Acórdão nº 94/14.1T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA TERESA ALBUQUERQUE
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – M..., interpôs ação declarativa de processo comum contra G... e I..., pedindo que a condenação das mesmas a: a) reconhecerem que o documento particular de doação outorgado a seu favor padece de vício de forma, por falta de cumprimento dos requisitos legais do termo de autenticação que o compõe e, em consequência, ser aquele declarado nulo; b) para o caso de assim não se entender, sejam as mesmas condenadas a reconhecerem que o contrato de doação outorgado a favor delas foi efectuado sem que a A... tivesse consciência do seu conteúdo ou pretendesse a ela vincular-se e, em consequência, ser o mesmo declarado nulo; c) ou ainda serem as RR. condenadas a reconhecerem que, na data e no momento em que foi outorgada a doação por A... a favor delas, esta se encontrava incapacitada de entender e querer, designadamente quanto ao sentido das declarações que prestou e à vontade de a elas se vincular e, por consequência, seja declarada a anulação da doação outorgada a favor delas, RR., condenando-se as mesmas a restituírem à herança da doadora todos os direitos/bens doados de que beneficiaram; e) e que, em qualquer caso, seja ordenado o cancelamento de todos os registos a favor das RR. constantes dos prédios registados a favor da doadora ou da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu falecido marido, inscritos nas competentes Conservatórias de Registo Predial.

Alegou, em síntese, que ela e as RR. são irmãs e filhas de A..., que veio a falecer em 23/11/2013, viúva, intestada, e deixando-as como únicas herdeiras, e que a mesma, em 23/10/2013, celebrou no Hospital de Leiria, no respectivo serviço de urgências, onde dera entrada na véspera, um contrato de doação às RR. do quinhão hereditário e da meação que lhe pertencia na herança aberta por óbito de seu marido, e pai daquelas, tendo tal documento sido assinado a rogo, constando dele a impressão digital da donatária e a assinatura, como rogada, de P..., bem como a das duas RR., como beneficiárias e segundo outorgantes, contrato este que foi acompanhado de termo de autenticação realizado por solicitador presente. Sucede que este termo não contém todas as menções necessárias para que seja considerado válido, nomeadamente no que respeita à identificação do rogado, nos termos previstos na lei, pois constata-se que no mesmo foi aposto, por punho do Sr. Solicitador, a menção do nome, local de residência e estado civil da rogada (P...), que aquele refere como sendo sua conhecida, mas não consta a naturalidade da mesma, a morada completa e ainda a forma como efectivamente foi verificada a sua identidade (art 46º/1 al. d), do Código do Notariado), sendo manifestamente insuficiente a menção de “minha conhecida”, bem como, a rogada não assinou o mesmo, como se impunha, concluindo, por isso, ser o termo de autenticação em causa nulo por vício de forma, mais referindo que a mencionada nulidade retira ao documento particular (deficientemente autenticado) a aptidão para se considerar o contrato de doação validamente efectuado, atendendo ao disposto no art 22º do Decreto-Lei 116/2008, de 04 de Julho, sendo a mesma nula por falta de cumprimento dos requisitos legais, devendo a nulidade em causa ser declarada e em consequência, a doação efectuada ser considerada inválida e sem qualquer efeito.

Mais alegou que o contrato de doação é igualmente nulo, na medida em que, à data de 23/10/2013, a doadora não se encontrava capaz de entender e querer, pois que entrara no serviço de urgências do Hospital de Leiria na véspera, e pelas 9h 10 m do dia 23 o médico que a observou classificou o estado da doente como de “prognóstico muito reservado”, tendo referido à aqui A. e à 1ª R. que a situação clinica da doente era muito grave e que esta poderia vir a falecer a qualquer momento, tudo indicando – desde logo o facto do termo de autenticação se encontrar aposto em inscrição caligráfica manuscrita e de não se mostrar possível ou razoável a presença de oito pessoas num espaço físico como o das urgências – que o contrato em causa foi “pré-fabricado”, não tendo a doadora intervindo na elaboração do respectivo texto que, aliás, não entenderia, muito menos no estado em que se encontrava, tendo-lhe apenas sido colhida a sua impressão digital.

Ainda que assim não se entenda, deverá concluir-se pela anulabilidade do dito contrato, em função da notória incapacidade da doadora, referindo, para o efeito, a A., que ela e a sua irmã no dia da realização do mesmo tinham verificado o estado de confusão e desorientação em que a mãe se encontrava, sendo notório que esta não se encontrava capaz de prestar quaisquer declarações. Mais refere que o médico que a examinou nesse dia, Dr. ..., confirmou o estado confusional da paciente, avançando que a situação de saúde desta era muito grave. Entende, por isso, a A. que a incapacidade estava medicamente identificada e era notória, pelo que no momento da celebração da doação existia uma manifesta incapacidade por parte de A... para entender e querer o sentido da declaração negocial que formalmente prestou com a aposição de impressão digital e assinatura a rogo.

Contestaram ambas as RR, em separado, alegando, em suma, que a doadora, de acordo com o registo clínico, estava “consciente e colaborante”, e que, apesar do seu estado grave de saúde, a mesma sempre esteve consciente nos dias 22 e 23 de Setembro, com reacção à estimulação e tentando colaborar com a equipa médica, tendo a necessária capacidade para entender e querer a declaração negocial que prestou, sendo, por isso, que, no momento em que fez a doação estava consciente e lúcida para entender o conteúdo do acto em causa, o qual, para além de ter lido, o solicitador também explicou, sendo que a mesma referiu a terceiros e ao solicitador que queria fazer aquela doação e que há muito a queria fazer, tendo insistido com as RR. para que a mesma fosse concretizada. Referem ainda que os médicos, ..., fizeram os necessários exames para averiguar o estado mental da doadora - a sua capacidade de entender e o domínio da sua vontade.

Relativamente aos vícios do termo de autenticação as RR. alegaram que não se encontra verificada qualquer nulidade, porque apenas podem ocorrer as nulidades taxativamente previstas no artigo 70.º do CN, vigorando o princípio da tipicidade, sendo que, nos termos do art 152º CN, não tem sequer que constar do termo de autenticação a assinatura da rogada.

Foi realizada audiência prévia, na qual, gorada a conciliação das partes, foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto.

Realizada a audiência final, foi, na sua pendência, ordenado pelo Exmo Juiz a realização de uma perícia singular.

A fls 659 encontram-se as conclusões dessa perícia, relativamente às quais veio a incidir subsequente esclarecimento por parte do perito.

Após foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenando as RR. a reconhecerem que no momento da realização da doação a favor delas, por A..., esta se encontrava incapacitada de entender e querer o sentido das declarações que prestou e à vontade de a elas se vincular, e por assim ser, declarou anulada a doação outorgada em 23 de Outubro de 2013 a favor das RR., e, em consequência, condenou-as a restituírem à Herança da doadora A... todos os direitos/bens doados de que aquelas beneficiaram, ordenado ainda, em consequência, o cancelamento de todos os registos a favor das RR. constantes dos prédios registados a favor da doadora ou da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu falecido marido, inscritos nas competentes Conservatórias de Registo Predial, absolvendo as RR. dos demais pedidos formulados, condenando em custas ambas as RR. (cfr. art. 527º/1 do CPC).

II – Do assim decidido, apelou a R. G..., que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos: ...

xlvi. Termos em que deverá a sentença proferida ser revogada e substituída por outra que, dando como provados os factos constantes de I a VI retro referidos e como não provados os factos A) a E) [igualmente retro-referidos], absolva as Rés do peticionado, com as legais consequências.

Apresentou a A. contra alegações à apelação das RR., em que conclui, em síntese, no sentido de que se deve manter inalterada a matéria de facto, improcedendo o recurso apresentado.

IV - E, por sua vez, recorreu subordinadamente, concluindo as respectivas alegações do seguinte modo: ....

20- Deve, por todo o exposto, ser julgado procedente o presente Recurso, condenando-se as Recorridas, e caso mereça provimento o recurso já apresentado pela Recorrida G..., a reconhecer que o documento particular de doação outorgado a favor daquelas padece de vício de forma, por falta de cumprimento dos requisitos legais do termo de autenticação que o compõe, atendendo ao vício de nulidade de que padece; 21 -Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, e em consequência, condenar-se as Recorridas, a reconhecer que o documento particular de doação outorgado a favor daquelas, padece de vício de forma, por falta de cumprimento dos requisitos legais do termo de autenticação que o compõe, atendendo ao vício de nulidade de que padece, tudo com as legais consequências.

A R. produziu contra-alegações à apelação subordinada da A., que concluiu nos seguintes termos: ...

XVI – Termos em deve o presente recurso subordinado ser julgado improcedente, com as legais consequências.

V – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos: ...

IV – Do confronto da decisão recorrida, com as conclusões de uma e outra das apelações, advêm para apreciação, correspondendo ao objecto desses recursos, as seguintes questões: - Na apelação da R. G..., a alteração da matéria de facto no sentido por ela pretendido, e saber se em função dessa alteração se impõe a improcedência do pedido no referente à anulação do contrato de doação; e se, de todo o modo, a decisão de custas deve ser alterada.

-na apelação da A., se o termo de autenticação se deve ter como nulo e em consequência dessa...

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