Acórdão nº 989/17.0PZLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 31 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | ABRUNHOSA DE CARVALHO |
Data da Resolução | 31 de Outubro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: Nos presentes autos, que correram termos no Juízo Central Criminal de Lisboa, em que é Arg.
[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. a fls. 659 – acórdão recorrido), em 08/03/2019, foi proferido o acórdão de fls. 659/692, que decidiu nos seguintes termos: “… Em face do exposto, acordam os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo em julgar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, decidem: a) Absolver o arguido AA da prática de 66 (sessenta e seis) crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e punidos pelos Arts.º 171.°, n.º 1 e n.º 2 e 177.°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, pelos quais vem acusado; b) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo Art.º 152.°, n.º 1, alínea d) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em autoria material, pela prática de 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravado, previstos e punidos pelos Arts.º 176.°, n.º 1, alínea b) e 177.°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, por cada um deles; d) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em autoria material, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos Arts.º 171.º, n.º 1 e n.º 5 e 177.°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; e) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em autoria material, pela prática de 10 (dez) crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e punidos pelos Arts.º 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles; t) Condenar, em concurso real e efectivo, o arguido AA, em autoria material, pela prática de 320 (trezentos e vinte) crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e punidos pelos Arts.º 171º, n.º 1 e n.º 2 e 177.°, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles; g) Condenar, em concurso real e efectivo pela prática de todos os crimes retro descritos, o arguido AA na pena única de 14 (catorze) anos de prisão efectiva; h) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de contactos, a qualquer título, por qualquer meio e de qualquer modo, com a ofendida ……BB, com afastamento da residência desta, sem necessidade de recurso a meios técnicos de controlo à distância, em face da medida concreta da pena única de prisão aplicada, pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do Art.º 152.°, n.º 4 e n.º 5, do Código Penal; i) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de confiança de menores, nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal, pelo período de 10 (dez) anos; j) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, e nos demais encargos com o processo, devidos nos termos legalmente determinados, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC (cfr. Arts.º 513.° e 514.° do Código de Processo Penal e Art.º 8.°, do Regulamento das Custas Processuais); k) Julgar o pedido de indemnização cível deduzido pela demandante cível BB, legalmente representada na pessoa da sua progenitora, CC, parcialmente procedente, por parcialmente provado, e consequentemente, condenar o arguido e demandado AA ao pagamento à demandante da quantia de €20.000,00 (vinte mil euros), a título de indemnização devida por conta dos danos não patrimoniais sofridos, a que acrescem os competentes juros de mora legais vencidos, contados a data da notificação para contestar e, os vincendos até integral e efectivo pagamento, absolvendo-se o demandado do demais peticionado; 1) Condenar a demandante cível e o demandado cível (cfr. Art.º 527.°, n.° 1, n.º 2 e n.º 3, do Código de Processo Civil), ao pagamento das custas cíveis, na proporção do respectivo decaimento: m) Declarar prejudicado o pedido de arbitramento requerido, nos termos do Art.° 82.º-A, do Código de Processo Penal, atenta a dedução de pedido de indemnização cível; n) Determinar ao abrigo do disposto no n.º 2 do Art.º 8.° da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro, a recolha de amostra de vestígios biológicos destinados a análise de ADN ao arguido AA, com os propósitos referidos no n.º 3 do Art.º 18.°, do mesmo diploma legal.
…”.
* Não se conformando com esta decisão, dela interpôs recurso o Arg.
, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 756/784, com as seguintes conclusões: “… a. A sentença é nula por insuficiência da prova, nos termos do n.º 2 ao artigo 410.º do CPP; b. O princípio constitucional do direito à defesa e não condenação sem prova, previsto no artigo 32.º da CRP foi violado; c. A convicção do julgador foi suportada apenas, nas declarações da menor BB, que se apresentaram com inconsistências e contradições flagrantes; d. O Tribunal julgou mal ao não permitir ao arguido apresentar testemunhas e ao negar-lhe a realização de diligências para apuramento de factos relativos à menor e sua conduta e a actos trazido ao processo relativos a intervenção de desconhecidos que poderiam revelar indícios de outras motivações e interesses na incriminação do arguido, violando aqui, também, o artigo 32.º da CRP; e. A invocação do regime legal previsto no artigo 316.º do CPP, com a leitura de que impede a audição é inconstitucional por violar o artigo 32.º da CRP; f. Não se encontram preenchidos os elementos típicos do crimes de violência doméstica e pornografia de menores de que o arguido foi acusado, pelo que deveria o mesmo ter sido absolvido da prática dos mesmos; g. Não foi aplicado ao arguido, o regime do crime continuado como deveria ter sido e prevê o CP.; h. Não foi tida em consideração a idade, não foi valorada, na natureza e medida da pena, bem como o estado de saúde do arguido constante do relatório social – traduzindo-se esta omissão numa “pena de morte”… i. O presente recurso é legítimo, atempado e encontra fundamento no artigo 410.º do CPP como demonstrado.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido e subir ao Venerando Tribunal da Relação para reapreciação, de forma a permita a sua substituição por outro que faça ao arguido Justiça, …”.
* O Exm.º Magistrado do MP respondeu ao recurso a fls. 796/812, concluindo da seguinte forma: “...
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A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão.
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E por esse motivo, não padece de falta de fundamentação ou de erro de julgamento.
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Salvo o devido respeito por opinião diversa, o recorrente, carece inteiramente de razão. Na verdade, da análise atenta e cuidadosa não só do texto do douto Acórdão mas também de toda a prova produzida, não vemos, salvo melhor opinião que se verifiquem alguma ou algumas das hipóteses previstas no artigo 410.º do Código de Processo Penal.
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No caso em apreço as declarações da ofendida, embora preponderantes, como supra referido, não foram sequer o único meio de prova em que ao tribunal se alicerçou para considerar provada a matéria de facto. Cai assim por terra a tese da vingança insinuada pelo recorrente 5. Entendemos, portanto, que os factos se devem ter por corretamente fixados.
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No caso sub judice, conciliando o exposto com a matéria de facto assente, verifica-se que existem, embora seja sempre a mesma ofendida diferentes resoluções criminosas por parte do arguido, e tantas quantas as relações de sexo praticadas em locais e dias diferentes, que se traduzem no facto de o arguido em dias e horas diferentes, e até, em meses diferentes, portanto com um certo distanciamento no tempo, ter acionado e renovado os mecanismos da sua vontade para praticar os enunciados crimes sexuais e repeti-los, o que faz com que a cada uma dessas resoluções corresponda um crime.
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Quanto à medida das penas em causa e a ter-se como correta a subsunção jurídica efetuada -conforme se defende- importa salientar que a mesma se mostra justa e adequada, em nada excessiva atentos os circunstancialismos apontados no douto Acórdão, a gravidade dos ilícitos da culpa e as necessidades de prevenção geral e especial.
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Por fim sempre se dirá que, no caso “sub judice”, apenas a prisão atinge, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pelo recorrente.
...”.
* Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu, a fls. 827/828, o seguinte parecer: “...
A Assistente e o MºPº, na 1ª Instância, responderam, defendendo a manutenção do decidido. E, assim, deverá ser, embora ponderando a pena, em concreto, encontrada.
Na verdade, visto o teor da sentença em crise e das Respostas apresentadas, designadamente a excelente peça apresentada pelo MºPº, na 1ª Instância, a cuja argumentação se adere, ln totum, dúvidas não existem que a decisão não padece dos vícios que o recorrente lhe assaca.
Contudo, não é possível escamotear a idade do arguido, 76 anos, o tempo de pena a cumprir, 14 anos, e a idade que terá se cumprir a pena na sua totalidade, 90 anos.
Aqui, o requisito da necessidade da pena, subjacente ao critério atenuativo, ínsito no artº 72º, nº 1, do C.P., revela-se na sua plenitude, uma vez que no nosso ordenamento jurídico não existem penas de cunho exclusivamente retributivo, antes preferindo a pena que permita a reintegração social do agente, sendo muito difícil para não dizer impossível que, no processo irreversível de envelhecimento, em que, em maior ou menor grau, as capacidades físicas e mentais do indivíduo vão, paulatinamente abrandando, alguém com 90 anos possa empreender um caminho de reinserção social de natureza...
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