Acórdão nº 2489/17.5T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução07 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 2489/17.5T8STR.E1 I. Relatório (…) Plc – Sucursal em Portugal, S.A., com sede na Rua (…), 41, em Lisboa, instaurou contra (…), residente na Rua (…), em Alpiarça, a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação do R. no pagamento da quantia de € 84.413,07, acrescida de juros vencidos desde 16.12.2016 e dos vincendos até integral pagamento. Em fundamento alegou ter ocorrido acidente de viação no dia 01.06.2014, no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 29-(…)-99, conduzido pelo R., e o tractor agrícola de matrícula 47-18-(…), então conduzido por (…). Do embate, cuja ocorrência ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do ligeiro, resultou a morte da passageira, tendo a demandante despendido na regularização do sinistro, designadamente no pagamento das indemnizações devida à sucessora da falecida e ao proprietário do tractor, incluindo as demais despesas que discrimina, a quantia que aqui reclama. O R. foi submetido a exame toxicológico, tendo acusado a presença de canabinóides no sangue, produto estupefaciente que influenciou a sua condução e que foi determinante para a ocorrência do acidente e respectivas consequências, assistindo à autora o direito de regresso que pretende exercer. * Citado, o R. apresentou contestação, alegando não ter sido o único responsável pela produção do acidente nem pelas graves consequências que dele resultaram, uma vez que o tractor se encontrava equipado com um carregador frontal de garfos de grande dimensão, colocado na dianteira, à altura do vidro e tejadilho do veículo conduzido pelo contestante, o que não é permitido, tendo sido este equipamento a atingir a passageira e a provocar-lhe a morte. Alegou ainda que apresentava um valor canabinóides mais de dez vezes inferior ao limite permitido, em medida não susceptível de influenciar a sua capacidade de condução, não se verificando por isso os pressupostos do direito de regresso. * Teve lugar a audiência prévia no âmbito do qual foi proferido saneador tabelar, tendo os autos prosseguido com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação das partes. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido a final proferida sentença que, na procedência da acção, condenou o R. a pagar à autora a quantia de € 84.413,07, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, desde 12.03.2018 até efectivo e integral pagamento. Inconformado, apelou o R. e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes necessárias conclusões: “A- Cumprindo o ónus a seu cargo, o recorrente especifica que os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados são os seguintes: (factos 11, 12, 15, 16, 17, 24 e 25); B- Não existem no processo meios probatórios, nem foram produzidas provas em sede de audiência de julgamento, que permitissem julgar provados tais factos; C- Relativamente a estes pontos da matéria de facto que se entende terem sido erradamente julgados, temos que todos se reconduzem à presença de canabinóides no sangue e à sua suposta influência na condução do recorrente, isto é, o alegado nexo causal entre a condução sob influência de canabinóides e a ocorrência do acidente; D- Quer a decisão tomada acerca dos aludidos pontos da matéria de facto, quer a motivação que conduziu à decisão, estão francamente erradas, padecendo de um erro de base que determina a necessidade de alterar radicalmente a decisão proferida sobre a matéria de facto (o que, ao abrigo do artigo 662.º do CPC), se requer; E- O erro de base consiste na pura e simples omissão e desconsideração da taxa de concentração de canabinóides apresentada pelo recorrente; F- Em ponto algum da matéria de facto ou da respectiva motivação é referida a taxa ou concentração de canabinóides que o ora recorrente apresentava; G- No caso em apreço a quantidade apresentada foi de 4,3 ng/ml) (relatório doc. junto à PI), a qual é manifestamente inferior ao limite permitido, que é de 50 ng/ml, medida a partir da qual se impõe a realização de exame de confirmação; H- Se o ora recorrente tivesse sido submetido a rastreio prévio, nem sequer seria sujeito a exame de confirmação; I- Apurou-se que a quantidade apresentada pelo R. era mais de 10 vezes inferior ao nível de concentração permitido de 50 ng/ml, pelo que, não se pode concluir pela efectiva susceptibilidade de influenciar a capacidade de condução do arguido; J- Neste sentido, atente-se no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/05/2018, proferido nos autos com o n.º 7907/16.1 T8SNT.L1-2: Sumário: Para efeitos de direito de regresso da seguradora (art.º 27-c do DL 291/2007), não é suficiente que um condutor que deu causa a um acidente acuse a presença no sangue de 2 ng/ml de canabinóides [ou seja, o ∆9-tetrahidrocanabinol (THC)] e 0,7 ng/ml do seu metabolito activo [que é o 11-hidroxi-∆9- tetrahidrocanabinol (11-OH-THC)]…”. K- A posição tomada pela sentença sob recurso é a de que seja qual for a quantidade de estupefaciente no organismo do condutor, tanto basta para que este tenha de reembolsar a seguradora daquilo que ela pagou ao lesado; L- Da sentença sob recurso não consta uma única referência à quantidade de canabinóides que o ora recorrente apresentava – bastando-se com afirmações genéricas; M- Só uma quantidade de estupefaciente que ultrapasse um limite legal pode ser relevante para que se possa considerar que um condutor acusou estupefacientes – Também neste sentido o ac. do TRE de 07/01/2016, proc. 1050/13.2GCFAR.E1; N- De tudo quanto vem exposto, importa extrair a necessária conclusão de que a decisão tomada na sentença recorrida relativamente aos aludidos pontos da matéria de facto provados (pontos 11, 12, 15, 16, 17, 24 e 25), relativos à condução sob influência de estupefacientes, está errada; O- Impõem a sua alteração, a total ausência de prova relativamente à referida condução sob influência de estupefacientes – pois, como se viu, a sentença recorrida nem sequer refere qual a concentração de tais produtos que o recorrido apresentava e o facto constante dos autos, da taxa apresentada pelo ora recorrente ser de 4,3 ng/ml; conforme relatório do serviço de química e toxicologia forenses junto à PI. a fls. 21; P- Manifestamente inferior ao limite permitido, o qual é de 50 ng/ml; Q- Pelo que não era lícito à sentença recorrida dar por provados tais factos, donde decorre a necessidade dos mesmos serem considerados não provados; R- Não se apurou, pois, qualquer nexo de causalidade entre a reduzidíssima quantidade de canabinóides apresentada pelo recorrente e a produção do acidente; S- Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o art.º 81.º, n.º 5, do CE, norma esta que tem de ser conjugada com as normas que regulam os procedimentos a seguir em ordem a detectar o estado de influenciado por canabinóides e que determina que os resultados só podem ser considerados positivos quando os valores obtidos forem iguais ou superiores às concentrações indicadas no quadro n.º 2 do anexo V (art.º 16 da Portaria nº 902-B/2007, de 13/8), ou seja, de 50 ng/ml para o grupo dos canabinóides; T- Pelo que foi feita uma errada interpretação e aplicação do mencionado n.º 5 do art.º 81º do CE; U- Para efeitos de direito de regresso da seguradora (art.º 27, al. c), do DL 291/2007), não é suficiente que o condutor que deu causa a um acidente acuse a presença no sangue de 4,3 ng/ml de canabinóides, impõe-se, pelo contrário, que o valor obtido seja igual ou superior às concentrações indicadas no quadro n.º 2 do anexo V (art.º 16 da Portaria nº 902-B/2007, de 13/8), ou seja, de 50 ng/ml para o grupo dos canabinóides; V- No caso em apreço, tal não sucedia, pelo que também o artigo 27.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 291/2007 foi violado, na medida que que não se verificava o alegado pressuposto do direito de regresso - o consumo de estupefacientes, em valores iguais ou superiores às concentrações indicadas no quadro n.º 2 do anexo V (art.º 16 da Portaria nº 902-B/2007, de 13/8), ou seja, de 50 ng/ml para o grupo dos canabinóides. Conclui pela procedência do recurso, com o decretamento da sua absolvição do pedido. Contra-alegou a A. e, estribando-se na sentença, defendeu a manutenção do decidido. * Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal: i. Determinar se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto; ii. Decidir se à autora...

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