Acórdão nº 99/18.3GBRMZ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 08 de Outubro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, com o nº 99/18.3GBRMZ, do Juízo Central Cível e Criminal de Évora (Juiz 1), e mediante pertinente acórdão, foi decidido (no que ora releva): “Convolar os dois crimes de violência doméstica previstos e punidos pelos artigos 152.º, n.ºs 1, alínea d), 2 do Código Penal de que o arguido se encontrava acusado de ter praticado na pessoa de II e de MM, passando a ser-lhe imputada a prática de um crime de maus-tratos, praticado na pessoa de II, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa de MM, previsto e punido pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal.
- Condenar o arguido AA como autor material, na forma consumada e em concurso efetivo, de:
-
Um crime de violência doméstica, praticado na pessoa de EE, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), e 2 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; b) Um crime de maus-tratos, praticado na pessoa de II, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; e de c) Um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa de MM, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.
- Condenar o arguido, em cúmulo jurídico, numa pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- Declarar perdido a favor do Estado e determinar a destruição do produto estupefaciente apreendido nos autos.
- Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
- Condenar, nos termos dos artigos 21.º da Lei n.º 112/2009 de 16 de Dezembro, 16.º da Lei n.º 130/2015 de 4 de Setembro e 81.º-A do CPP, AA a pagar a EE a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data até integral e efetivo pagamento.
- Condenar, nos termos dos artigos 16.º da Lei n.º 130/2015 de 4 de Setembro e 81.º-A do CPP, AA a pagar a II a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data até integral e efetivo pagamento.
- Condenar, nos termos dos artigos 16.º da Lei n.º 130/2015 de 4 de Setembro e 81.º-A do CPP, AA a pagar a MM a quantia de € 100,00 (cem euros), acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data até integral e efetivo pagamento”.
Inconformado com o acórdão condenatório, interpôs recurso o arguido, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “1. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão que julgou e condenou o Arguido, ora Recorrente, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 2. Um crime de violência doméstica, praticado na pessoa de EE, previsto e punido pelo artigo 152.º, nºs 1, alínea b), e 2 do Código Penal; 3. Um crime de maus-tratos, praticado na pessoa de II, previsto e punido pelo artigo 152.ºA, nº 1, alínea a), do Código Penal; e um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa de MM, previsto e punido pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal.
-
O arguido ora recorrente vinha acusado da prática de três crimes de violência doméstica, mas, no decurso da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo entendeu que se apuraram factos que estavam descritos de forma diversa na acusação, bem como, que os factos indiciados em julgamento permitiam a imputação ao arguido de um crime de maus-tratos, na pessoa de II, previsto e punido pelo artigo 152.º-A, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de um crime de ofensa à integridade física simples, na pessoa de MM, previsto e punido pelo artigo 143.º n.º 1 do Código Penal.
-
Na douta acusação pública, no seu ponto 12, dizia-se: “na sequência o arguido agrediu os dois filhos II e MM com socos e chapadas, sendo que atingiu II com vários murros na zona das costas (...)”.
-
Tendo ocorrido uma alteração de factos não substancial no decurso da audiência de discussão e julgamento foram dados como provados os seguintes factos: “11.
na sequência o arguido dirigiu-se ao seu filho II e desferiu-lhe vários murros na zona das costas, levando-o a cair ao chão, após o que continuou a desferir-lhe murros no corpo.” E 7. “15.
Nessa altura instado pelo seu filho II a abandonar o local o arguido desferiu-lhe várias chapadas e socos, persistindo em tal conduta mesmo após o filho ter caído ao chão.” 8. E, sobre esta versão apresentada pelo ofendido na audiência de discussão e julgamento, diremos que contraria a que consta do relatório de avaliação do dano corporal junto aos autos, onde se pode ler: “no dia 27/06/2018, pelas 15:30 horas, refere ter sofrido agressão com murros e empurrão contra a parede que terá sido infligida por pai (….).
-
Do evento terá(ão) resultado foi afastar a mãe que estava a ser agredida pelo pai este bateu-lhe com murros e empurrão contra a parede tendo resultado escoriação no cotovelo direito, no 4º dedo da mão direita e escoriações lineares no dorso, na região escapular esquerda. Na sequência do evento não recorreu a assistência médica”.
-
Nas conclusões do relatório de avaliação do dano corporal é ainda referido: “as lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação”, ou seja, murros e empurrão contra a parede e não “murros na zona das costas, levando-o a cair ao chão, após o que continuou a desferir-lhe murros no corpo”, “ ou “várias chapadas e socos, persistindo em tal conduta mesmo após o filho ter caído ao chão”, como refere o Tribunal a quo nos factos provados 11 e 15.
-
Sendo ainda possível ler-se que as lesões relacionáveis com o evento foram “escoriações lineares na região escapular direita e uma escoriação ligeira no 4º dedo cicatrizadas”.
-
A versão apresentada pelo ofendido em julgamento está em completa contradição com o que é descrito no relatório de avaliação do dano corporal, meio de prova pericial junto aos autos! Nem sequer é compatível com as lesões que constam do relatório de avaliação do dano corporal.
-
De acordo com as regras da experiência comum, uma pessoa que é agredida com socos e que cai ao chão onde continua a ser agredida (por duas vezes!) não fica com ligeiras escoriações! 13. Entendeu ainda o Tribunal a quo que: “mais resultou provado que, ao agir do modo supra descrito, o arguido quis maltratar fisicamente o seu filho menor II, humilhá-lo na sua honra e consideração e amedrontá-lo - originando-lhe um receio constante das suas reações e daquilo que pudesse vir a fazer no futuro contra a sua integridade física ou vida -, o que conseguiu alcançar, sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei”.
-
“Ora, dos factos conjugados entre si ressalta um estado de agressão de tal gravidade que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio ou de poder que deixa a vítima sem defesa. Estamos, pois, perante um tratamento insensível ou degradante por parte do arguido da condição humana da vítima, seu filho menor de idade”.
-
O crime de maus tratos exige que a conduta esteja revestida de uma violência tal, quer pelo período de duração quer pelo mal infligido, para que se possa concluir pela sua existência. Mas será esse o caso dos autos? Não nos parece. Aliás, como já referimos, as lesões resultantes foram “escoriações lineares na região escapular direita e uma escoriação ligeira no 4º dedo cicatrizadas”.
-
Não estamos perante uma agressão revestida de uma gravidade tal que se possa caracterizar como um tratamento insensível ou degradante.
-
Quanto ao tipo de agressões (que não tipificam crime de maus tratos), veja-se, por exemplo, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02 de abril de 2014, Processo nº 261/12.2GDVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt, ou o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de outubro de 2016, Processo nº 413/15.3PFAMD.L1-3, disponível em www.dgsi.pt.
-
Entendeu também o Tribunal que, “tal factualidade não satisfaz, contudo, o tipo de violência doméstica na medida em que o agente do crime e a vítima não coabitavam. Com efeito, veja-se que o arguido saiu de casa da família em Abril de 2018, tendo o seu filho ficado a viver com a mãe. Ora, ainda, que se possa entender que preenche o tipo legal em apreço a coabitação temporária ou intermitente, certo é que não se apurou a existência de qualquer tipo de coabitação entre o arguido e o seu filho”.
-
Se, como refere o Tribunal a quo, não se verifica o crime de violência doméstica por não existir coabitação entre arguido e ofendido, o que entendemos e concordamos, já não entendemos, nem concordamos com a argumentação do Tribunal, de que se verificam os requisitos exigidos pelo tipo.
-
Pratica o crime de maus tratos, p. e p. pelo art.º 152º-A do CP, “quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direção ou educação ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, e: a) lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, ou a tratar cruelmente”.
-
Não há dúvidas que o arguido é pai do ofendido II, também não há dúvidas de que não estava inibido quanto às responsabilidades parentais, que por ser progenitor está obrigado a zelar pelo seu bem-estar, mas na situação concreta dos autos o ofendido estava ao cuidado, à guarda ou sob a responsabilidade do arguido, conforme exigido pelo tipo? Não, de todo.
-
Assim, não estando preenchidos os elementos do tipo, nomeadamente estar ao cuidado, à guarda, sob a responsabilidade da direção ou educação ou a trabalhar ao serviço de quem pratica o crime, fica desde logo afastado o crime de maus-tratos.
-
Sendo afastado o crime de maus-tratos, deverá subsistir aquele que com ele se encontra em concurso - ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143º do C.P. -.
-
...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO