Acórdão nº 1966/09.TBFAR.I.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução26 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal da Relação de Évora - 2ª Secção Cível Proc. nº 1966/09.TBFAR.I.E1 Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO: (…) – Sociedade de Construções, S.A., foi declarada insolvente por sentença proferida em 04.12.2009, transitada em julgado, na qual foi declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno. O incidente de qualificação culposa da insolvência teve origem no requerimento apresentado pela sociedade (…), S.A., que requereu a qualificação da insolvência como culposa propondo que sejam por esta afetados (…), (…) e (…). O Administrador da Insolvência veio apresentar o seu parecer e requereu a qualificação da insolvência como culposa, propondo que seja por esta afetado (…)

O Ministério Público emitiu parecer e requereu a qualificação da insolvência como culposa, propondo que sejam por esta afetados (…) e (…). Foi ordenada a notificação da Insolvente e a citação dos indicados como propostos afetados pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 188º, n.º 6, do CIRE. Os propostos afetados pela qualificação da insolvência como culposa deduziram oposição. Procedeu-se à realização de audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador que se fixou o objeto do litígio e enunciaram-se os temas de prova

Foi realizada audiência de julgamento

Por sentença de 13.02.2019 foi proferida sentença que qualificou como fortuita a insolvência de (…) – Sociedade de Construções, S.A., pessoa coletiva n.º (…), com sede na Rua Francisco Sá Carneiro, nº 40, R/C direito, (…)

Inconformada com esta sentença, veio o Ministério Público interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A sentença proferida no incidente de qualificação da insolvência considerou não estarem verificados os pressupostos para a qualificação da insolvência como culposa, por incumprimento do dever de apresentação à insolvência, estabelecidos no art.º 186º, n.º 1 e 3, als. a) e b), do CIRE, e, em consequência, declarou-se ser a insolvência da sociedade (…) –Sociedade de Construções, S.A, de natureza fortuita. 2. A Mma. Juiz fundamentou a sua convicção nos factos dados como provados, dos quais, em seu entender, não resulta prova qualquer prova de que os administradores da insolvente tivessem conhecimento da situação de insolvência da sociedade ou que estivesse ultrapassado o prazo para requerer a insolvência, não resultando também provado o nexo de casualidade entre a conduta omissiva do administrador da insolvente e a criação ou agravamento da situação de insolvência. 3. Discordamos desta decisão porque entendemos que o tribunal a quo não fez uma análise crítica da prova e não interpretou e aplicou corretamente o art.º 186º, n.º 1 e 3, al. a), do CIRE

  1. Dispunha o art.º 18º, n.º 1, do CIRE, na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 16/2012, de 20 de 04, que o devedor deve requerer a declaração da sua insolvência dentro dos 60 dias seguintes à data do conhecimento da situação de insolvência. 5. O n.º 3 deste dispositivo legal estatui que “Quando o devedor seja titular de uma empresa, presume-se de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência decorridos pelo menos três meses sobre o incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos referidos na alínea g) do n.º 1 do art.º 20º». 6. As obrigações aqui referidas cujo incumprimento dá origem à referida presunção inilidível são, nomeadamente, as obrigações tributárias, contribuições e quotizações para a Segurança Social e dívidas emergentes de contrato de trabalho. 7. O prazo de apresentação à insolvência conta-se do conhecimento da situação ou, sendo anterior, do momento em que o devedor a devia conhecer. Este dever de conhecimento tem de ser apreciado nos termos gerais, por referência ao devedor médio colocado na situação concreta do agente. 8. Para facilitar a prova do conhecimento, o n.º 3 do art.º 18º estabelece uma presunção inilidível do conhecimento da insolvência quando ocorra, há pelo menos três meses, o incumprimento generalizado de qualquer das obrigações referida na alínea g) do n.º 1 do art.º 20º. 9. Resulta dos pontos 16, 17, 18 e 19, nos presentes autos foram reclamados pela Autoridade Tributária créditos resultantes de impostos, juros e coimas, no montante total de € 662.057,76, sendo que € 619.983,01, foram constituídos mais de doze meses antes do início do processo de insolvência e pelo Instituto de Segurança Social foram reclamados créditos no montante total de € 174.717,02, sendo que € 107.911,58 foram constituídos mais de doze meses antes da data do início do processo de insolvência. 10. Verifica-se, pois, um claro incumprimento generalizado das contribuições para a Segurança Social e dos impostos devidos à Fazenda Nacional, situação de incumprimento que, relativamente à Fazenda Nacional, se arrastava desde 2000, e que se manteve durante o ano que antecedeu o processo de insolvência, ou seja, entre Agosto de 2008 e Agosto de 2009, durante o qual a sociedade (…) acumulou novas dívidas resultantes de contribuições e de impostos e coimas, ao Instituto de Segurança Social e à Fazenda Nacional, que ascenderam ao valor de € 108.880,19. 11. Presumir-se-á, assim, de forma inilidível, o conhecimento da situação de insolvência, se não antes, pelo menos três meses após o início dos doze meses que antecederam o processo de insolvência, ou seja, pelo menos desde Novembro de 2008, presumir-se-á de forma inilidível o conhecimento da situação de insolvência por parte dos seus administradores. 12. Ainda que estivéssemos perante uma presunção ilidível, basta olhar para os demais elementos de prova para perceber que nunca essa presunção poderia ser ilidida antes pelo contrário. 13. Não é credível que, esgotado o financiamento bancário, não conseguindo a sociedade efetuar os pagamentos mais imediatos, tendo entrado em incumprimento generalizado das obrigações vencidas e com um passivo de mais de vinte quatro milhões de euros, o administrador da sociedade pudesse pensar, como foi convicção do Tribunal, que ainda no ano de 2009 a mesma fosse recuperável, ou que pudesse acreditar, que ao fim de quase seis meses de negociações com a banca um financiamento de seiscentos mil euros iria resolver a situação da empresa. 14. Por isso, não podia o Tribunal concluir, como o fez, que o administrador da insolvente só tomou consciência que era o fim, em Agosto/Setembro de 2009, pois tal conclusão não encontra qualquer respaldo nos elementos constantes dos autos e, muito menos nos factos provados. 15. Ao contrário do decidido, considerando os factos provados e a presunção estabelecida no n.º 3 do art.º 18º do CIRE, entendemos que se verificam no caso sub judice os pressupostos do incumprimento do dever de apresentação à insolvência por parte do administrador de facto e de direito da devedora (…). 16. Quanto à prova do nexo causal entre a falta de apresentação à insolvência e a criação ou agravamento da insolvência, que segundo a sentença seria ainda necessária para qualificar a insolvência como culposa, aquela sentença não é clara, porque se fundamenta em convicções e não em factos objetivos de onde resulte a contração de novas dívidas com o consequente aumento do passivo e diminuição da capacidade da devedora de cumprir as suas obrigações. 17. E esses factos constam dos autos. 18. Com efeito, resulta dos factos provados que, reportando-se as dívidas da AT e ISS ao ano de 2008 e 2009 que os administradores da devedora terão permitido que tal dívida se avolumasse, tendo aumentado o passivo sem o correspondente ativo que permitisse o pagamento das dívidas, contribuindo para o agravamento da situação de insolvência. 19. Também no que se refere a este pressuposto da qualificação da insolvência como culposa, foi feita prova efetiva do nexo de causalidade entre o incumprimento do dever de apresentação à insolvência pelo administrador (…) e o agravamento da insolvência da devedora. 20. Ainda que se considerasse não existir prova efetiva daquele nexo de causalidade, tal prova não se torna necessária porque, tal como vem sendo defendido pela doutrina e jurisprudência, dispensa-se o lesado da prova do nexo causal entre os factos aí previsto e a criação ou agravamento da situação de insolvência e onera-se o devedor com o ónus de provar que, apesar de terem ocorrido, aqueles factos não criaram nem agravaram a situação de insolvência. 21. Assim, invertido o ónus da prova, seria ao administrador da insolvente que incumbiria a prova de que a não apresentação à insolvência não terá contribuído para o agravar da situação de insolvência. 22. Essa prova não se mostra feita nos autos, resultando sim que, entre Novembro de 2008 (data em que se presume ser conhecida a situação de insolvência) e o início do processo de insolvência, a sociedade constituiu várias dívidas, com o consequente aumento do passivo e diminuição da capacidade de cumprir as respetivas obrigações para com os credores. 23. Verificados nos presentes autos todos os pressupostos de facto e de direito da previsão da al. a) do n.º 3 do art.º 186º do CIRE, deverá qualificar-se a insolvência como culposa, abrangendo-se com essa qualificação o seu administrador da insolvente, João Manuel Vieira Correia, com as consequências legais previstas na lei. Nestes termos, e pelos fundamentos aduzidos, entendemos que deverá conceder-se provimento ao presente recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida e decidindo-se no sentido qualificação da insolvência da sociedade (…) como culposa, nos termos do disposto no art.º 186º, n.º 1 e 3, al a), do CIRE, declarando-se afetado por essa qualificação o administrador da insolvente, (…)

    O Apelado (…) apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões: 1. Foi proferida sentença que qualificou como fortuita a insolvência da sociedade (…) – Sociedade de...

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