Acórdão nº 152/17.0IDBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução30 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. Em processo comum (tribunal singular) com o nº 152/17.0IDBRG a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz 1, foi proferida sentença, datada de 27/03/2019, com a seguinte decisão (transcrição): “III. Decisão.

Tudo visto, decide-se: 1. Condenar o arguido M. C.

, como autora da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/01, de 05 de Junho, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, no montante global de € 420,00.

  1. Condenar a sociedade arguida X Unipessoal, Lda, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art.105º, n.º1, e 7.º do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/01, de 05 de Junho, na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de € 10,00, no montante global de € 1.400,00.

  2. Condenar os arguidos M. C.

e X Unipessoal, Lda, cada um, no pagamento das custas criminais, fixando-se o valor da taxa de justiça em 3 UC.

Notifique.

Deposite.

Após trânsito: - remeta os boletins ao registo criminal; - comunique a presente decisão à Administração Tributária (cfr. art. 50º, nº 2, do R.G.I.T.).”***2 – Não se conformando com a decisão ambos os arguidos dela interpuseram recurso oferecendo as seguintes conclusões – identificadas por letras e não, como imposição legal, por artigos - (transcrição): “

  1. M. C. E X UNIPESSOAL, LDA, Arguidos nos autos supra referenciados, que correram termos no Juízo Local Criminal de Barcelos- Juiz 1- não se conformando com a sentença proferida- vêm expor as suas motivações pretendendo com o presente Recurso a reapreciação da matéria de facto e, sempre, a devida aplicação de Direito.

  2. Entendem os Recorrentes que a Decisão Recorrida é violadora dos basilares princípios do Direito Penal e Constitucional- máxime artigos 13º, 18º, nº2 e 27º, nº1 todos da CRP.

  3. Os Recorrentes não se conformam com a Decisão do Tribunal Recorrido por entenderem que, atenta a prova produzida em sede de julgamento e, bem assim, a factualidade assente como provada, não se têm por verificados os pressupostos objetivos e subjetivos do ilícito-típico p.e.p pelo artigo 105º do RGIT.

  4. Entendem os Recorrentes que da prova produzida em audiência de julgamento mormente, das Declarações do Arguido M. C.- Min 04:01 - Min 04:48// Min 05:16 - Min 06:10 //Min 07:03- Min 07:16//Min 09:47- Min 10:28 // Min 13:08– Min 13:26 e, do Depoimentos de P. M.: Min 01: 49 - Min 03:39// Min 05: 19 – Min 05:55 e de L. M.: Min 01:19 – Min 03:16 resultou provado que: - No ano de 2017 a sociedade X UNIPESSOAL, LDA, vivenciou sérias dificuldade económico-financeiras, em virtude da falta de pagamentos pelos seus clientes, o que obstou ao cumprimento das suas obrigações, nomeadamente, à entrega do IVA; -Quando notificados, em 18 de Novembro de 2017 – nos termos do artigo 105º, nº 4 al. b) do RGIT, - para em 30 dias proceder ao pagamento do primeiro trimestre de IVA de 2017, os Recorrentes tudo fizeram para cumprir o prazo, não obstante, porque as contas da sociedade Recorrente se encontravam penhoradas não conseguiram de imediato depositar o valor que dispunham em cheque, tendo promovido pelo levantamento da penhora da conta, o que os impediu de cumprir o prazo em curso.

    - Em 19 de dezembro de 2017 (1 dia após o prazo concedido) pretendendo os Recorrentes liquidar o IVA do primeiro e segundo trimestre do ano de 2017 procederam à entrega aos serviços de finanças de um total de €19.259,92, respeitando €11.629.58 ao IVA do primeiro trimestre de 2017 e, € 7.630,34 ao IVA do segundo trimestre de 2017.

    - Sempre os Recorrentes, pensaram que com aquela entrega estariam as obrigações relativas à entrega do IVA do primeiro e segundo trimestre de 2017 satisfeitas; - Por lapso dos Serviços de Finanças a quantia de € 7.630,34 foi imputada a outras dívidas da sociedade X UNIPESSOAL, LDA., (sobretudo IRC), - Só passados cerca de 15 dias é que os Recorrentes tiveram conhecimento pelo seu contabilista que o IVA do segundo semestre não estaria liquidado; - Tendo em 02-01-2018 se dirigido aos serviços de finanças para acordar o pagamento do IVA do segundo trimestre de 2017 em prestações; - A notificação nos termos do artigo 105º, nº 4 al. b) do RGIT, respeitante ao IVA do segundo trimestre de 2017, ocorreu em 14 de março de 2018, altura em que já estava a ser cumprido o plano prestacional.

    - O plano prestacional tem vindo a ser rigorosamente cumprido pelos Recorrentes; e) Factualidade que deve passar a constar dos Factos Provados! f) Ora, atendendo à prova resultante da audiência de julgamento (que supra destacamos) e, sempre, à factualidade considerada por provada em o), p) e q), parece-nos contraditório que o Tribunal Recorrido entenda por provado o descrito em i), j), k), l), e m)- que mais não são do que factos indicadores do elemento subjetivo do crime em apreço.

  5. Na verdade, resultou da prova produzida em Audiência de Julgamento - atentas as supra transcritas declarações e depoimentos- que o Recorrente M. C.- nunca representou que a sua conduta pudesse causar lesões no património do Estado, que sempre pretendeu entregar -e entregou- as prestações em falta ao Estado- não representando que o atraso na sua entrega e, muito menos, o facto de ter convencionado um plano prestacional para o pagamento dos impostos em falta o pudessem prejudicar ao ponto de ser punido pelo direito h) Pelo exposto, não podia o Tribunal Recorrido considerar como provado que o Arguido agiu sempre de forma livre, voluntaria e consciente, indiferente das lesões que causada no património do Estado e, bem assim, que sabia que a sua conduta era proibida – cfr. alíneas l) e m) dos Factos Provados)– na verdade, são estes os elementos que permitem concluir o dolo do Arguido- o qual nunca se verificou! i) Assim, a factualidade vertida em i), j) k), l) e m) - dos Factos Provados SEMPRE DEVERÁ PASSAR A CONSTAR DA MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA! j) De maior relevância é que, atenta a prova produzida em audiência de julgamento deveria o Tribunal Recorrido se ter pronunciado pela não verificação do elemento objetivo do tipo de ilícito em causa- a “apropriação” e bem, assim, o seu elemento subjetivo- o dolo.

  6. A “apropriação” não pode ser aferida, como fez, o Tribunal Recorrido, como uma consequência lógica da falta de entrega das prestações tributárias nos prazos previstos pelo preceito em causa, como que, uma presunção inilidível daquelas quantias ainda que, sem se atender ao animus de apropriação do agente.

  7. Tal entendimento, é violador dos Princípios Basilares do Direito Penal e Constitucional – permitindo-se que direito de último ratio- intervenha em situações compagináveis com a simples mora do cumprimento das obrigações… m) A mora na entrega das obrigações tributárias, desvirtuada do “animus” de “apropriação” tem já tutela pelo Direito Contraordenacional- Vide artigo 114º do RGIT.

  8. A “apropriação” que se deve exigir no ilícito-criminal- deve pois, ser mais do que uma simples omissão pura – a não entrega das prestações tributárias-, tendo de se verificar a intenção de dispor da coisa como sua- o que não se verifica quando exista intenção de restituir! o) Só esta “apropriação” é capaz de a marcar a diferença entre o ilícito criminal - crime de abuso de confiança (art. 105.º) e o ilícito contraordenacional (art. 114.º)! p) A identidade e similitude entre o tipo criminal previsto no art. 105.° do RGIT, e a facti species contraordenacional, constante do art. 114.° RGIT, e a indistinção do bem jurídico tutelado, por ambos os normativos, fere de inconstitucionalidade material o art. 105.º do RGIT.

  9. O simples facto da verificação de um resultado, ou seja, a de entrega ou não entrega das prestações em causa, sem se relevar a conduta do sujeito em causa, mormente, o “animus” de apropriação do agente conduz (ou pode conduzir) a uma verdadeira prisão por dívidas- atentando contra o disposto nos artigos 13º, 18º, nº2 e 27.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa.

  10. Assim, o simples decurso do prazo para a entrega da prestação tributária- não pode funcionar como presunção inilidível da presunção “apropriação” - e, consequente preenchimento do tipo de crime previsto no referido art. 105. °, n° 1.

  11. PELO QUE, IN CASU IMPUNHA-SE DECISÃO DIVERSA DA PROFERIDA! t) Na verdade, considerando que da audiência de julgamento resultou que o Recorrente M. C. nunca teve o “animus” de se apropriar das prestações Tributárias, pelo que não se tem por verificado o elemento objetivo do Crime De Abuso De Confiança Fiscal, p.e.p no artigo 105º, nº1 do RGIT, de que vem acusado e condenado pela Primeira Instância.

  12. O mesmo se diga a propósito do seu elemento subjetivo- o dolo! v) Conforme se refere na decisão recorrida- o Ilícito Típico do artigo 105º, nº1 do RGIT- é um crime doloso- pelo que, exige-se que o agente atue com a intenção de vir a incorporar num determinado património o montante não entregue, ou pelo menos, que tivesse representado essa incorporação como consequência necessária ou possível da sua conduta, conformando-se com tal possibilidade.

  13. Da audiência de julgamento, atentas as supra transcritas declarações e depoimentos- resultou que o Recorrente M...

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