Acórdão nº 1429/19.6YRLSB-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: C (de nacionalidade brasileira) intentou a presente acção especial “contra” O (de nacionalidade portuguesa), pedindo que seja revista e confirmada a “decisão proferida” na escritura lavrada em 27/07/2015 pelo 4.º Tabelião de Notas da cidade e Estado de São Paulo, da República Federativa do Brasil, que reconheceu a união estável da requerente com o requerido desde 30/04/2015 (conforme certidão junta; a requerente apresentou a certidão do registo de nascimento do requerido em Portugal, onde consta o averbamento de que adquiriu a nacionalidade portuguesa).

O Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer desfavorável ao pedido, dizendo, no essencial, que: Tem vindo a consolidar-se jurisprudência nos nossos tribunais superiores no sentido de considerar que os actos em causa não podem ser objecto de revisão e confirmação por não se reconduzirem a verdadeiras decisões, mesmo considerando o sentido mais amplo do conceito, por conterem, tão só, um mero "enunciado assertivo ou constativo "limitando-se o notário a atestar o que lhe declaram os requerentes sem acrescentar qualquer actividade decisória ainda que meramente homologatória.

A jurisprudência a que o MP se estará a referir será a seguinte: I. Ac. do STJ de 28/02/2019, proc.

106/18.0YRCBR.S1: Nem a declaração da junta de freguesia prevista pelo direito português nem a escritura declaratória de união estável prevista pela lei brasileira fazem com que o acto composto pelas declarações dos requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido”, com a consequência de a escritura declaratória de união estável apresentada pelos requerentes não poder ser confirmada/revista.

Entre o mais, diz-se no acórdão: […] O termo decisão sobre direitos privados deve interpretar-se em termos amplos.

Em primeiro lugar, embora se fale decisões proferidas por tribunal estrangeiro, o sentido do termo decisão deve interpretar-se em termos suficientemente amplos para abranger decisões proferidas seja por autoridades judiciais, seja por autoridades administrativas.

Em segundo lugar, embora haja uma diferença entre o sentido de uma declaração contendo um enunciado assertivo ou constativo e o sentido de uma declaração contendo um enunciado performativo - entre uma declaração, designadamente sob compromisso de honra, de que um facto é verdadeiro e uma declaração de que se quer que um efeito se produza, ou não se produza —, o sentido do termo decisão dos arts. 978 e 980 deve interpretar-se em termos de abranger, p. ex., as decisões que reconhecem uma determinada circunstância ou uma determinada qualidade.

Excluídas ficam contudo as decisões judiciais ou administrativas invocadas pelos requerentes como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal (art. 980/2 do CPC).

[...] O direito brasileiro não exige uma decisão judicial para o reconhecimento da união de facto […] […] O teor do art. 978/2 do CPC deixa claro que a confirmação / revisão da escritura declaratória de união estável não é necessária para que tenha eficácia em Portugal.

[…] O alcance do termo decisão relevante para efeitos do art. 978 foi apreciado, designadamente, pelos acórdãos do STJ de 22/05/ 2013, no processo 687/12.1YRLSB.S1, e de 25/06/2013, no processo 623/12.5YRLSB.S1, concluindo-se em cada um dos acórdãos que abrange casos de “emissão formal da vontade da entidade administrativa responsável pelo acto, ainda que de carácter meramente homologatório”, e casos em que não há exactamente uma emissão formal de vontade — em que há, tão-só, “um acto caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido”.

Ora […] a escritura declaratória de união estável prevista pela lei brasileira [não] faz[…] com que o acto composto pelas declarações dos requerentes seja “caucionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido” — com a consequência de que a escritura declaratória de união estável apresentada pelos requerentes não pode ser confirmada / revista.

  1. Ac. do STJ de 21/03/2019, proc.

    559/18.6YRLSB.S1 (o 1º adjunto é o relator do acórdão I e III): A declaração dos requerentes numa escritura pública declaratória de união estável, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião) de que vivem, como se casados fossem, desde 15/03/1992, não deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 978/1 do CPC, não podendo ser revista e confirmada para produzir efeitos em Portugal.

    Entre o mais diz-se no acórdão: O acórdão do STJ de 25/06/2013 - a propósito da escritura pública prevista no artigo 1.124-A do CPC Brasileiro (Lei nº 5.869, de 11/01/1973), através da qual se pode realizar a separação consensual dos cônjuges, e prevista no art. 1.580 do CC/br -, decidiu que “os outorgantes não declaram a dissolução do vínculo conjugal. Pedem-na e o tabelião (notário) não se limita a testar as suas declarações, declara (decide) a dissolução, depois de verificados e preenchidos os requisitos legais”.

    O caso dos presentes autos é diferente. Os requerentes não obtiveram na escritura uma decisão homologatória por parte do tabelião que possa servir de base à presente revisão. Apenas declararam que “vivem como se casados fossem desde 15/03/1992, convivência que se mantém duradoura, pública e contínua”.

    Por conseguinte, estamos perante um simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa, ou seja, de quem haja de decidir sobre os direitos atribuídos ou reconhecidos em Portugal, pelo que a mencionada escritura invocada pelos requerentes, fica excluída do processo de revisão de sentença estrangeira - artigo 978/2 do CPC.

  2. Ac. do STJ de 09/05/2019, proc.

    828/18.5YRLSB.S1, (do mesmo colectivo do ac. do STJ de 28/02): A escritura pública declaratória de união estável prevista pelo direito brasileiro não pode ser confirmada ou revista nos termos do art. 978 do CPC.

  3. Ac. do TRL de 26/09/2019, proc.

    1777/19.5YRLSB-2: A escritura declaratória de união estável, prevista pelo direito brasileiro, não pode ser considerada ou revista nos termos do art. 978/1 do CPC, pois que não é “decisão” enquadrável na previsão desse preceito legal.

    Este acórdão segue os três anteriores do STJ.

    * Entretanto foram publicados outros dois acórdãos do TRL que seguem a posição dos três acórdãos do STJ – um de 24/10/2019, proc.

    1531/19.4YRLSB-2, que refere um outro no mesmo sentido (de 23/5/2019, proc. 247/19.6YRLSB) e o outro de 17/10/2019, proc.

    1268/19.4YRLSB-8.

    * Questão que importa decidir: se existe alguma decisão que possa ou deva ser revista.

    * Os factos relevantes para a decisão são os que constam do 1.º§ do relatório deste acórdão, que estão provados pelos documentos referidos, entre elas a escritura em causa que tem o seguinte teor (transcreve-se apenas na parte que importa e por isso com simplificações): “4º Tabelião de Notas – São Paulo – Comarca e Estado de São Paulo Escritura de declaração de União Estável: Saibam quantos o presente instrumento vierem que aos 27/07/2015, nesta cidade e capital de São Paulo, no Tabelionato […], perante mim, escrevente, compareceram como outorgantes declarantes […] e Carla […]. E, pelos outorgantes, assumindo a responsabilidade civil e criminal, foi declarado, que vivem desde 30/04/2015 em união estável, reconhecida como entidade familiar, […] aplicando-se a esta união o regime semelhante ao da comunhão parcial de bens, nos termos do art. 1.658 do Código Civil. Como consequência do pacto ora ajustado, dissolvida a união estável, por rescisão diante do fim do relação de convivência, por distrato em comum acordo, por registo de novo pacto ou falecimento de um dos Outorgantes, e conforme regime de bens ora pactuado, haverá comunicação de todos os bens adquiridos onerosamente durante a constância da união, ainda que só em nome de um dos Outorgantes. Fazem esta declaração para tudo o que for preciso, especialmente para surtir efeitos em todos e quaisquer atos da vida. […] Assim o disseram, na presença das testemunhas […]. A pedidos lavrei esta escritura, a qual feita e lhes sendo lida, em voz alta e clara, acharam conforme, aceitaram, outorgaram e assinam. […] (I) Antes mais diga-se o seguinte: O ac. do STJ de 09/05/2019, proc. 828/18, invoca um outro do STJ de 21/03/2019, proc. 925/18.7YRLSB-A.S1, que diz o seguinte: Só é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que conheça do objecto ou do fundo da causa – que o mesmo é dizer, se traduza em decisão que aprecie dos elementos de procedência ou improcedência da acção, em suma, que conceda ou denegue a pretensão de revisão e confirmação deduzida – não se inserindo nessa hipótese o acórdão em que se decidiu pelo liminar indeferimento da petição inicial com fundamento na falta de causa de pedir da acção, ou seja, em excepção dilatória, insusceptível de sanação (arts. 186, n.ºs 1 e 2, e 577/-b, ex vi art. 549/1 e 985 do CPC).

    Assim, como se vê, se o sumário deste acórdão [é só ele que está publicado e só no sítio do STJ na internet] não estiver errado, o acórdão não versa sobre esta questão.

    Por sua vez, o ac. do TRL de 26/09/2019, proc. 1777/19.5YRLSB-2, refere o ac. do TRP de 18/12/2018, proc.

    184/18.1YRPRT cujo sumário diz o seguinte: Quando a forma de processo empregue - revisão de sentença estrangeira – não se mostra apropriada ao tipo de pretensão deduzida – reconhecimento da união de facto nos termos e para os efeitos da Lei 7/2001 e da Lei 37/81 -, ocorre o vício processual de erro na forma de processo, por se verificar uma total inadequação da petição à forma processual a seguir, que determina a absolvição da instância.

    No seu texto este acórdão do TRP diz: “Neste contexto concorda-se com a posição defendida pelos requerentes e com a jurisprudência citada [os dois acórdãos do STJ de Maio e Junho de 2013 – parenteses deste TRL] […].

    Porém, a questão suscitada oficiosamente e que...

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