Acórdão nº 587/18.1T8PTL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório Nos autos de procedimento cautelar de arresto instaurado por F. R.

contra J. M.

foi inicialmente decretado o arresto de bens do requerido, sem contraditório prévio.

Após realização do arresto decretado veio o requerido deduzir oposição, na sequência do que veio a ser proferida nova decisão que julgou a oposição totalmente procedente, determinando o imediato levantamento do arresto anteriormente ordenado e concretizado nos autos.

No segmento final da parte dispositiva desta última decisão foi ainda determinado pelo Tribunal a quo o seguinte: «Nos termos e para os efeitos do artigo 412.º, n.º 2, do C.P.Civil, oficie o Processo n.º 594/17.1TBPTL, solicitando a remessa aos presentes autos de certidão do relatório pericial ali junto.

*Perante os factos apurados, ainda que indiciariamente em razão da natureza do processo, entendemos que a conduta do Requerente poderá, em abstracto, justificar a sua condenação por litigância de má fé.

Assim, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do C.P.Civil, notifique-se as partes para, querendo, no prazo de dez dias, tomarem posição».

Após contraditório, foi então proferido despacho que condenou o requerente como litigante de má-fé na multa de 5 UC (cinco unidades de conta) e na indemnização correspondente ao valor das despesas que o requerido despendeu ao deduzir oposição ao presente procedimento cautelar como consequência directa da má-fé do requerente (designadamente, honorários da mandatária que se cifram em 500,00€ + IVA, no total de 615,00€), que se vierem a apurar e cuja liquidação será feita a final, condenando ainda o requerente nas custas do incidente.

Inconformado, o requerente apresentou-se a recorrer, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. O recorrente não se pode conformar com a decisão de 30 de julho de 2019 que decidiu condenar o recorrente como litigante de má fé na multa de 5 UC (cinco unidades de conta) e na indemnização correspondente ao valor das despesas que o recorrido despendeu ao deduzir oposição ao procedimento cautelar como consequência directa da má fé do requerente (designadamente honorários da mandatária que se cifram em 500,00€ + IVA, no total de 615,00€) que se vierem a apurar e cuja liquidação será feita a final.

  1. Para melhor entendimento, sempre se dirá que o tribunal a quo na sentença proferida a 21 de junho de 2019 referiu o seguinte: ‘’Perante os factos apurados, ainda que indiciariamente em razão da natureza do processo, entendemos que a conduta do requerente poderá, em abstracto, justificar a sua condenação por litigância de má fé’’.

  2. Salvo o devido respeito, o recorrente entende que não é devida qualquer indemnização nem tão pouco qualquer multa a título de litigância de má fé.

  3. Resulta do disposto no artigo 542º n.º1 do CPC que a condenação em multa como litigante com má fé não depende de pedido da parte, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos.

  4. Quanto à indemnização, face a essa mesmo preceito, afigura-se nos indubitável que ela terá de ser pedida pela parte.

  5. Para que se constitua um crédito indemnizatório é necessária a verificação cumulativa de dois indispensáveis pressupostos: a demonstração de um ilícito perpetrado pelo lesante, traduzido na sua litigância censurável; e que o lesado com essa conduta, formule o pedido indemnizatório.

  6. Assim a parte contrária prejudicada com a litigância de má fé deve não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos, sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida.

  7. Ora, em momento algum, o recorrido fez prova do valor das despesas que despendeu ao deduzir oposição ao procedimento cautelar, não tendo apresentado qualquer documento comprovativo de ter pago seja o que for, apenas apresentou um requerimento em que refere o valor de 500,00€ + IVA.

  8. Motivo pelo qual, não havendo prova dos prejuízos sofridos e das despesas, nunca deveria ter sido arbitrada a indemnização pedida.

  9. Como também, ao ter o Tribunal a quo fixado o valor de 615,00€ a título de indemnização, não pode vir, seguidamente, relegar para momento posterior o apuramento e a liquidação da indemnização quando já fixou a mesma.

  10. Quanto à multa de 5 UC cumpre-nos referir o seguinte, 12. Segundo o n.º 3 do art. 543º do CPC, sob o título «conteúdo da indemnização», «se não houver elementos para fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se, depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável…» 13. Assim se evidencia pela mera leitura e devida interpretação do normativo em apreço, que só a fixação da indemnização a atribuir em consequência da litigância de má-fé pode ser relegada para posterior (relativamente à sentença) decisão.

  11. Já «a contrario sensu», a condenação da parte como litigante de má-fé e a fixação da respetiva multa processual não pode ser deixada para ulterior decisão.

  12. Antes devendo ser fixada pelo juiz na sentença final, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 26.09.2013, in www.dgsi.pt.

  13. Sendo que aqui o Tribunal a quo na sentença apenas e só refere que o recorrente ‘’poderá, em abstrato justificar a sua condenação por litigância de má fé’’, não havendo uma efectiva condenação, apenas uma mera equação de condenação! 17. Em suma, tem o Tribunal a quo que afirmar e proferir a consequente decisão de condenação da parte, enquanto litigante de má-fé, na sentença final, ali fixando, ainda, a multa que julgue mais adequada, fixando-a sempre em quantia certa.

  14. Não sendo consentido ao Tribunal a quo relegar tal decisão para momento posterior, por a tanto se oporem os limites do seu poder jurisdicional, que cessa com a prolação da sentença.

  15. Sendo assim, se coloca a questão da qualificação do vício de que padece a decisão assim proferida, isto é, proferida após o esgotamento do poder jurisdicional do Tribunal a quo.

  16. Encontrando-se aqui em causa, por aplicação analógica ou interpretação extensiva, do preceituado no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC, enquanto nulidade por excesso de pronúncia, na estrita medida em que o Tribunal a quo proferir despacho após a sentença, ao decidir da condenação em indemnização e multa em litigância de má-fé, fê-lo já, em momento em que, por esgotamento do seu poder jurisdicional, o não podia fazer, conhecendo, portanto, nesse circunstancialismo, de questão de que não podia tomar conhecimento, decidindo, por isso, «em excesso».

  17. O douto despacho recorrido é nulo por excesso de pronúncia pois violou o artigo 615º n.º 1 al. d) do CPC pelo que em consequência de todo o exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida».

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    O recurso foi então admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito suspensivo da decisão.

    II.

    Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso – cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) – as questões a resolver no presente recurso circunscrevem-se às seguintes questões: A) Da nulidade da decisão recorrida; B) Saber se deve manter-se a condenação do requerente/apelante no pagamento de multa e de uma indemnização ao requerido/oponente, como litigante de má-fé; em caso afirmativo, se o montante da indemnização atribuída deve manter-se.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    1. Fundamentação 1.

    Os factos 1.1.

    Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, relevando ainda os seguintes factos que foram considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida: 1.1.1. Através de requerimento de 25-05-2018, o requerente instaurou o presente procedimento cautelar alegando, além do mais, o seguinte: «1.º Em 15 de Março de 2016, Requerente e requerido celebraram um contrato de mútuo, no âmbito do qual acordaram verbalmente que o Requerente mutuaria ao Requerido a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros).

    2º Nesse mesmo dia, Requerente e requerido celebraram uma confissão de dívida e acordo de pagamento por documento particular. (cfr. doc.n.º1) 4.º E nesse mesmo documento particular, Requerente e Requerido acordaram que tal valor seria pago pelo requerido, através de 12 prestações mensais no valor de 1.666,66 cada uma, com o seu início a 1 de abril de 2016 e o seu término a 1 de Abril de 2017. (cfr. doc. n.º1) 5º Acordando ainda que o requerido pagaria ao requerente a quantia de € 800,00 a título de juros de uma só vez, conforme consta da cláusula 3 do referido acordo de pagamento. (cfr. doc. n.º1) 6º Todavia, até à presente data o requerido não pagou qualquer uma das prestações a que se obrigou, nem qualquer quantia a título de juros ao requerente.

    7º Sendo nesta data devedor da quantia de € 20.800,00 (vinte mil e oitocentos euros)».

    1.1. 2.

    Com o requerimento inicial o requerente juntou, como documento 1, um escrito intitulado “confissão de dívida e acordo de pagamento por documento particular”, datado de 15/03/2016, no qual aparece, no lugar destinado ao segundo outorgante, uma assinatura atribuída ao Requerido, alegadamente reconhecida pela Solicitadora A. P.; 1.1.3.

    Por decisão 15-06-2018 foi ordenado o arresto dos seguintes bens do requerido J. M.: 1 - conta bancária com saldo de € 16.011,00 (dezasseis mil e onze euros) depositada na conta de depósito à ordem, na Caixa ..., com a identificação 40272375008 e 43118244016; 2 - saldo de qualquer conta que o requerido possua nos seguintes bancos: Caixa ..., Banco …, CAIXA ..., Banco..., Banco... e Banco...; 3 - o veículo de matrícula ZB marca Peugeot; 4 - prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, da freguesia de …, Ponte de Lima, descrita na CRP de Ponte de Lima sob o nº...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT