Acórdão nº 8525/16.0T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I – P... e mulher, C..., instauraram ação declarativa de condenação com forma de processo comum contra o Banco S..., S.A., pedindo que: - se declare que o réu incumpriu culposamente as condições de movimentação da conta nº ... de que era titular a P..., Lda., sediada no ...; - que se declare que o réu incumpriu culposamente o contrato de abertura de crédito por conta corrente, denominado Conta Corrente Negócios quando efectuou o pagamento dos cheques, por conta desse crédito; - que se declare a ilegalidade do saldo negativo da Conta Corrente Negócios criado para fazer face ao pagamento desses cheques e em consequência se declare que os autores como garantes das responsabilidades emergentes dessa conta não têm ou não tinham, a obrigação de assumir o pagamento daquele saldo; - que se condene o réu a pagar aos autores uma indemnização por danos materiais de 6.250,29 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação, pelo facto de terem sido obrigados a efectuar um pagamento indevido dessa quantia no processo de execução nº ...; - que se condene o réu a pagar aos autores uma indemnização pelos restantes danos materiais que sofreram ou que venham a sofrer em resultado da sua conduta ilegal quando os mesmos forem quantificados; - que se condene o réu a pagar ao autor uma indemnização de 17.500,00 € e a pagar à autora uma indemnização de 12.500,00 € para compensação dos danos morais que ambos sofreram Alegam, em síntese, que em 1996 o A. marido, conjuntamente com A... e S..., constituíram a sociedade P..., Lda, e que sendo sócios e únicos gerentes dessa sociedade, nessa qualidade, em 14/06/2005, abriram uma conta bancária em nome da sociedade no balcão do banco R.. Ficou estipulado e exarado na respetiva ficha de abertura de conta que as únicas pessoas com poderes para movimentar a conta eram o A. e S..., na qualidade de sócios-gerentes da sociedade, e que a movimentação dos fundos da conta, designadamente através de cheques, carecia necessariamente da assinatura conjunta dos dois. Em 10/07/2007 os AA. cederam a P... uma quota na sociedade, e o sócio C... e mulher cederam uma quota a L... O sócio S... já cedera a sua quota na sociedade em 22/01/2007, tendo renunciado à gerência em 16/01/2007. Foram nomeados gerentes da sociedade os novos sócios, P... e L..., mantendo-se como gerente o ora A., P... Contudo, a nomeação dos dois novos gerentes não foi objecto de registo comercial. O A. só renunciou à gerência em 22/10/2007, e tal renúncia só foi objecto de registo comercial em 16/11/2007. Apesar destas alterações na vida da sociedade, não ocorreu qualquer alteração na ficha bancária acima referida. E apesar disso, os novos (mas não únicos) gerentes da sociedade, nomeados a partir de Setembro de 2007, sacaram, pelo menos, 9 cheques, no valor total de 17.526,1€ - cheques onde figuram apenas as assinaturas de P... e L..., pessoas que nos termos do contrato exarado na ficha bancária não tinham poderes para assinar cheques e para movimentar a conta bancária. Com excepção de um cheque de 7.500,00 €, emitido em 23/01/2008, todos os restantes foram emitidos em data anterior à da renúncia do A. à gerência da sociedade. Apesar disso, o R. pagou os montantes apostos nos cheques, com o que violou grosseiramente as condições de movimentação da conta estabelecidas no contrato de abertura da mesma. Acresce que em 11/10/2006 fora celebrado entre o R. e P... um contrato de abertura de crédito por conta corrente, denominado "Conta Corrente Negócios", tendo ficado os AA. como garantes das responsabilidades emergentes desse contrato de abertura de crédito e tendo subscrito e avalizado uma livrança em branco com autorização de preenchimento. Em resposta a uma reclamação apresentada pelo A. marido no Banco de Portugal, o R. veio dizer, em 07/08/2013, que oito dos cheques referidos foram pagos pelo banco por via do recurso ao crédito resultante daquele contrato de abertura de crédito. Mais disse que o cheque no valor de 7.500,00€ não foi pago, por se ter esgotado o limite de crédito concedido através do referido contrato. Em 28/5/2013 o R. enviou aos AA. uma carta, através da qual denunciou o contrato de abertura de crédito, e alertou nessa carta para a necessidade de diligenciarem a regularização dos montantes em dívida na data do vencimento. Em 10/03/2014 o M... recusou uma proposta de crédito apresentada pela sociedade C..., Lda, da qual os AA. são sócios, pelo facto de haver na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal um registo de responsabilidade de crédito vencido dos AA. no valor de 5.010,00 €, responsabilidade que deriva da garantia prestada pelos autores no contrato de abertura de crédito referido e que resulta do não pagamento do referido cheque emitido em 23/01/2008. Em Junho de 2014 o R. instaurou execução contra os AA. e estes, para evitarem mais transtornos e para limparem o registo negativo do Banco de Portugal, procederem ao pagamento da dívida exequenda, juros e despesas da execução, num montante total de 6.139,69 €, antes de terem sido citados para a execução. Viram penhorados um veículo automóvel e uma mota no âmbito da execução, tendo pago a quantia de 110,60€ para cancelar os registos das penhoras. Entendem que estes prejuízos são consequência directa da acção ilícita do R., já que eram garantes apenas de responsabilidades resultantes de movimentações regulares e lícitas da conta bancária da sociedade, e o R. não devia ter pago tais cheques, e muito menos fazê-lo com utilização do crédito da Conta Corrente Negócios, da qual eram garantes e avalistas os AA. O R. actuou de modo ilícito e culposo e a sua acção causou danos materiais e morais aos AA.- os fornecedores passaram a exigir os pagamentos de mercadorias a pronto, quando antes lhes concediam crédito de prazo de 30 ou 60 dias, e foi-lhes doloroso enfrentar os funcionários dos Bancos com quem trabalham quando lhes chamavam a atenção para a informação negativa do Banco de Portugal; sentiram cólera, indignação, vergonha e desgosto, ficaram ansiosos, tendo passado a dormir mal, tendo menos apetite e perdendo alegria de vida.

O R. contestou, arguindo as exceções de ilegitimidade e caso julgado, e alegou que os AA. não invocam qualquer vício da vontade que legitime pôr em causa o pagamento que voluntariamente realizaram no âmbito da execução, pelo que é infundado o pedido de indemnização, mas se assim se não entender, sempre está precludida a sua pretensão, pois o momento adequado para o fazerem seria a dedução de embargos à execução. Alega ainda abuso de direito, entendendo que os AA. foram responsáveis pela situação, por não terem sido diligentes na negociação com os adquirentes das quotas, não solicitando a sua desvinculação como avalistas da sociedade P..., Ldª (independentemente de saber se o banco aceitaria a sua desvinculação), bem sabendo, ou não devendo ignorar, que a dita sociedade podia, a todo o momento, utilizar o crédito aberto em seu nome e por si garantido. Servem-se de um facto a que deram causa – não comunicação atempada ao banco da sua saída da sociedade - para tentarem recolher um benefício. Por outro lado, as pessoas que sacaram os cheques em nome da sociedade eram aqueles que efectivamente tinham legitimidade para tal, já que eram os (novos) gerentes constituindo venire contra factum proprium que quem está obrigado a comunicar as mudanças na vida sociedade (maxime alterações de gerência), as omita ao banco e a seguir venha invocar que o pagamento dos cheques só poderia ser feito com a assinatura de pessoas que já não vinculavam a sociedade. Acresce que aquando da recepção da carta (notificação para regularização de cheque devolvido por falta de provisão) o A. não informou o banco de que já não era gerente, tendo o cheque sido regularizado, pois, caso contrário, a sociedade entraria na Listagem de Utilizadores de Risco do Banco de Portugal. Invocam ainda que os AA. sabem bem que os cheques que invocam são truncados, cheques em que os bancos, de acordo com o sistema SICOI, elaborado pelo Banco de Portugal, atento o seu montante, não verificam as assinaturas, e pretendem aproveitar-se dessa realidade conjugada com a omissão de comunicação atempada de mudança de gerência na sociedade para tentar obter um benefício (ilícito). Por último, bem sabem os AA. que se a sociedade desse uma ordem de transferência em vez de emitir os referidos cheques, o R. pagaria ao abrigo do plafond de crédito disponível. A R. alega ainda que o referido cheque de 7.500€ não foi pago, mas regularizado mediante entrega do original no balcão, o que impediu a rescisão da convenção do cheque.

Tendo tido lugar audiência prévia, foi nela proferido despacho saneador - no qual foram julgadas improcedentes as exceções de caso julgado e ilegitimidade - foi fixado o objecto do litígio e foram enunciados os temas de prova.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, declarando que o R. incumpriu culposamente as condições de movimentação da conta nº ... de que era titular a P..., Lda.; declarando que o R. incumpriu culposamente o contrato de abertura de crédito por conta corrente, denominado Conta Corrente Negócios, quando efectuou o pagamento dos cheques por conta desse crédito, bem como a irregularidade do saldo negativo da Conta Corrente Negócios criado para fazer face ao pagamento desses cheques e, em consequência, que os AA. não tinham a obrigação de assumir o pagamento daquele saldo; condenando o R. a pagar aos AA. uma indemnização por danos patrimoniais no montante de 6.250,29€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação; condenando ainda o R. a pagar ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 10.000,00€, e a pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de 7.500,00€.

II - Do assim decidido apelou o R., tendo concluído as respetivas alegações do seguinte modo: ...

Os AA...

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