Acórdão nº 2160/19.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
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RELATÓRIO ARGUIDA/RECORRENTE: X – INDÚSTRIA DE CALÇADO, LDA.
A arguida impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa Autoridade para as Condições de Trabalho que lhe aplicou a coima única de 2.
600€ e a sanção acessória de publicidade, pela prática da infracção derivada da falta de apresentação aos agentes fiscalizadores dos registos dos tacógrafos referentes a alguns dos 28 dias anteriores à fiscalização, p.
e p.
no 15º, nº 7, a) do Regulamento (CEE) 3821/85, de 20/12(1) e 25º, 1, b), 14º, 4, a) da Lei 27/2010, de 30/08.
Alegou: - Que não praticou a contra-ordenação que lhe é imputada, uma vez que o seu motorista não conduziu nos dias relativamente aos quais não apresentou os discos do tacógrafo; - Que se assim não se entender, deve ser aplicada a pena de admoestação; - A inconstitucionalidade material do disposto no art. 551º, 3, do CT (responsabilidade solidária do gerente da arguida pelo pagamento da coima, juntamente com a arguida) por violação do art. 30º, 3 da CRP (proibição de transmissão da responsabilidade penal); - A inconstitucionalidade material do disposto no art. 562º, 1 (aplicação da sanção acessória de publicidade), do CT por violação do artigo 30º, 4 da CRP (proibição de perda de direitos civis, profissionais ou políticos por efeito automático da aplicação de uma pena) defendendo-se a recusa de aplicação destas duas normas.
O juiz a quo decidiu mediante simples despacho (art. 39º RGCLSS (2)) com o seguinte teor (dispositivo): “Pelo exposto, julgo o recurso improcedente e, em consequência, mantenho a decisão proferida pela ACT.” FUNDAMENTOS DO RECURSO DA ARGUIDA (412º CPP por remissão do art. 50º, 4 e 51º do RPCLSS): A arguida apresenta as seguintes conclusões (transcritas): 1ª) A arguida foi acusada e condenada nos presentes autos pela prática da contraordenação p. e p. pelo artigo 25º nº 1 alínea b) da Lei nº 27/2010 de 30/08, sendo que as folhas de registo a que esta norma se refere são as folhas de registo de tacógrafo ou de livrete individual de controlo (ver o artigo 16º do mesmo diploma) e, no caso dos autos, apenas as folhas de registo de tacógrafo estavam em causa.
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) Considerar-se que também a falta de outras folhas de registo ou outros documentos e declarações importa a prática da contraordenação p. e p. pelo artigo 25º nº 1 alínea b) da Lei nº 27/2010 de 30/08, constitui clara violação do disposto nos artigos 1º e 2º do Decreto Lei nº 433/82 de 27/10, ou seja, dos princípios da legalidade e “nullum crimen sine lege”.
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) Na decisão recorrida foi julgado provado, para além do mais, que: 11 – Os dias compreendidos no período de 28 dias anteriores à fiscalização, relativamente aos quais o condutor não apresentou registos de tacógrafo, foram dias em que esteve a trabalhar para a arguida nas respectivas instalações, designadamente na portaria e no armazém.
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) Portanto, apesar do condutor não ter apresentado documento que comprovasse os outros trabalhos que realizou – na portaria e no armazém - nos 28 dias anteriores à fiscalização em que não conduziu, o certo é que o despacho recorrido (tal com a ACT já o fizera anteriormente na decisão administrativa) deu tais factos como provados, pelo que, ainda que se considerasse que a falta de tal documento também constitui contraordenação, seria de um formalismo excessivo, violador do primado da justiça material sobre a justiça formal, não se considerar não cometida a contraordenação atenta a prova de tais factos.
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) A legislação pretensamente violada e acima referida diz respeito aos tempos de condução e de repouso dos trabalhadores rodoviários e visa evitar a ocorrência de períodos alargados de condução com as naturais consequências para a segurança rodoviária, bem como dos próprios trabalhadores.
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) A arguida não colocou em causa os tempos de condução máximos, nem as disposições que impõem um período de repouso semanal regular aos condutores e nem as disposições que prevêem que, em caso algum, o período de repouso diário destes possa ser menor do que um período ininterrupto de nove horas.
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) Mesmo que assim se não entendesse sempre deveria, na pior das hipóteses, aplicar-se à arguida a pena de admoestação mencionada no artigo 51º do Decreto Lei n.º 433/1982 de 27/10, uma vez que, nesta matéria, apenas se provou que (ponto 12 dos factos provados) “A arguida actuou sem o cuidado devido a que estava obrigada e de que era capaz, conhecendo a natureza contra-ordenacional do seu comportamento”, pelo que nada permite excluir a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente.
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) No que diz respeito à sanção acessória da publicidade prevista no artigo 562º nº 1 do CT e aplicada à arguida, cumpre aqui referir que tal norma padece de inconstitucionalidade material, por ser violadora do princípio da não aplicação automática (necessária) das penas, previsto no n.º 4 do artigo 30.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá ser recusada a aplicação da norma do artigo 562º nº 1 do Código do Trabalho.
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) O despacho recorrido viola as normas dos artigos 15º nº 7 alínea a) do Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, 25º nº 1 alínea b) e 14º nº 4 alínea a) da Lei nº 27/2010 de 30/08, 1º e 2º do Decreto Lei nº 433/82 de 27/10, 562º nº 1 do Código do Trabalho e 30.º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação do despacho recorrido e a respectiva substituição por outro que absolva a arguida da prática da contraordenação que lhe foi imputada…***O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta propugnando pela manutenção da decisão recorrida (413º, 1, CPP) O recurso foi correctamente admitido com regime de subida e efeitos próprios.
O Ministério Público junto deste tribunal de recurso emitiu parecer propugnando pela manutenção da decisão recorrida (416º, 1, 417º, 2, 1ª parte do CPP, ex vi 50º, n 4, RPCLSS).
A recorrente não respondeu (417º, 2, CPP).
***Foram colhidos os vistos do presidente da secção e do juiz- adjunto e o recurso foi apreciado em conferência (art.s 418º e 419º, CPP).
I.I. FUNDAMENTAÇÃO A) DE FACTO Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos que se mantém e reproduzem: 1 – A arguida é sociedade comercial, com o NIPC …, que tem como objecto social a indústria de calçado, sendo que à data da fiscalização (26/11/2014) tinha a forma de sociedade anónima, tendo-se transformado numa sociedade por quotas a 01/08/2016.
2 – À data da fiscalização, era presidente do conselho de administração da arguida, J. L.
, o qual passou a ocupar o cargo de gerente a partir da transformação da arguida em sociedade por quotas.
3 – No dia 26/11/2014, pelas 15h55m, agentes da Guarda Nacional Republicada/Posto de Trânsito de Fafe, junto às portagens da autoestrada A7, em Esmeriz, interceptaram e fiscalizaram o condutor M. P.
, titular da carta de condução n.º P-…, o qual se encontrava a conduzir ao serviço da arguida, a viatura pesada de mercadorias, com a matrícula NP, propriedade da arguida, equipada com tacógrafo analógico.
4 – O condutor M. P.
, no momento da fiscalização, não tinha em sua posse registos de tacógrafo correspondentes a parte dos aos 28 dias anteriores à fiscalização.
5 – O condutor apenas apresentou aos agentes fiscalizadores registos de tacógrafo relativos aos dias 28/10; 31/10; 04/11; 07/11; 14/11; 18/11; 21/11; 24/11 e 25/11 de 2014.
6 – Além dos registos acima referidos, o condutor não apresentou aos agentes fiscalizadores, qualquer outro registo referente aos restantes dias compreendidos nos 28 dias anteriores à fiscalização, nem apresentou qualquer documento destinado a justificar a ausência de registos de tacógrafo, relativamente aos dias aos dias de que não apresentou discos diagrama.
7 – O condutor M. P.
, trabalha para a arguida desde 1980, exercendo as funções de motorista.
8 – A arguida apenas...
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