Acórdão nº 582/17.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução03 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório P. T.

intentou contra 1.

P. R.

; 2. V. F.

; e 3.

  1. C.

    , este último nascido a ..-..-2015, ação declarativa sobre a forma comum, pedindo que seja declarado que o réu V. C. não é filho do réu P. R. e que se ordene a retificação do assento de nascimento, com a eliminação da paternidade e dos apelidos paternos.

    Para tanto, alegou, em síntese, que a menção de paternidade que consta do assento de nascimento do 3.º réu, decorrente de perfilhação efetuada em 10-09-2015, não corresponde à verdade pois este não é filho biológico do 1.º réu, existindo pelo contrário uma grande probabilidade de o réu V. C. ser seu filho, fruto de um relacionamento que manteve com a mãe durante o período legal de conceção. Indicou os meios de prova, requerendo, além do mais, a realização de exame pericial biológico junto do Instituto de Medicina Legal (INML).

    Foi nomeado curador especial ao 3.º réu, o qual foi citado em sua representação.

    Os réus apresentaram contestação, impugnando a factualidade alegada pelo autor na petição inicial e afirmando que a 2.ª ré apenas com o 1.º réu, P. R., teve relações sexuais durante os cento e vinte dias dos trezentos que precederam o nascimento do 3.º réu, posto que com aquele manteve um prolongado tempo de namoro.

    Apresentaram os meios de prova, sendo que os réus P. R. e V. F. declararam expressamente, na parte final da sua contestação, a sua oposição a serem submetidos a exame pericial.

    Foi dispensada a audiência prévia, após o que veio a ser proferido o despacho saneador, tendo sido fixado o valor da causa, delimitado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova.

    Foram admitidos os meios de prova, enunciando o autor as questões de facto a esclarecer através da perícia.

    Os réus foram ouvidos sobre o objeto da perícia, declarando não pretenderem sujeitar-se à realização de exame pericial biológico.

    Por despacho de 2-03-2018 entendeu o Tribunal a quo determinar a realização do exame pericial, apesar da posição assumida pelos réus no processo, solicitando o agendamento do exame junto do INML, logo advertindo os réus que o comportamento que aqueles viessem a adotar seria oportunamente valorado para efeitos probatórios, em consonância com o disposto nos artigos 417.º do Código de Processo Civil (CPC), e 344.º, n.º 2 do Código Civil (CC).

    Fixado o objeto da perícia e agendado o correspondente exame pelo INML, os réus não compareceram na data e no local designados para a recolha das amostras biológicas, nem apresentaram qualquer justificação para essa ausência, apesar de regularmente convocados para o efeito.

    Foi então designada data para a realização da audiência final, no início da qual foram os 1.º e 2.º réus, bem como a curadora do 3.º réu, novamente advertidos pessoalmente pelo Tribunal a quo para as consequências probatórias que poderão advir da recusa em submeterem-se a exame genético com vista a determinar com rigor científico se o menor V. C. é ou não filho do demandado P. R., nomeadamente para a inversão do ónus da prova em decorrência do disposto nos artigos 417.º, n.º 2, do CPC e 344.º, n.º 2, do CC tendo uma vez mais declarado que mantinham aquela recusa.

    Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, julgando procedente a ação e declarando que o menor V. C. não é filho biológico do réu P. R..

    Mais ordenou que no assento de nascimento do menor seja eliminada a paternidade estabelecida por perfilhação daquele réu, bem como a avoenga paterna e os apelidos “M. S.”, condenando ainda os réus no pagamento das custas do processo e determinando que, após trânsito, fosse extraída certidão da sentença e remetida à competente conservatória do registo civil.

    Inconformados, os réus apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença com a consequente improcedência da ação, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1ª. Os Réus não podem conformar-se com a douta sentença recorrida, uma vez que, face à prova produzida, entendem que a acção deve ser julgada não provada e improcedente.

    1. Para a procedência da presente acção, a douta sentença recorrida alicerçou-se apenas na inversão do ónus da prova resultante da recusa dos Réus a sujeitarem-se à realização de exame hematológico.

    2. Ora, os Réus entendem que fizeram prova efectiva de que o Réu P. R. é o pai biológico do menor V. C., do que, aliás, nunca tiveram dúvidas.

    3. Importa ainda referir que, mesmo face à recusa dos progenitores em submeter-se ao exame pericial, tal não implica automaticamente a inversão do ónus da prova, sendo antes esta uma mera possibilidade, a decidir face às demais circunstâncias e provas produzidas.

    4. Ora, face à prova produzida, interesses em causa e à própria posição e alegações do Autor, não se justifica, no caso, a inversão do ónus da prova.

    5. A mera dúvida ou suspeita, aliás infundadas, lançadas injustificadamente pelo Autor, não podem colher força capaz de destruir a paternidade do Réu P. R. estabelecida e plenamente assumida, constante da certidão emitida pelo Registo Civil.

    6. Além disso, os Réus entendem também que a decisão de facto deve ser alterada, não só no sentido de eliminar dos Factos Provados o facto nº 3, mas também no sentido de que os factos constantes das alíneas d), e e) dos Factos Não Provados devem ser julgados provados, devendo outros factos alegados pelos Réus, e não impugnados, ser também incluídos nos Factos Provados.

    7. Na sua contestação, os Réus, embora não expressamente, põem em causa a legitimidade do Autor para intentar a presente acção.

    8. Esta acção foi intentada por um terceiro, alegando os Réus na sua contestação que desconhecem o que o move, mas que só pode ser o intuito de prejudicar os pais do menor e tentar desestabilizar o seu relacionamento familiar.

    9. A douta sentença recorrida é totalmente omissa quanto à questão da legitimidade do Autor, embora este não preencha nenhuma das hipóteses previstas no artº. 1859º do Cód. Civil.

    10. Na verdade, não foi trazida à acção nem consta dos factos alegados qualquer interesse moral ou patrimonial a favor do Autor que legitimasse a propositura desta acção.

    11. Por outro lado, os Réus V. F. e P. R. alegaram na sua contestação que mantinham um prolongado namoro e que passaram a viver juntos, em união de facto, circunstancialismo que não foi impugnado nem posto em causa e o contrário também não resultou da prova produzida em julgamento, antes foi confirmado.

    12. Ora, este facto deve ser incluído nos Factos Provados.

    13. Embora não tenha sido alegado pelos Réus, dos depoimentos prestados na audiência de julgamento resulta provado, como facto instrumental, que o Réu P. R. sempre agiu como pai do menor V. C. e como pai foi reconhecido por todos os que com eles convivem, conforme se pode ver dos depoimentos atrás assinalados.

    14. Assim, devem esses factos ser incluídos nos Factos Provados.

    15. Igualmente devem ser julgados como provados os factos referidos nas alíneas d) e e) constantes dos Factos Não Provados.

    16. Por sua vez, deve ser julgado como não provado o facto referido no nº 3 dos Factos Provados, por ser o que está de acordo com a prova produzida em julgamento.

    17. Ainda que se entendesse que tinha ocorrido a inversão do ónus da prova pelo facto de os Réus terem recusado o exame pericial, a verdade é que os Réus provaram a paternidade do P. R., conforme está registada.

    18. Além disso, não se provaram as relações sexuais do Autor com a Ré V. F..

    19. A mera dúvida, ainda para mais, infundada, não é constitutiva do direito do Autor de pôr em causa a paternidade do Réu P. R., constante da certidão de nascimento do menor V. C., nem pode sustentar a sentença recorrida, tanto mais quando nesta se reconhece que não foi feita prova de que a verdade biológica não coincide com a paternidade do menor V. C. levada a registo, e, apesar disso, se decidiu deixar o menor sem pai, olvidando os superiores interesses deste.

    20. Deste modo, deve ser revogada a douta sentença recorrida e julgar-se a acção improcedente».

    O Ministério Público apresentou resposta à alegação dos recorrentes, sustentando a manutenção do decidido.

    O recurso veio a ser admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.

    II.

    Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

    1. Da questão suscitada pelos recorrentes em sede de recurso sobre a ilegitimidade ativa do recorrido para a presente ação; B) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; C) Reapreciação do mérito da causa.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

  2. Fundamentação 1.

    Os factos 1.1.

    Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida: 1.1.1.

    O menor V. C. nasceu no dia .. de .. de 2015 e encontra-se registado como sendo filho da ré V. F., e também do réu P. R., por ter sido por este último perfilhado, mediante declaração perante oficial público, no dia 10 de setembro de 2015.

    1.1.2. Os réus P. R. e V. F. eram e são namorados.

    1.1.3.

    No período temporal que corresponde aos 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do menor, a ré V. F. manteve relações sexuais de cópula completa com o autor.

    1.2.

    Da decisão recorrida constam como não provados os seguintes factos:

    1. Apesar da menção de paternidade constante do registo, o menor V. C. não é filho biológico do réu P. R..

      b) A ré V. F. referiu que o autor era o pai biológico do menor.

      c) O autor é pai biológico do réu V. C..

      d) A ré nunca teve relações sexuais com o autor.

      e) A ré apenas teve relações sexuais com o réu P. R., único com quem aquela manteve relações sexuais repetidas e sem...

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