Acórdão nº 1380/16.1PBBRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução14 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório No âmbito do referenciado processo comum singular do Juízo Local Criminal de Vila Verde, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por decisão proferida em 7/05/2019, foi revogada ao abrigo do disposto no art. 56º, n.ºs 1, al. a), e 2, do C. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido R. F.

fora condenado, como autor de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º1, b) e n.º 2 do C. Penal, por sentença transitada em julgado em 20 de Junho de 2018. Na sequência de tal revogação, foi determinado o cumprimento pelo arguido da pena principal de três anos de prisão.

Inconformado, o condenado interpôs recurso que rematou com as seguintes conclusões: «I – O Arguido/Recorrente foi condenado pela prática do referido crime na pena de 3 (três) anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, sujeita à condição do mesmo cumprir um regime de prova, a delinear e a acompanhar pelos serviços da DGRSP, sendo tal suspensão revogada com fundamento na falta de elaboração do “Plano de Reinserção Social – Suspensão de Execução de Pena com Regime de Prova” por factos graves e culposos imputados ao Arguido/Recorrente.

II- Salvo o devido respeito por opinião diversa entende o Arguido/Recorrente que o despacho de revogação da suspensão de pena de prisão padece de nulidade, por violação do direito ao exercício do contraditório.

III- De acordo com o art. 495.º, n.º 2 do CPP, «O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.».

IV- Quer isto dizer que, os princípios do contraditório e da audição prévia devem ser assegurados na decisão que aprecie os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, de modo a que a mesma não seja uma surpresa para o Arguido, a quem assiste legalmente o direito de impugnar, não só os factos iniciais já conhecidos como quaisquer outros que surjam e que o Tribunal pode levar em conta, e designadamente, os argumentos aduzidos pelo Ministério Publico, bem como requerer meios de prova, sob pena de se postergar as garantias de defesa do Arguido constitucionalmente consagrados - vide artigo 32 da Constituição da Republica.

V- Ora, no caso em apreço deveria ter sido designada data para audição do arguido, o que deveria ter ocorrido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão. Mas não sucedeu.

VI – No entanto, nunca, em momento algum foi o Arguido notificado, quer pela DGRSP quer pelo próprio Tribunal a quo, para a nova morada, devidamente informada nos autos. Ademais, nunca em termos formais foi notificado para comparecer nos serviços da DGRSP, para realização de entrevista com vista à realização de Plano de Reinserção Social – Suspensão de Execução de Pena com Regime de Prova, apesar de ter comunicado aos autos a sua nova morada, o tribunal a quo persistiu no envio das notificações para morada que sabia já não pertencer ao Arguido. Existe, portanto, falta de notificação do Arguido, o que só por si inquina de nulidade o despacho recorrido.

VII- Ainda assim, não foi tão pouco o Arguido notificado para comparecer presencialmente perante Tribunal ou mesmo, para se pronunciar sob a invocada falta de elaboração de Relatório, que esteve na base do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão isto, apesar de ter informado devidamente nos autos a alteração à sua morada e, PORTANTO, TER O TRIBUNAL CONHECIMENTO DE QUE O ARGUIDO SE ENCONTRAVA A RESIDIR E TRABALHAR EM FRANÇA.

VIII - A jurisprudência tem–se afirmado no sentido de que quando a suspensão foi sujeita a regime de prova, imposição de deveres e/ou regras de conduta, se exige obrigatoriamente a audição presencial do condenado e na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, antes da prolação do despacho que decide o incidente de revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

IX - Salvo o devido respeito, entendemos que no caso em apreciação as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena nos presentes autos, ainda não se mostram definitivamente postergadas, tendo inclusive o Tribunal a quo que OUVIR o Arguido no sentido de aferir e concluir pela sua existência ou não.

X - Pelo que, deve o presente despacho ser revogado por padecer de nulidade insanável por preterição da audição do arguido.

XI – Por outro lado deve ter-se em atenção que a revogação da suspensão da pena com fundamento na violação dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção social apenas se deve ordenar nos casos em que a mesma se traduza numa actuação indesculpável, em que o comum dos cidadãos não incorreria, por isso, não mereça ser tolerada nem desculpada.

XII - Ora, o aqui recorrente não violou “grosseiramente” ou repetidamente as injunções a que foi condenado.O Arguido informou por contacto telefónico a DGRSP que estava ausente em França, facto que, aliás, devia ter chegado ao conhecimento deste Instituto anteriormente pois, como já referido, o Recorrente já o havia comunicado nos autos, indicando inclusive um email, de contacto.

XIII - Importa também ter em linha de conta o facto do arguido se encontrar atualmente socialmente bem inserido uma vez que, trabalha e reside em França, tendo, desde há algum tempo, uma significativa ruptura com o seu percurso disruptivo, reunindo, actualmente, algumas condições que poderão garantir a sua recuperação como elemento socialmente válido, com muito maior segurança do que qualquer solução que o próprio sistema penal lhe possa oferecer.

XIV- Simultaneamente, mantém uma relação de namoro com uma jovem trabalhadora, que conheceu em França com cuja família de origem habita. O que, como seria de esperar, contribuiu para uma alteração das suas rotinas, desde logo, porque o arguido passa agora junto da namorada e familiares, os seus tempos livres, estando muito centrado na permanência em casa e no exercício laboral.

XV - Por conseguinte, a sua actual situação aponta para uma solidez, não apenas para uma autonomização financeira do arguido – o que, por si só já não seria despiciendo – como, sobretudo, para uma sua maior estabilização pessoal e psicológica.

Tudo isto, para concluir, que o actual comportamento do arguido indicia que não estão completamente extintas as expectativas de que o mesmo passe a demonstrar motivação para adoptar um estilo de vida normativo, mantendo-se profissionalmente activo, relegando para o passado o percurso criminal que justificou a enunciada condenação.

XVI - Numa situação destas não cremos que seja adequado e proporcional, concluir que a ressocialização do jovem em liberdade foi posta definitivamente em causa com a falta de comparência na DGRSP para elaboração do plano de acompanhamento da suspensão, e que o mesmo deve cumprir a pena de prisão. CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, SEMPRE SERÁ DE REFERIR QUE, XVII - A ilicitude objectiva da conduta do arguido não é muito acentuada, pelo que entendemos que será mais benéfico à sua reintegração social, preocupação constante em qualquer condenação, que o cumprimento da pena ocorra em regime de permanência na habitação.

XVIII - Acresce, sufragarmos o entendimento (acolhido, v.g., no Ac. do TRP, de 2017.06.28, in processo n.º 260/15.2 GAPVZ.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp) segundo o qual em hipóteses como a vertente, é possível admitir que o cumprimento da pena ocorra sob este último regime.

XIX - As penas de substituição são aplicadas na decisão condenatória. Portanto, o trânsito em julgado da respectiva decisão impede o julgador de, em sede de revogação da suspensão, alterar a pena de substituição tempestivamente aplicada.

XX - Se tal solução é de aplicar ao regime de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação já se mostra contudo discutível. Na verdade, se entendermos estar perante uma “forma de execução” da pena, nada obsta a que o tribunal pondere a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão.

XXI - Aliás, a questão foi discutida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2016, de 21 de Março, publicado no Diário da República n.º 56/2016, Série I de 2016.03.21, o qual fixou jurisprudência nos termos seguintes: “Em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do C.P, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no artigo 48.º, do C.P, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos arts. 489.º e 490.º do CPP.” XXII- Na base deste entendimento, o STJ distinguiu entre penas de substituição e formas de execução da pena. O trânsito em julgado da decisão que aplica uma pena de substituição impede que o Tribunal opte por outra pena de substituição, mas não impede que opte por uma das formas de cumprimento da pena principal prevista na lei. Com efeito, diz o acórdão citado: “ (…) Sendo, pois, o pagamento da pena de multa em dias de trabalho, previsto no artigo 48.º, do CP, uma forma de execução da pena de multa, e não uma pena de substituição, e sendo uma forma de execução antes de o condenado entrar em situação de incumprimento, é aplicável quer se trate de uma pena de multa principal, quer de uma pena de multa de substituição. (…) ” XXIII - Logo, o regime previsto no anterior art.º 44.º, novo art.º 43.º, deve ser entendido como uma forma de cumprimento da pena de prisão e não como uma pena de substituição, o que, reitera-se, permite a sua aplicação no presente caso.

».

O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pelo indeferimento do recurso, dizendo, em síntese: - foram levadas a cabo todas as diligências com vista à comparência do arguido para a sua audição, que não se...

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