Acórdão nº 4158/ 15.6T8FNC-B.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelGABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório: Por apenso à execução ordinária n.º 4158/15.6T8FNC, corre a presente reclamação de créditos em que é exequente Banco…, executado(a/s) A…, Lda, e reclamante(s) o Banco…, S.A., H... e o Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional.

Por sentença de 19 de Fevereiro de 2019, com a referência 46766393 (fls. 95-97), oportunamente transitada em julgado, consideraram-se verificados os créditos reclamados pela Fazenda Nacional, remetendo-se para julgamento o apuramento da matéria alegada na reclamação de créditos deduzida pelos restantes reclamantes e oposição da reclamada/executada.

Na verdade, esta última impugnou tais créditos por considerar que os mesmos não existem, invocando o princípio da especialidade.

Invocou ainda que o crédito reclamado não seria passível de ser reclamado por a dívida não ser da sociedade executada, estarmos perante uma hipoteca genérica a favor de terceiro e as referidas reclamações constituírem um abuso de direito.

Com data de 19/02/2019, foi proferido despacho saneador, oportunamente transitado em julgado, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas de prova, que não foi objecto de qualquer reclamação, tendo sido indeferida no mesmo a produção de determinada prova, bem como julgado improcedente a oposição no que concerne aos fundamentos plasmados no parágrafo que antecede.

Consta de tal despacho, além do mais, o seguinte:«(…)O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, veio reclamar os créditos constantes do(s) requerimento(s) com a(s) referência(s) 1742279, que aqui se dá(ão) por integralmente reproduzido(s), juntando certidão de dívidas fiscais, referente a Imposto Municipal Sobre Imóveis, relativo ao(s) bem(ns) imóvel(is) penhorado(s).

Este crédito, ao contrário do que sucede com os restantes, não veio a ser impugnado — artigo 789.º do Código de Processo Civil.

A penhora efectuada nos autos de execução incide sobre o(s) bem(ns) imóvel(is) melhor descrito(s) no auto de penhora junto aos autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

A instância é válida e regular, não existindo excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.

Cumpre apreciar e decidir, nos termos do artigo 791.º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil. Nos termos conjugados do disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 791.º do Código de Processo Civil, não tendo sido impugnados os créditos reclamados pela Fazenda Pública Nacional e as respectivas garantias reais, e não ocorrendo nenhuma excepção ao efeito cominatório da revelia ou fundamento que devesse implicar a rejeição liminar da reclamação, julgam-se os mesmos reconhecidos.

No entanto, a sua graduação terá lugar na sentença final que julgue a matéria da existência dos restantes créditos reclamados nos termos do disposto no artigo 791,º, n.º 1, in fine, do Código de Processo Civil.

VI — A sociedade executada veio impugnar os créditos reclamados pelo Banco Comercial Português, S.A. e H... invocando, que o crédito reclamado não seria passível de ser reclamado por a dívida não ser da sociedade executada, estarmos perante uma hipoteca genérica a favor de terceiro e as referidas reclamações constituírem um abuso de direito.

Porém, estes três fundamentos não são susceptíveis de pôr em causa os créditos reclamados.

Na verdade, dispõe o artigo 788.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que a reclamação de créditos tem como fundamento a existência de garantia real sobre o bem penhorado, não se prevendo que o crédito garantido tenha de onerar o executado.

Tal sucede para que seja dada a possibilidade ao credor beneficiário de garantia real não perca tal garantia com a venda judicial do bem penhorado. A venda do bem penhorado extingue todos os ónus existentes à data da penhora 824.º, n.º 2, do Código Civil. Mais, o produto da venda executiva somente será distribuído ao credor com garantia real incidente sobre o bem vendido se tiver reclamado o seu crédito na execução. Daí que seja adjectivamente lícito a credor reclamante beneficiário de garantia real incidente sobre bem penhorado reclamar o seu crédito nos termos do disposto no artigo 788.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em acção executiva em que nenhum dos executados seja o devedor desse crédito reclamado. Por seu turno, o crédito garantido encontra-se determinável, não sendo a concessão de qualquer “carta branca” ao credor, por ter um limite máximo. Logo, não é nula por objecto indeterminável. Já no que concerne ao abuso de direito, trata-se de uma afirmação conclusiva e singela que, sem vir acompanhada da alegação dos demais requisitos desse instituto, não é passível de obstar ao reconhecimento dos créditos reclamados.

Porém, não obstante estes três fundamentos não serem susceptíveis de pôr em causa os créditos reclamados, a impugnante pôs ainda em causa a própria existência dos créditos e a outorga da hipoteca pela sociedade executada seja nula por violação do princípio da especialidade.

Por se tratar de matéria controvertida, carece de produção de prova com os inerentes ónus.».

No mesmo despacho foi ainda identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, da seguinte forma: «Objecto do litígio Saber: se se verificam os créditos reclamados pelo Banco Comercial Português, S.A. e H... e, na afirmativa, qual a graduação que deverão ter.

Temas de prova: Face à posição das partes vertida nos articulados considera-se como controvertidos, carecendo de prova (seja a documental já junta aos autos, seja outra), os seguintes itens: 1.º existência dos créditos reclamados; 2.º violação do princípio da especialidade.» Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e proferida sentença que julgou verificados os créditos reclamados e procedeu à sua graduação da seguinte forma: 1.º — os créditos reclamados pela Fazenda Nacional no que concerne a IMI a que respeita o respectivo imóvel a que o crédito diz respeito; 2.º — os restantes créditos reclamados, com o limite de três anos para os juros vencidos e vincendos correspondentemente liquidados, sendo pago 1.º o crédito com registo de hipoteca mais antigo e assim sucessivamente segundo a antiguidade; 3.º — o crédito exequendo.

Inconformada com tal decisão veio a executada recorrer, concluindo da seguinte forma: «1º O Reclamante H... não apresentou qualquer resposta quanto à Impugnação deduzida contra a respectiva Reclamação de Créditos, pelo que se deve considerar como confessada a matéria de facto invocada para o efeito naquela (arts.8º a 16º).

  1. Assim, deve ser dado como provado que: Dava-se, em relação à sociedade L..., o procedimento de facturação de bens pagos e destinados à mencionada L..., mas com a intervenção meramente formal de uma sociedade C..., em offshore, com o fim de, através da mesma, e do empolamento dos valores daqueles nesta sociedade, encaminhar tais proveitos da dita L... para a mencionada sociedade offshore, de acordo com o Reclamante H...; 3.º Que: Essa foi a leitura de tais operações no âmbito da denominada Operação Furação, em acção inspectiva, que determinou a respectiva tributação como proveito da L... e como despesas confidenciais da mesma; 4.º Que: Concretizando, a sociedade austríaca Aucana era fornecedora regular de aditivos à mencionada L..., destinados ao comércio desta, mas, por indicação do Reclamante H..., os mesmos seriam facturados à dita sociedade offshore C...; 5.º Que: Os bens em causa eram remetidos à L..., e nunca à dita sociedade offshore C...; 6.º Que: A facturação em nome desta apenas se destinava ao encaminhamento para tal offshore, de acordo com o Reclamante H..., dos proveitos da L...; 7.º Que: Assim, e só nos anos de 2002 a 2004, verifica-se que foram dessa forma envolvidos € 1.095.405,44 de proveitos da L...: Valor Fact Valor Fact. Diferencial Aucana C...

    3.640,00 37.709, 12 34.069,12 06-03-2002 26.784,00 176.117,76 149.333,76 17-07-2002 26.784,00 176.117,76 149.333,76 14-11-2002 26.784,00 176.117,76 149.333,76 482.070,40 11-03-2003 26.784,00 176.117,76 149.333,76 22-10-2003 26.784,00 176.117,76 149.333,76 298.667,52 23-02-2004 26.784,00 176.117,76 149.333,76 25-08-2004 7.400,00 23.400,00 16.000,00 23-02-2004 26.784,00 176.117,76 149.333,76 314.667,52 Total 1.095.405,44 8.º Que: Tal operação decorreu, durante vários anos, anteriores àqueles que foram objecto de fiscalização, sensivelmente desde 1996/1997, envolvendo, por norma e por quadrimestre, o diferencial de € 149.333,76 de proveitos devidos à L..., mas de que esta não beneficiou; 9.º E ainda, finalmente, que: Face a essa descapitalização da sociedade L..., esta via-se regularmente na contingência de recorrer ao crédito de ambos os Reclamantes, e, no caso do Reclamante H..., mediante suprimentos tributados à razão do juro anual de 18%.

  2. Assim, a hipoteca constituída a favor do Reclamante H..., sobre o imóvel da ora Recorrente, e que motivou a Reclamação daquele e a Impugnação desta, caso houvesse sido constituída pela sociedade L..., seria nula de acordo com o disposto no nº 6, do artigo 245º do C.S.Com..

  3. Tendo sido constituída pela ora Recorrente, que não se confunde com a L..., não se pode dizer que é nula ao abrigo do indicado normativo, mas sê-lo-á, nas circunstâncias acima descritas, por maioria de razão, por ofensa ao princípio da especialidade – o que expressamente se invoca para todos os efeitos.

  4. Finalmente, constitui abuso de direito a Reclamação de créditos apresentada pelo ora Recorrido, nas indicadas circunstâncias de facto – o que, a título subsidiário, expressamente se invoca para todos os efeitos.

  5. Ao assim não entender, violou o Tribunal a quo o disposto: no art. 574º, n.º 2, associado ao disposto no art. 790º, ambos do CPC; no nº 6, do artigo 245º do C.S.Com., associado ao princípio da especialidade; e no art. 334º do C. Civ.» Colhidos os vistos cumpre decidir.

    * Questão a decidir: O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs...

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