Acórdão nº 29/09.3T2ODM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 29/09.3T2ODM.E1 Relatório (…), (…) e marido, (…), e (…) e mulher, (…), propuseram a presente acção declarativa, sob a forma sumária, contra (…).

Os pedidos são os seguintes: - Julgar-se constituída, a favor dos autores, em comum e sem determinação de parte ou direito, por usucapião do seu domínio útil, a enfiteuse sobre a parcela de terreno com a área de 1,2250 hectares, com as confrontações referidas no artigo 4.º da petição inicial, actualmente prédio rústico inscrito na matriz da freguesia do (…) sob o artigo (…), secção (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o n.º …/210295 daquela freguesia; - Reconhecer-se que os autores são, em comum e sem determinação de parte ou direito, os proprietários da referida parcela de terreno por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 195-A/76, de 16.03, condenando-se o réu a reconhecer tal aquisição.

O réu deduziu incidente de intervenção principal provocada de (…) e contestou, alegando desconhecer os factos alegados pelos autores e concluindo no sentido da improcedência da acção.

Na sequência do falecimento do réu, foram (…) e (…) habilitadas como sucessoras deste.

Por decisão proferida em 28.04.2017, foi (…), na qualidade de adquirente, habilitada para prosseguir os termos da acção no lugar do réu e das respectivas sucessoras.

Foi proferido despacho saneador, com a identificação do objecto do litígio e o enunciado dos temas de prova.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença julgando a acção procedente.

A ré recorreu da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

  1. A ora recorrente, não se conformando com a douta sentença proferida pelo tribunal a quo interpõe o presente recurso de apelação, da douta sentença, nomeadamente, em tudo o que resultar em desfavor para a ora recorrente, quando na mesma se condena a ora recorrente: “(…) 1. Declara-se constituído a favor dos autores, (…), (…), (…), (…) e (…), em comum e sem determinação de parte ou direito, o direito de enfiteuse sobre a parcela de terreno com a área de 1,2250 hectares, destacada do prédio rústico denominado “(…)”, inscrito na matriz da freguesia de (…) sob o artigo (…) da Secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o n.º …/19950221.

    1. Reconhecem-se os autores, (…), (…), (…), (…) e (…), em comum e sem determinação de parte ou direito, como proprietários da parcela de terreno com a área de 1,2250 hectares, destacada do prédio rústico denominado “(…)”, inscrito na matriz da freguesia de (…) sob o artigo (…) da Secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o n.º …/19950221.

    2. Condena-se a ré habilitada, (…), a reconhecer a aquisição pelos autores do direito de propriedade sobre a parcela de terreno com a área de 1,2250 hectares, destacada do prédio rústico denominado “(…)”, inscrito na matriz da freguesia de (…) sob o artigo (…) da Secção (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Odemira sob o n.º …/19950221.

    3. Condena-se a habilitada ré ao pagamento das custas processuais.

    (…)”.

  2. Da falta do conhecimento oficioso da excepção da ilegitimidade activa dos ora recorridos.

  3. Da prova documental junta com a petição inicial não consta toda e qualquer habilitação de herdeiros, do pai de (…), para que o douto tribunal a quo tivesse conhecimento de quem são os seus “reais” sucessores e se nomeadamente o direito em discussão se transmitiu apenas e só a (…) e se consequentemente, aos autores na qualidade de únicos herdeiros deste e se os mesmos têm legitimidade activa processual para o devido efeito.

  4. Na petição inicial, os autores, ora recorridos sustentaram que se mantêm na posse da parcela de terreno sub judice, por si e antecessores, desde 1950, nomeadamente, porque o marido e pai dos autores, (…), tomou de aforamento verbal ao então proprietário (…) a referida parcela de terreno, sendo que desde então até ao falecimento de (…), os ora recorridos têm utilizado a parcela, agindo como titulares do seu domínio útil e pagando o respectivo foro e que em, consequência, adquiriram por usucapião o domínio útil sobre a parcela em causa, constituindo-se assim, uma relação de enfiteuse e, posteriormente, por força da extinção daquele instituto, passaram a ser proprietários daquela parcela.

  5. No domínio jurídico dos direitos reais vigora no direito nacional a máxima nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet, segundo a qual ninguém pode transferir para terceiros mais direitos do que tem ou direitos que não tem. É esta regra que inspira, por exemplo, o princípio do trato sucessivo do registo predial.

  6. Em virtude dessa regra, o reconhecimento do direito de propriedade só pode ser fundamentado em factos constitutivos da aquisição do direito de propriedade e esta, em princípio, só é possível através da demonstração de uma forma de aquisição originária, uma vez que na transmissão derivada estaria sempre por demonstrar que o transmitente era efectivamente titular do direito que declarou transmitir. Querendo ser reconhecidos como proprietários, os reivindicantes devem fazer a prova dos factos onde radica a aquisição do direito de propriedade, a prova de uma forma de aquisição originária. A outra possibilidade consiste na demonstração de factos a que correspondam presunções de domínio não afastadas pela parte contrária.

  7. Resulta do disposto nos artigos 1287.º e 1288.º do Código Civil que a posse não conduz automaticamente à aquisição do direito correspondente, gerando somente a faculdade de o possuidor poder adquirir o direito, para o que, no entanto, necessita de invocar a usucapião. Essa invocação tem naturalmente de ser feita pelo possuidor, mas os actos de posse que relevam para efeito de contagem do prazo de usucapião não são somente os do próprio possuidor. Se o anterior possuidor tiver falecido, a posse continua nos sucessores pelo que para aquele efeito se entrará em linha de conta com o tempo de posse do antecessor (art. 1255.º do Código Civil). Se o anterior possuidor tiver transmitido a posse por actos entre vivos (art. 1264.º, n.º 2, do Código Civil), o novo possuidor pode juntar à sua posse a posse do antecessor (art. 1256.º do Código Civil).

  8. Embora os efeitos da invocação da usucapião se retrotraiam à data do início da posse (art. 1288.º do Código Civil), antes da invocação da usucapião a aquisição do direito não ocorre, existe posse mas não existe ainda e poderá nunca vir a existir o direito correspondente. A posse é um mero poder de facto que conduz a uma posição jurídica que se traduz na faculdade jurídica de aquisição de um direito, não é um direito que integra o património do possuidor e que por morte deste se transmita por via sucessória. Os sucessores do possuidor sucedem na posse deste, por morte do qual ficam investidos, independentemente da apreensão material da coisa, na posse da coisa que o antecessor vinha exercendo, não na titularidade do direito correspondente.

  9. Ora, na acção, quem se apresenta a invocar a usucapião são os autores, não são os seus antepassados, portanto, quem pode adquirir o direito real são os autores, não são os seus antepassados, ainda que por via da sucessão na posse possam fazer a prova de que, independentemente de não praticarem actos materiais sobre a coisa, têm a posse que foi iniciada pelos seus antepassados mediante a demonstração da posse destes e da sua qualidade de sucessores dos mesmos.

  10. Os antepassados dos autores que tivessem a posse tinham um poder de facto que desde que munido de certas características e prolongado por determinado período de tempo lhes permitia adquirir o direito de propriedade.

  11. Mas só teriam adquirido o direito se tivessem eles mesmos invocado a usucapião em seu benefício, situação que não foi alegada. Sendo, como vimos, a posse um poder de facto e não um direito, com o falecimento dos antepassados dos autores, estes sucederam na posse não num qualquer direito que aqui possam vir exercer por via sucessória e em relação ao qual estejam colocados na posição jurídica dos seus antepassados.

  12. Sabe-se que o titular do direito real tem a posse correspondente a esse direito, é a chamada posse jurídica ou causal. Todavia, se o objecto da acção é precisamente apurar o direito de propriedade que os autores dizem ter adquirido por sucessão de (…), sob pena de se cair num círculo vicioso, não se pode partir da afirmação de que o bem integrava o património deste para deduzir que ele tinha a posse (jurídica) do imóvel e a partir desta posse presumir que ele era a titular do direito real correspondente à posse.

  13. Mas in casu o direito real em discussão é perpétuo (enfiteuse), e em que ficamos, como adveio ao património de (…) este direito real? Desconhecemos, porque não foi junto aos presentes autos qualquer escritura de habilitação de herdeiros dos seus pais, processo de inventário dos seus falecidos pais e repúdios dos seus irmãos às heranças dos respectivos pais, da prova produzida constatamos sim, que (…) teve 7 ou 8 irmãos, e como pode este suposto “direito”, perpétuo, apenas ter sido transmitido a (…)? Não sabemos.

  14. Como se poderá constatar pelas declarações de parte transcritas de … (Áudio 02:34 a 03:28 e 06:40 a 07:20) e … (Áudio 04:09 a 05:54; 06:51 a 07:26; 08:23 a 08:38; 13:18 a 14:15; 20:32 a 21:40; 22:23 a 22:44; 23:43 a 24:16; 31:37 a 31:51: 36:38 a 37:23 e 39:59 a 40:36) e do depoimento das testemunhas … (Áudio 06:34 a 07:56; 08:44 a 09:27; 18:34 a 18:54 e 21:40 a 22:58); … (Áudio 04:45 a 05:01) e … (Áudio 04:34 a 04:56 e 05:40 a 06:18).

  15. Conforme resulta do artigo 83.º do Código do Notariado, a habilitação notarial consiste na declaração, feita em escritura pública, por três pessoas que o notário considere dignas de crédito ou, em alternativa, por quem desempenhar o cargo de cabeça de casal, de que os habilitandos são herdeiros do falecido e não há quem lhes prefira na sucessão ou quem concorra com eles.

  16. E por conseguinte, por ausência de requisito de posse de...

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