Acórdão nº 669/17.7T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | SANDRA MELO |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I - Relatório Apelante e embargante (de executada): (…), residente em Av (…) ...
Apelado e embargado: (..) com sede na Av. (…) Lisboa autos de: (apelação em) oposição à execução por embargos Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que foi lhe foi movida pelo ora Recorrido, a Recorrente apresentou oposição à execução mediante embargos, peticionando a extinção da execução.
Invocou, em síntese, a ineptidão do requerimento executivo, a falta de legitimidade de portador da livrança, o pagamento da quantia mutuada, pelo que não houve incumprimento do contrato de mútuo e logo o preenchimento abusivo do título e ainda o abuso do direito na data da oposição da data do vencimento, 11 anos após o invocado incumprimento e, por fim, a falta de apresentação da livrança a pagamento. Mais invocou que reuniu por duas vezes com o BANCO ..., na sequência do recebimento de carta relativa a este mútuo, pelo seu ex-marido, em fevereiro de 2006, com a menção da existência da responsabilidade vencida e não paga.
O exequente apresentou contestação defendendo a justeza da execução.
Tiveram lugar a audiência prévia e a final.
Foi proferida sentença, na qual se decidiu reduzir a obrigação exequenda de forma a excluir da obrigação exequenda a parte relativa “aos juros de mora, os quais apenas serão devidos após a citação da embargante/executada e a partir desta, calculados às taxas legais em vigor, e até efetivo e integral pagamento.” É desta decisão que a Recorrente interpõe recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso da sentença final que julgou parcialmente procedente a oposição à execução, por embargos, deduzida pela embargante/recorrente contra o embargado/recorrido e em consequência: “a) declara-se inexigível o valor respeitante ao reforço da facilidade de crédito a que se refere o escrito particular, denominado ‘Crédito em Conta Corrente Sem Caução Curto Prazo’, datado de 04 de Novembro de 2002; e b) declara-se inexigível a obrigação exequenda relativa aos juros de mora, os quais apenas serão devidos após a citação da embargante/executada e a partir desta, calculados às taxas legais em vigor, e até efetivo e integral pagamento”.
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Após a crise de 2014 que tomou conta do BANCO ... e que culminou na sua resolução, o seu sucessor - agora recorrido – com o fito de proceder ao maior elevado número de encaixe de activos possível, agiu em manifesto desrespeito pela segurança jurídica, transpondo os limites da boa-fé.
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A recorrente (juntamento com o seu então marido), na sequência da celebração de um crédito junto do recorrido entregou a este uma livrança, em branco, datada de 13 de Novembro de 2000.
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A recorrente incumbiu o seu então marido (co-executado nos presentes autos) de cumprir com o pagamento das prestações, entregando-lhe para o efeito o valor das prestações.
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Confiou que nada devia ao recorrido até que foi confrontada com os presentes autos.
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O recorrido aguardou 12 (doze anos) desde a alegada data do alegado incumprimento até propor a presente ação, nunca tendo tomado qualquer diligência para proceder à cobrança da, alegada, dívida.
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Dá-se por integralmente reproduzidos os factos dados como provados e que resultam das fls 4 e ss da sentença proferida pelo Tribunal.
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São três os pilares da presente alegação de recurso: - Prescrição; - Inexigibilidade; - Abuso de Direito; 9. No que diz respeito à Prescrição resulta da matéria de facto dada como provada que a data do alegado incumprimento se situa entre 04/11/2002 e 11/11/2005 e a data em que foram instaurados os presentes autos é 23/01/2017.
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Existe um hiato temporal de 12 anos entre as duas datas.
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O início da contagem do prazo da prescrição tem de ser contado a partir da data em que o recorrido estava em condições de acionar a garantia e que, no caso, será a data do alegado incumprimento. Sendo certo que só não o fez por inércia exclusivamente a si imputável.
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Diz o art. 306º, nº 1 CC: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…)”.
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Nesse mesmo sentido, em situação similar, se pronunciou o Ac. TCA de 06/08/2018, processo nº 1179/17.8BELSB in www.dgsi.pt.
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O recorrido não pode contornar as regras da prescrição fixando arbitrariamente uma data de vencimento da livrança.
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Atendendo ao prazo prescricional de 3 anos previsto pelo art. 70º da LULL é forçoso concluir que o prazo para o recorrido exercer o seu direito já estava manifestamente ultrapassado.
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Quanto à Inexigibilidade cumpre salientar que o obrigado poderá ser demandado judicialmente para cumprir com a sua obrigação se e quando a obrigação for exigível, considerando-se como tal a dívida cujo pagamento pode ser exigido em juízo.
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In casu, o contrato que deu causa à emissão do título cambiário que serve de título nos presentes autos foi gerador de obrigações com prazo certo e, por outro, liquidáveis em prestações.
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Diz o art 781º CC "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas".
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Pelo que o recorrido teria de interpelar a recorrente, resolvendo o contrato e interpelando-a para pagamento da quantia vencida. Não o tendo feito, conforme resulta do facto provado nº 20, 22 e 24 a quantia peticionada não se encontra vencida e, por conseguinte, é inexigível.
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Também no que diz respeito ao título cambiário constante dos presentes autos resulta que o mesmo foi preenchido sem respeito por qualquer limite ou acordo entre recorrente e recorrido.
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A livrança foi assinada em branco pela recorrente e preenchida posteriormente pelo recorrido sem a interpelação prévia da recorrente, que desconhecia os seus elementos essenciais e tão pouco foi consultada para o preenchimento naqueles moldes.
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O direito ao preenchimento da livrança dependia do exercício do direito de resolução contratual consubstanciado numa interpelação escrita dirigida à recorrente que nunca ocorreu.
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O recorrido não tinha/tem legitimidade para preencher o título cambiário em crise, com a consequente inexigibilidade da obrigação em crise.
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Quanto ao Abuso de Direito cumpre esclarecer que o preenchimento da livrança que consubstancia título executivo nos autos dos quais se recorre, foi, com devido respeito por opinião distinta, abusivo.
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Com a consequente invalidade do negócio cambiário, por não terem sido ajustadas entre as partes a fixação do montante da livrança, que não é devido, nem justificado, e as condições relativas ao conteúdo o tempo do vencimento.
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Ficou demonstrado, à saciedade, em primeira instância, que desde 2005 o recorrido não praticou qualquer comportamento que demonstrasse intenção do exercício do direito cambiário e que deste modo afastasse o carácter de abuso de direito traduzido pelo referido preenchimento.
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O recorrido, ao deixar decorrer cerca de 12 anos desde a data do alegado incumprimento até lançar mão da via judicial para proceder à cobrança do título de crédito em crise criou a confiança, na recorrente de que esse direito não seria feito valer, até pelo decurso de prazo tão longo a intenção de não merecer esse direito cambiário, prevalencendo-se assim de desvantagem desleal, violadora da boa fé e do princípio da confiança.
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O facto de, só após 12 anos ter dado entrada dos presentes autos executivos, é prova manifesta de uma actuação doutrinalmente denominada “venire contra factum proprium”, doutrina esta analisada pelo STJ no Acórdão proferido em 09/07/98, processo 97A925 (disponível in www.dgsi.pt), ainda actual no que refere à doutrina referida.
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O recorrido não procedeu à cobrança do título cambiário após o incumprimento (alegado) da recorrente, nem sequer interpelou a recorrente para o efeito, tendo criado a confiança na recorrente de que esse crédito não existia ou que, a existir, jamais seria exercido.
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Ora, o princípio do Estado do Direito consagrado no art. 2º da CRP postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica, o que implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas.
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Choca o bom senso e o sentimento elementar de justiça permitir que, passados 12 anos (sem qualquer interpelação) venha o recorrente reclamar o pagamento de um valor que a recorrida confiava não ser devido.
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O recorrente aguardou 12 anos para, abusivamente, apor uma data de vencimento que lhe conviesse para dar início aos presentes autos! 33. Com a sua inércia, que resulta da matéria de facto dada como provada, o recorrido criou na pessoa da recorrente a forte convicção de que nenhuma responsabilidade tinha.
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A conduta do recorrido é violadora da boa-fé e do princípio da confiança que deve estar subjacente a todos os negócios jurídicos.
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Verificando-se uma situação de abuso de direito, cfr 334º CC, tendo em conta que a actuação do recorrido configura “venire contra factum proprio”.
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Seguindo-se de perto o Ac. TRP de 11/08/2018, processo nº 4288/12.6TBPRD-C.P1 no que diz respeito à figura do abuso de direito.
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Pelo que, atendendo ao exposto, se verifica, inequivocamente, que o recorrido agiu com manifesto abuso de direito, devendo ser os embargos deduzidos totalmente provados e consequentemente procedentes, com a declaração de extinção dos autos executivos em crise.
TERMOS em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que dê provimento total aos embargos deduzidos pela embargante/recorrente, com a consequente extinção dos autos executivos em crise, assim se fazendo a devida JUSTIÇA! O embargado respondeu, com as seguintes conclusões: 1. Por douta Sentença proferida em 1ª instância, o Tribunal a quo considerou a Oposição à Execução deduzida pela Recorrente parcialmente procedente 2. A douta Sentença proferida em 1.ª instância julgou, por outro lado, totalmente improcedente a Oposição à Penhora deduzida, mas o recurso apresentando não diz respeito a...
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