Acórdão nº 416/13.2GBTMR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. Relatório 1.

Nos autos de Processo comum com intervenção do tribunal singular que correm seus termos no Juízo Local Criminal de Tomar do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, a senhora juíza a quo proferiu o despacho de 29.01.2019 que constitui fls 4 a 6 dos presentes autos de recurso em separado, em que remete as partes para os meios civis ao abrigo do disposto no art. 82º nº3 CPP, nos seguintes termos: « Do pedido de indemnização civil deduzido nos autos: Nos presentes autos de Processo Comum Singular, os arguidos JL e JB estão acusados pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelos artigos 137.°, n. 1 do Código Penal e 137.°, n.1 e 2 do mesmo código, respectivamente. Ao abrigo do princípio da adesão, consagrado no artigo 71.° do Código de Processo Penal, veio TG deduzir pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a condenação dos demandados a: - Pagar ao demandante o valor de 90.000€ (noventa mil euros), a título de violação do direito à vida de AG; - Pagar ao demandante o valor de 30.000€ (trinta mil euros), a título de danos não patrimoniais sofridos por AG; - Pagar ao demandante o valor de 25.000€ (vinte e cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais; - Pagar juros à taxa legal a contar da notificação até integral pagamento. Os arguidos contestaram e requereram a intervenção provocada da A., Companhia de Seguros, SA, intervenção esta que foi admitida. A referida Companhia de Seguros apresentou contestação ao pedido de indemnização formulado, invocando, de entre o mais, a ilegitimidade do demandante, a prescrição do direito à indemnização e a própria ilegitimidade da demandada, entendendo estarmos perante uma situação de responsabilidade do Estado, requerendo, ainda, a intervenção principal provocada do Hospital Nossa Senhora da Graça. Notificado, veio o demandante responder, aduzindo extensa argumentação jurídica. Apreciando e decidindo. De harmonia com o princípio da adesão obrigatória consagrado no artigo 71.° do Código de Processo Penal, a acção civil de indemnização fundada na prática de factos que constituam crime deve ser deduzida no processo penal. Não obstante, a segunda parte deste normativo admite que tal princípio da adesão obrigatória sofra excepções previstas na lei. Assim, para afastar a possibilidade de retardamento do processo penal ou a inviabilidade de uma decisão criteriosa sobre o pedido de indemnização civil, a lei instituiu o mecanismo de reenvio para o tribunal civil, previsto no artigo 82.°, n." 3 do Código de Processo Penal ( "O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal ). No caso dos autos, temos que a eventual multiplicidade de responsáveis civis (os já demandados e outros ainda não demandados) é uma situação que é, só por si, susceptível de gerar incidentes (designadamente de intervenção de terceiros) que, ou retardariam intoleravelmente o processo penal (no caso de tal intervenção de terceiros ser admissível), ou inviabilizariam uma decisão rigorosa (no caso de tal intervenção de terceiros não ser admissível). Acresce que a apreciação da pretensão indemnizatória em acção civil autónoma (ou mesmo na jurisdição administrativa), equipada com um arsenal de institutos jurídico¬processuais que asseguram um tratamento mais adequado de todas as matérias substantivas e que, simultaneamente, fornece os meios de defesa mais adequados às partes em litígio, proporciona uma maior segurança, e justifica por si o recurso ao mecanismo do reenvio. Na verdade, perante a complexidade que a causa reveste (mesmo do ponto de vista processual), tal reenvio garante uma melhor defesa às partes litigantes, para além de que a tramitação da acção civil enxertada no processo penal poderia contender, face ao já exposto, com a necessária celeridade deste último. Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, ao abrigo do disposto no artigo 82.°, n. 3 do Código de Processo Penal, remeto as partes cíveis para os meios comuns, prosseguindo os presentes autos apenas para apreciação da responsabilidade penal dos arguidos. Mais se deixa expresso que o presente reenvio não comporta em si qualquer apreciação ou tomada de posição sobre a questão da competência material (tribunal comum ou tribunal administrativo) para apreciação da acção a interpor pelo aqui demandante. Em consequência, devem as testemunhas indicadas quanto ao pedido cível, e notificadas para o dia 11.02.2019, ser desconvocadas. Notifique. Tomar, 29.01.2019» 2.

O Assistente e demandante cível veio interpor recurso daquele despacho, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: « I C - CONCLUSOES 1.O douto despacho de que ora se recorre remete, ao abrigo do art. 82º nº 3 do (PP, por via da segunda parte do art. 71º do (PP, "as partes cíveis para os meios comuns, prosseguindo os presentes autos apenas para apreciação da responsabilidade penal dos arguidos" e, manda "em consequência, as testemunhas indicadas quanto ao pedido de indemnização cível notificadas para o dia 11.02.2019, ser desconvocadas".

  1. Para tanto invoca, simplesmente, que "Não obstante" a adesão obrigatória do art. 71º do CC "a segunda parte deste normativo admite ... excepções previstas na lei", e, "No caso dos autos, temos que a eventual multiplicidade de responsáveis cíveis (os já demandados e outros ainda não demandados) é uma situação que só por si, susceptível de gerar incidentes (designadamente de intervenção de terceiros) que, ou retardariam intoleravelmente o processo penal (no caso de tal inervenção de terceiros ser admissível), ou inviabilizariam uma decisão rigorosa (no caso de tal intervenção não ser admissível)".

  2. Invoca ainda: "Acresce que a apreciação da pretensão indemnizatória em acção cível autónoma, ... equipada com um arsenal de institutos jurídico processuais que asseguram um tratamento mais adequado de todas as matérias substantivas e que, simultaneamente fornece os meios de defesa mais adequados às partes em litígio, proporciona uma maior segurança, e justifica por si o recurso ao mecanismo do reenvio." 4.Bem como, "perante a complexidade que a causa reveste (mesmo sob o ponto de vista processual), tal reenvio garante uma melhor defesa às partes litigantes, para além do que a tramitação da acção cível enxertada em processo penal poderia contender, face ao já exposto, com a necessária celeridade deste último." 5.Ora, o assistente/demandante não se conforma com o douto despacho, entendendo que o mesmo está errado na interpretação e aplicação da lei aos autos concretos supra melhor identificados, mormente do art. 71º segunda parte do CPP e art. 82º nº 3 do CPP, razão do presente recurso.

  3. O thema decidendum do presente recurso consiste, fundamentalmente, em saber se a remessa das partes cíveis para os tribunais civis para apreciação do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes foi bem apreciada pelo Tribunal a quo.

  4. O demandante entende tem de discordar-se veementemente, desde logo, não só com base no próprio princípio da adesão obrigatória prevista no art. 71º do (PP como por ser absolutamente contrário ao princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7º do CPP, que impõe a competência do tribunal penal para decidir todas as questões prejudiciais penais e não penais que interessem à decisão da causa, assim consignando que o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e que nele se resolvem todas as questões relevantes, independentemente da sua natureza.

  5. Sendo muito clara a intenção do legislador com ambas aquelas normas (art. 7º e o art. 71º do (PP), as mesmas ainda são reforçadas pelo art. 4º do CPP para a integração de lacunas no processo penal.

  6. O pedido de indemnização cível foi admitido em sede de despacho a fls .... com a referência 78742232 e 78800637 datado de 10.07.2018, precisamente "por ser admissível, estar em tempo, ter o demandante legitimidade para o efeito, estar representado por advogado ", não suscitando incidentes ou produção de prova acrescida (salvo a testemunhal), e sendo aí designada data para audição das testemunhas do pedido cível, ab initio, e em sede das datas designadas para a realização da audiência de julgamento - duas datas para a acusação e respectiva produção de prova e uma data para o pedido de indemnização cível e respectiva produção de prova.

  7. A invocação da eventual multiplicidade de responsáveis cíveis pelo Exmo. Sr. Dr. Juiz a quo, como a possibilidade de eventuais incidentes que existe em todos os processos em abstratos, e que até é algo normal do âmbito do processo crime, daí a sua previsão, não pode, sem mais, vir a fundamentar a remessa das partes para esses tribunais civis.

  8. Este poder do tribunal remeter as partes para os meios comuns não significa a atribuição de um poder arbitrário, livre ou discricionário, antes impõe que o juiz avalie as questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas se concluir que ocorre grande desvantagem na manutenção da adesão, tendo sempre presente que constituindo a referida norma uma excepção, a sua aplicação deve limitar-se aos casos nela expressamente previstos quando está em causa a boa decisão da causa cível e o julgamento da causa penal num prazo razoável, o que não é de todo o caso, e ser objecto de...

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