Acórdão nº 122/13.8TELSB-BE.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução15 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO 1. No Tribunal Central de Instrução Criminal, NUIPC 122/13.8TELSB, aos 12/03/2019, foi proferido despacho pelo Mmº JIC que vedou “o acesso aos actos de instrução por parte dos assistentes/jornalistas” e determinou a não “entrega aos assistentes de cópia de autos de inquirição ou de interrogatório de arguido”.

  1. Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a assistente AS, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): A. Estão a decorrer diligências de prova e o despacho recorrido vedou o acesso aos actos de instrução, por parte dos sujeitos processuais, que apelidou de "assistentes/jornalistas"; B. Pelo que que, o presente recurso deve, obrigatoriamente, subir em separado, imediatamente e com efeito meramente devolutivo, porque a sua retenção o tornaria absolutamente inútil, outra decisão só seria possível através de uma interpretação inconstitucional do nº 1 do artigo 407º do CPP, em violação do disposto nos artigos 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa (CRP); C. Foi remetido para os presentes autos, um escrito de uma jornalista da RTP, que não é interveniente processual, endereçado ao "Exmo. Juiz ...", nos termos do qual: "vem por este meio expor uma dúvida que se prende com a figura de assistente" - cfr. Fls. 52974; D. O Juiz a quo, por despacho de fls 52975, ordenou que fosse dado conhecimento do teor do escrito, a todos os sujeitos processuais e, sem fundamento legal, solicitou, ainda: "Notifique todos os assistentes para, no prazo de 5 dias, informarem se exercem a profissão de jornalista e, em caso afirmativo, se elaboraram, enquanto jornalistas, peças jornalísticas relativas ao processo em causa." E. O despacho ora recorrido de fls. 53284 a 53297, começa por referir: "Veio O Ministério Público (...) e requereu que seja vedada a faculdade de os assistentes, embora intervenientes processuais, estarem presentes em actos processuais de produção de prova a realizar em sede de instrução"; F. A Recorrente desconhecia a existência de tal pretensão do Ministério Público, uma vez que não foi notificada do seu teor, nem para se pronunciar sobre a mesma, em evidente violação do princípio do contraditório: G. Nos termos do nº 5 do artigo 32º do CRP, a audiência e os actos instrutórios, estão subordinados ao princípio do contraditório, o que é reforçado pelas inúmeras decisões dos Tribunais superiores, das quais se cita, a título meramente exemplificativo, que "IV - O princípio do contraditório - com assento constitucional no art. 32.º, n.º 5, da CRP - impõe que seja dada oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte ... VI - A densificação do princípio deve, igualmente, relevante contributo à jurisprudência do TEDH, que tem considerado o contraditório, um elemento integrante do princípio do processo equitativo, inscrito como direito fundamental no art. 6.º, § 1.º da CEDH." - cfr. Ac. STJ de 07/11/2007 in www.dgsi.pt.: H. Na tentativa de fundamentação, o despacho recorrido omitiu, deliberadamente, o teor do e-mail subscrito pela Recorrente a fls. 53216, onde esta afirmou que tem colaborado de forma activa na fase de inquérito nos presentes autos, fornecendo documentação, que contribuiu para a descoberta da verdade material; I. O Juiz a quo, invocou, mais uma vez, que os assistentes não têm interesses incompatíveis, quando a fls. 11131 a 11133, 11410 e 11411, 11603 a 11606, 17596 e 17597, estão diversos requerimentos alegando o contrário; J. O certo é que a Recorrente foi admitida como assistente nos presentes autos, por despacho de fls. 21267, já transitado em julgado, tendo sempre sido representada pela mandatária que escolheu, aliás, durante o inquérito, todos os assistentes foram representados pelos advogados que mandataram para o efeito; K. Decisão que foi alterada, em sede de instrução, ao ser determinado que todos os assistentes fossem representados, por um só mandatário, o que veio a limitar o exercício dos seus direitos, sem possibilidade de reclamarem, pois não mandataram o advogado escolhido, nem este os aceitou como clientes; L. Em consequência, o mandatário escolhido não deu conhecimento à Recorrente dos actos processuais que decorriam, nem das notificações efectuadas, pelo que só com a sua presença nas diligências e com a consulta do processo, é que esta tomava conhecimento do decurso dos autos; M. O despacho recorrido, pese embora citar o teor da alínea e) do nº 1 do artigo 68º do CPP, menosprezou o seu conteúdo, é que podem constitui-se assistentes em processo penal, qualquer pessoa, quando estão em causa determinados tipo de crime, aí enumerados; N. Nos termos dos artigo 1º, alínea c), artigo 3º nº 1 e artigo 46º do EMP cabe ao Ministério Público a representação do Estado e, bem assim, defender os interesses que a lei determinar, participar na política criminal defendida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática; O. E, por isso, o Ministério Público que é o detentor da acção penal, a quem cabe a direção do inquérito e o acompanhamento do processo até decisão final, em representação do Estado; P. Para além de colaboradores do Ministério Público, o nº 2 do artigo 69º do CPP, confere direitos próprios aos assistentes, que serão exercidos de acordo com critérios próprios, como seja o de interpor o presente recurso; Q. Mas, os assistentes não estão obrigados a terem uma intervenção activa nos processos, trata-se isso sim de uma possibilidade legal, que será exercida se e quando, estes o acharem conveniente, como fez a Recorrente, em sede de inquérito; R. Salvo o devido respeito, o Ministério Público e o Juiz a quo não podem saber se a Recorrente, pretende ou não praticar mais actos na fase de instrução, pelo que não pode condicionar a presença desta nas diligências, com base em juízos de prognose sobre tal matéria; S. Até porque, a alínea e) do nº 1 do artigo 68º do CPP, não distingue, nem restringe, a possibilidade de constituição de assistente ou o exercício dos direitos inerentes a esse estatuto, por profissão, nem pela prática ou não de actos processuais ou qualquer outro requisito; T. Para a interpretação desse dispositivo legal, ensina o nº 2 do artigo 9º do Código Civil, que não pode ser considerado pelo intérprete, pensamento legislativo, que não tenha na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal; U. Face ao teor literal da alínea e) do nº 1 do artigo 68º do CPP, não pode ser ciada figura criativa de "assistente/jornalista", nem sequer invocar, a possibilidade de um jornalista ser excluído da previsão de "qualquer pessoa"; V. O despacho recorrido invocou o Estatuto do Jornalista e um parecer da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), quando não cabe ao Juiz de Instrução, verificar o cumprimento dos direitos, deveres ou incompatibilidades dos jornalistas, no âmbito dos presentes autos; W. Segundo prevê os artigos 3º e 24º do DL 70/2008 de 15 de Abril (ROFCCPJ), o organismo competente para assegurar o cumprimento dos deveres profissionais dos jornalistas é a CCPJ, mas esta só pode instaurar procedimento disciplinar, pela violação dos deveres enunciados no nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista aprovado pela Lei 1/99 de 13/01 (EJ); X. Ora, a Deliberação proferida a 3/11/2015 pelo plenário da CCPJ, não tem carácter vinculativo e a sua eventual aplicação é inconstitucional, por violação do disposto na alínea c) do artigo 161º da CRP, pois essa entidade não tem poderes e/ou competência para alterar uma lei e o teor da Deliberação, não encontra previsão no elenco das incompatibilidades definidas pelo artigo 3º do EJ; Y. O despacho recorrido invocou a aplicação do instituto de abuso de direito, previsto no artigo 334º do Código Civil (CC), que prevê que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, pelo fim social ou económico desse direito; Z. Ora, a lei impede o recurso a esta figura civilista, uma vez que o nosso CPP e CRP são suficientes para regularem o quadro legal da constituição de assistentes, em processo penal; AA. Mas se lacunas houvesse, quando as disposições do CPP não são suficientes - o que não é manifestamente o caso, pois o regime dos assistentes está regulado nos artigos 68º e seguintes do CPP -, nos termos do artigo 4o do mesmo compêndio legal, nos casos omissos, quando as regras não se podem aplicar por analogia, observam- se as normas de processo civil - e não as de civil -, que se harmonizassem com o processo penal; BB. Sem prescindir, conjugando o teor do artigo 20º da CRP, que assegura a todos o acesso ao direito e aos Tribunais, para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, com a alínea e) do nº 1 do artigo 68º do CPP, que confere um direito de qualquer cidadão, no caso concreto não tem aplicação o artigo 334º do CC; CC. Como é defendido na jurisprudência "II - É contraditório com a invocação do abuso de direito, a negação de existência do direito que se afirma abusivamente exercitado." - cfr. Ac. STJ de 4/10/2007, in www.dgsi.pt" DD. Ora, o que despacho recorrido pretende que não sejam exercidos pela Recorrente, os direitos que lhe são conferidos, por...

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