Acórdão nº 126/18.4GBPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelS
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No processo abreviado nº 126/18.4GBPTM, que correu termos, na fase de instrução, no Juízo de Instrução Criminal de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi proferida, em 4/10/2018, a seguinte: «Decisão Instrutória I. Relatório.

  1. Na sequência da acusação exarada a fls. 61-62 onde o Ministério Público imputa a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01, veio o arguido CC requerer a abertura de instrução pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia com os fundamentos aduzidos no requerimento de fls. 68-74.

  2. O requerimento foi recebido, a instrução aberta, e realizou-se o debate instrutório.

    1. Saneamento.

      Inexistem nulidades ou quaisquer outras questões prévias que importe conhecer.

    2. Das finalidades da instrução.

      A instrução, quando requerida pelo sujeito processual arguido, como aqui sucede, visa a obtenção da comprovação judicial negativa da decisão de acusação, em ordem, ao invés, a lograr a não submissão da causa a julgamento, vd. os artigos 286.º, n.º 1 e 287.º, n.º 1, al. a) e 2, ambos do Código de Processo Penal.

      O que pressupõe, finda a fase da instrução, a obtenção de um juízo de controlo negativo no que concerne à verificação dos pressupostos necessários à submissão da causa a julgamento.

    3. Da factualidade e a discordância. Discussão e consequências.

  3. De acordo com a acusação pública os factos de natureza objectiva são os seguintes: «No dia 20/05/2018, pelas 3h00, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula -PP na Estrada Municipal n.º 531, em Alvor, sem que fosse detentor de um título válido que o habilitasse a conduzir veículos a motor».

    Dos autos resulta à saciedade que o arguido conduziu nas aludidas circunstâncias de tempo e lugar um automóvel e que o fazia com uma carta de condução emitida no Brasil com prazo de validade fixado em 14/11/2017, cf. autos de notícia e de apreensão a fls. 3-5, 22-22, termo de entrega a fls. 29 e carta a fls. 83, razão porque poderemos esta materialidade suficientemente indiciada.

    As razões de discordância consistem em entendimento diverso do exarado na acusação pública pois pugna-se pela integração daqueles factos em ilícito contra-ordenacional, concretamente, na previsão do no n.º 7 do artigo 130.º do Código da Estrada, ao invés de os subsumir ao crime previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL 2/98, de 3/01.

    É esta a única questão suscitada no requerimento de abertura da instrução.

    Cumpre apreciá-la.

  4. Discussão.

    2.1. O artigo 3.º do DL 2/98, de 01, prescreve: «1- Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

    2- Se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias».

    Dos elementos do tipo e face à natureza das razões de discordância releva o segmento «sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada».

    A leitura do tipo logo inculca, em certa forma de ver, que ele se revela, ao menos parcialmente, como um “tipo aberto” na justa medida em que, para o apuramento (concretização/densificação) de um seu elemento, se reenvia expressamente para legislação extrapenal: «sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada».

    Assim, o preenchimento desse elemento do tipo, por sobre tudo, como tipo de garantia carece do “amparo expresso” do Código da Estrada pois são as regras deste que definem, agora pela positiva, o que «será estar habilitado» para conduzir.

    Ilação que nos parece segura, que já acarreta implicações fundas no âmbito das exigências devidas ao (impostas pelo) princípio da legalidade em direito penal, cf. artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e artigo 1.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, concretamente, no âmbito da interpretação e actuação do tipo de crime, e que importa não perder de vista.

    2.2. Como se imputa a condução de um automóvel, a «habilitação» à luz do Código da Estrada concretiza-se na posse de um título, no caso, da carta de condução, como decorre da conjugação dos nºs. 1 e 4 do artigo 121.º do Código da Estrada.

    Logo, não estará legalmente habilitado a conduzir um automóvel quem o faça sem ter carta de condução.

    Todavia, a situação sub judice não se traduz na simples condução sem carta, isto é, na condução por pessoa que não obteve a carta de condução.

    O que está em causa é antes o exercício da condução em momento temporal (20/05/2018) situado para além do prazo de validade da carta de condução (expirara em 14/11/2017) legitimamente obtida.

    Vale por dizer, conduzia-se com a carta fora da validade o que é diferente de conduzir sem ter carta de condução. Esta circunstância não pode, de jeito algum, ser escamoteada.

    2.3. Ora, caberá tal situação no elemento do tipo «sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada»? Desde logo parece-nos certo que não se pode ancorar o caso, sem mais, na previsão dos nºs. 1 e 4 do artigo 121.º do Código da Estrada, na justa medida em que a condução se fez por pessoa que dispunha de carta de condução, pese embora a respectiva validade estivesse expirada.

    O que nos “reenvia”, uma vez mais, para as normas do Código da Estrada em busca de azimute correcto.

    Ora, de entre tais normas releva a prevista no artigo 130.º, norma que integra o Capítulo IV (Novos exames e caducidade) do Título V (Da habilitação legal para conduzir) do aludido código.

    Tal norma dispõe assim: «1 - O título de condução caduca se: a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respectivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período; b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior.

    2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que: a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com excepção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos; b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior.

    1. A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano.

    3 - O título de condução é cancelado quando: a) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contra-ordenação muito grave ou de segunda contra-ordenação grave; b) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal; c) O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2; d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido.

    4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução.

    5 - Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.

    6 - Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º 7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600».

    A sua leitura revela que ela dispõe sobre duas distintas realidades erigidas pelo legislador, quais sejam, a da caducidade (cf. o n.º 1) e a do cancelamento (cf. o n.º 3), e às quais se atribuem, no que ora interessa, consequências diversas.

    O legislador definiu expressamente no n.º 5 que «os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido».

    O que impõe estas lídimas conclusões: (i) O elemento do tipo «sem estar habilitado nos termos do Código da Estrada» previsto no n.º 1 do artigo 3.º do DL. 2/98, de 3/01, nas situações em que quem conduzia dispunha de carta de condução, terá de ter em devida conta a definição expressa decorrente do transcrito n.º 5 do artigo 130.º.

    (ii) Só à verificação da situação do cancelamento quis o legislador atribuir e «para todos os efeitos legais» a qualidade de não habilitado a conduzir.

    Já para a condução realizada com título caducado há menos de cinco anos o legislador prescreveu expressamente a respectiva estatuição: será sancionado com coima (ilícito contra-ordenacional).

    Definiu, igualmente, que a condução com título caducado não deveria merecer sempre o mesmo tratamento ( ) e, em conformidade, estatuiu que a condução com título caducado há mais de 5 anos (sem que outro e válido exista) dará azo à situação do cancelamento.

    Norma que inseriu, como de passagem já se revelou, mas agora se sublinha, precisamente no Título V denominado «Da habilitação legal para conduzir» em cujo capítulo I, sobre os títulos de condução, se prescreve tanto sobre a (nossa) carta de condução como sobre os títulos que habilitam à condução emitidos por outros Estados, cf. os artigos 120.º e 125.º do Código da Estrada. A isto voltaremos.

    2.4. Ora, esta...

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