Acórdão nº 3208/19.1T8GMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | PAULO REIS |
Data da Resolução | 17 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório X - Investimentos Imobiliários, S.A., intentou procedimento cautelar de restituição provisória de posse contra J. C., pedindo que fosse ordenada a restituição da posse relativamente ao caminho de servidão que identifica no requerimento inicial, sem audição do requerido.
Alegou, para o efeito e em síntese, que é dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra "A", correspondente a uma loja comercial situada no rés-do-chão, com uma divisão na cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida …, freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o Artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n." .../090390-A, sendo que o prédio onde se integra a identificada fração confina, do Norte e Nascente, com caminho de servidão, o qual se destina a permitir o acesso à entrada da mesma, através da cave que a integra - servidão aquela constituída por usucapião -, sucedendo que, a partir de 02-03-2018 a Requerente deixou de poder aceder livremente à entrada da sua fração pela cave da mesma, através do caminho acima referido, porquanto o requerido, desde aquela data, tranca à chave o portão que separa o passeio da referida Avenida ... daquele caminho, sendo certo que apenas ele possui aquela chave.
Na medida em que a Requerente é uma sociedade comercial que afeta a sobredita fração à sua atividade de venda, a retalho, de tecido têxtil, destinado à produção de artigos têxteis para vestuário e para o lar, e posto que a carga e descarga daquelas mercadorias são preferencialmente realizadas através da cave, desde logo em consequência das dificuldades de paragem e estacionamento de veículos que caracterizam a referida matéria, forçoso é concluir-se que o comportamento do Requerido gera e potencia escusados incómodos e encargos na realização daquelas operações de carga e descarga, obrigando a que estes ocorram a partir da porta principal da loja situada no rés-do-chão do edifício, com prejuízo da circulação de trabalhadores e clientes da Requerente, em suma, perturbando o normal funcionamento do estabelecimento comercial e produzindo má imagem junto dos seus fornecedores e clientela.
Após recurso, foi determinado o prosseguimento da providência cautelar nos termos requeridos, tendo-se procedido à inquirição das testemunhas arroladas, sem prévia audição do Requerido.
Foi então proferida decisão, datada de 03-09-2019, julgando improcedente o procedimento cautelar e não decretando a restituição da posse requerida.
Inconformada, a Requerente apresentou-se a recorrer, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. As questões que aqui se colocam à douta apreciação do Meritíssimo Tribunal “ad quem” resumem-se a saber se, no caso em apreço, existe violência, sobre a coisa e, ainda, saber se é necessária a prova do risco de dano jurídico decorrente da demora da acção possessória para o decretamento da restituição provisória da posse.
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A violência no esbulho pode traduzir-se numa acção física exercida sobre as coisas como meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação contra a sua vontade 3. Actualmente, encontra acolhimento maioritário na doutrina e na jurisprudência o entendimento segundo o qual a relevância da violência sobre coisas abrange, nomeadamente, os actos consistentes na mudança de fechaduras de portas do próprio prédio objecto de esbulho 4. No caso em apreço, o Apelado trancou à chave o portão que separa o passeio da referida Avenida ... daquele caminho 5. mudando a fechadura da única porta de acesso ao prédio, com recusa de entrega de uma chave da nova fechadura 6. obstando e tornando doravante impossível a continuação da posse pela requerente o que constitui esbulho violento 7. Encontram-se, assim, verificados os requisitos para o decretamento do procedimento cautelar de restituição provisória da posse: a posse, o esbulho e a violência 8. Não é necessária a prova do risco de dano jurídico decorrente da demora da ação possessória – “periculum in mora” - para o decretamento da Restituição Provisória da Posse».
O recurso foi então admitido pelo Tribunal recorrido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo da decisão.
II.
Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto do presente recurso circunscreve-se à questão de saber se, à luz dos factos indiciariamente considerados provados estão verificados os requisitos para decretar a providência cautelar de restituição provisória da posse, concretamente, o da violência a que alude o artigo 377.º do CPC.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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Fundamentação 1.
Os factos 1.1.
Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida e que não vêm impugnados no âmbito da presente apelação: 1.1.1.
Encontra-se registada a favor da Requerente por aquisição pela ap. …/170593, a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente a uma loja comercial situada no rés-do-chão, com uma divisão na cave, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na Avenida ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º .../090390-A.
1.1.2.
De acordo com a escritura de propriedade horizontal, o prédio confronta a norte e nascente com caminhos de servidão, tendo a cave da fração A entrada a Norte por servidão.
1.1.3.
Desde a compra em 1993 até 2 de março de 2018, a requerente utilizou este caminho para acesso à cave, desde a Avenida ....
1.1.4.
O Requerido, arrogando-se de proprietário, desde 2 de março de 2018 vem impedindo a Requerente de utilizar o caminho, trancando à chave o portão que separa o passeio da Avenida ... daquele caminho.
1.1.5.
A Requerente, sociedade comercial que tem afeta a sobredita fração à sua atividade de venda, a retalho, de tecido têxtil, e posto que a carga e descarga daquelas mercadorias eram realizadas através da cave, tem de as realizar a partir da porta principal da loja situada no rés-do-chão do edifício, com prejuízo da circulação de trabalhadores e clientes da loja.
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Apreciação sobre o objeto do recurso 2.1.
Da verificação dos pressupostos para o decretamento da providência cautelar de restituição provisória da posse, concretamente, no que essencialmente releva para o caso, se há violência no esbulho A recorrente insurge-se contra a decisão de 03-09-2019, que julgou improcedente o presente procedimento cautelar especificado, não decretando a requerida restituição provisória da posse.
Defende, em síntese, que atualmente encontra acolhimento maioritário na...
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