiram e reafirmaram ao Sr. Dr. J. F., mandatário dos Autores, a proposta anteriormente apresentada.

    1. Com o acrescento de condições acessórias, atinentes, designadamente às despesas com o caseiro da “Quinta”.

    2. Nessa mesma missiva, os Réus declararam que, em caso de aceitação por parte dos Autores, a escritura de compra e venda dos imóveis em questão teria que ser celebrada impreterivelmente até ao dia 18 de Fevereiro de 2015.

    3. Estipulando, ainda, que o pagamento do preço teria que ser efectuado no momento da escritura, através de cheque visado ou transferência bancária.

    4. Por comunicação escrita datada de 6 de Fevereiro de 2015, os Autores, representados pelo seu mandatário, responderam aos Réus, na pessoa dos mandatários destes, declarando aceitar, para todos os efeitos legais, uma das modalidades de negócio propostas.

    5. Os Autores esclareceram ainda, que a referida aquisição incluía os móveis que compõem o recheio do prédio urbano, assim como todas as alfaias agrícolas afectas ao amanho dos prédios rústicos e demais equipamentos, móveis e utensílios existentes no armazém e casa do caseiro.

    6. Adicionalmente, os Autores declararam aceitar pagar o preço acordado através de cheque.

    7. Por fim, os Autores manifestaram disponibilidade para celebrarem a escritura pública de compra e venda dos imóveis acima referidos no dia e local que fossem indicados pelos Réus, ficando a aguardar tal indicação.

    8. No dia 15 de Fevereiro de 2015, os Réus, através do seu mandatário, comunicaram aos Autores, na pessoa do mandatário destes, já não terem a intenção de alienar os imóveis em causa e pedindo-lhes que esquecessem o negócio.

  20. Em concreto, a prova dos factos acima indicados sob os pontos 1, 2, 3 e 4 resulta do documento n.º 10 junto com a petição inicial, a prova dos factos acima indicados sob os pontos 5, 6, 7 e 8 resulta do documento n.º 11 junto com a petição inicial e a prova do facto acima indicado sob o ponto 9 resultou do documento n.º 14 junto com a petição inicial.

  21. Deverá ainda ser aditado aos Factos Provados o seguinte facto, cuja prova resulta do documento n.º 10 da petição inicial: “Foi acordado entre as Partes, representadas pelos respectivos mandatários, que a escritura pública de compra venda deveria ser celebrada impreterivelmente até ao dia 18 de Fevereiro de 2015.”.

    XXIII.O segundo fundamento invocado pelo Tribunal a quo para julgar a presente acção improcedente advém de ter considerado como não provado que os...

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