Acórdão nº 306/16.7GBTNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução24 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 306/16.7GBTNV, do Juízo Local Criminal de Torres Novas, e mediante pertinente sentença, foi decidido: “1. Condenar o arguido HH pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (dois) meses de prisão; 2. Suspender a execução da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido HH, por igual período, mediante acompanhamento de regime de prova, ficando ainda o arguido obrigado a cumprir um programa específico de prevenção da violência doméstica - Programa para Agressores de Violência Doméstica, sob a orientação e a fiscalização da DGRSP; 3. Condenar o arguido HH na pena acessória de proibição de contacto presencial com a ofendida CC, prevista no artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal, com exceção dos contactos estritamente necessários ao cumprimento do regime de visitas no âmbito da regulação das responsabilidades parentais da filha menor de ambos, pelo período de dois anos e seis meses, incluindo o afastamento da residência e do local de trabalho daquela; 4. Arbitrar uma compensação a pagar pelo arguido HH à ofendida CC no valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), nos termos dos artigos 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e 82.º-A do Código de Processo Penal.

  1. Condenar o arguido nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (duas unidades de conta)”.

    Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, formulando na respetiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: “1) Vem o recurso interposto “de facto e de direito”, tendo em vista obter a declaração da nulidade da sentença recorrida, por erro na apreciação de todos os pontos da matéria de facto, tal como se demonstra com as motivações que antecedem, o que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os legais efeitos.

    2) Sendo certo que a fundamentação jurídica se mostra igualmente desajustada da lei e da Jurisprudência em vigor.

    3) O recurso funda-se assim no disposto no art. 430º, com referência ao art. 410º, nº 2, als. a) e c), do C.P.P.

    4) Quando assim se não entenda e porque a prova se encontra toda impugnada, nos termos do art. 412º, nº 3, a) e b), ao ser reapreciada, conclui-se que pelo menos há lugar à modificabilidade da decisão recorrida, nos termos do disposto no art. 431º, ambos do C.P.P.

    5) A fundamentação jurídica apresenta também erros, insuperáveis, que acarretam a declaração necessária da nulidade da sentença, por inadequação jurídica dos factos perante a lei e a Jurisprudência que lhes diz respeito, tal como atrás se demonstrou, o que aqui se dá por inteiramente reproduzido, para todos os legais efeitos.

    6) Aliás, toda a fundamentação da sentença ora objeto de recurso, na realidade e rigor acaba por ser uma consequência de uma construção lógica-dedutiva.

    7) Assim, salvo douta e melhor opinião, entende o recorrente que o Tribunal a quo decidiu tendo por base factos, que não foram SUFICIENTEMENTE provados testemunhalmente, prejudicando o silogismo judiciário.

    8) É evidente a insuficiência da prova realizada para aquela que foi a decisão da matéria provada, motivo pela qual estamos, sem dúvida, perante a violação do princípio do "in dubio pro reo".

    9) É, ainda, de destacar que a condenação em apreço parte, erroneamente, do pressuposto de que o Arguido terá sido o autor material das injúrias e agressões supostamente sofridas pela Assistente, dadas como provadas, que, por manifesta inexatidão, não se logrou fazer prova suficientemente esclarecedora.

    10) Diremos que o facto da companheira do Arguido ter logrado convencer o tribunal, se comoveu foi suficiente para o Tribunal a quo, perante tal facto dado como provado nos autos, enredar o Arguido numa condenação titulada por juízos meramente hipotéticos e probabilísticos.

    11) Não se pode de forma alguma aceitar tal condenação, pois que esta apenas se baseou em presunções judiciais.

    12) Tal como está consagrado no artigo 349º do C.C., "presunções são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido." Como tal, não são verdadeiros meios de prova, mas sim meras operações mentais ou lógicas firmadas pelo julgador com base nas regras da experiência.

    13) In casu, o Tribunal simplesmente fundamentou a condenação em juízos de mera probabilidade, sem proceder a qualquer espécie de análise crítica detalhada da prova produzida, limitando-se a procurar justificação numa “convicção” pessoal, própria e totalmente subjetiva.

    14) Acontece que, no momento da decisão, o juiz, sem partis pris ou prejuízo, deve basear-se apenas em provas para estabelecer a culpabilidade, não devendo partir da convicção ou da suposição de que o Arguido é culpado, logo desde o início do julgamento, sendo certo que o recurso à presunção ou à convicção subjetiva não pode ser a via aberta para suprir a falta de SEGURANÇA JURÍDICA da prova que retrata os factos, tão perto da verdade material quanto for possível.

    Pelo exposto, o Tribunal a quo violou, ainda, o disposto no nº 2 do art. 32º da Constituição da República Portuguesa.

    Em suma: não foram praticados os factos alegados e atentos os circunstancialismos da Acusação, pois o Arguido:

    1. Não injuriou a Ofendida b) O arguido não apertou e cravou as unhas no braço da ofendida, arranhando-a.

    2. Nem desferiu um murro no olho direito da ofendida, tendo a ofendida caído para dentro da banheira.

    3. Não desferiu uma chapada na boca da ofendida.

    4. Não desferiu pontapés nas nádegas e pernas, tendo a ofendida de agarrar a sua filha menor com força para que ela não caísse.

    5. Não disse, consubstanciando qualquer tipo de ameaça, que se “Tu pensas que as coisas são como queres, estás muito enganada”; ou que, g) Tenha travado muito próximo da Ofendida o carro e dirigiu-lhe um gesto com a mão de “cortar o pescoço”.

    6. Não atuou o arguido livre e conscientemente, no propósito de provocar na ofendida, a sua companheira, as dores e lesões físicas que efetivamente lhe provocou, e maltratá-la psiquicamente, ofendendo-a na sua dignidade pessoal, humilhando-a e diminuindo-a, bem sabendo que provocava tanto sofrimento físico, como perturbações psicológicas; i) Nem tão pouco o fez, e pelo menos uma vez, perante a filha menor.

  2. A prova produzida não poderia - salvo melhor opinião - ter formado a convicção do Tribunal nos termos expostos.

  3. As testemunhas da Acusação, pelas suas relações familiares e pessoais, não prestaram depoimentos claros, isentos, objetivos e merecedores de credibilidade.

  4. Não há, na motivação do Tribunal, um raciocínio analítico do qual se conclua por que razão foi dada credibilidade àquelas testemunhas, se nada viram.

  5. Nem tão pouco a Ofendida, que tem claro interesse - dado o processo de responsabilidades parentais da filha de ambos, estando pendente ainda autorização de saída para viver no Luxemburgo - na condenação do Arguido; 19. A relação do casal era conflituosa.

    Pelo exposto, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais vem acusado e quanto à sua culpa, pelo que deve ser absolvido do crime em que foi condenado.

    Nestes termos e nos demais de Direito, que Vs. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, como necessária consequência, deve ser revogada a sentença recorrida, DECRETANDO-SE A ABSOLVIÇÃO DO ARGUIDO, tudo com as legais consequências, assim se fazendo Justiça”.

    O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, concluindo do seguinte modo (em transcrição): “1. O arguido foi condenado nestes autos pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo disposto no artigo 152.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução, mediante acompanhamento de regime de prova; 2. Não conformado com a condenação, recorreu o arguido, pugnado pela sua absolvição, invocando erro na apreciação da prova; 3. Nos termos do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, o erro notório na apreciação da prova; 4. Para que haja erro notório na apreciação da prova é necessário que a decisão do julgador, que foi fundamentada na sua livre convicção, seja uma decisão, de entre as possíveis, aquela que é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum; 5. Para que existisse erro notório na apreciação da prova necessário era que fossem dado como provados factos incompatíveis entre si, ou que fossem dados como provados factos contrários à prova produzida; 6. Nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador; 7. Assim, na valoração da prova, o julgador é livre de formar a sua convicção desde que, para tanto, a mesma não seja contra as regras da experiência, da lógica e da razão; 8. Da leitura da sentença, não resulta nenhum erro notório na apreciação da prova; 9. Sendo que, face à fundamentação da douta sentença recorrida, assente na prova produzida e nas regras da experiência comum e da lógica, é evidente que a decisão do Tribunal a quo era a única que podia ser tomada, sendo inatacável, precisamente porque foi proferida em obediência à lei; 10. O que o Recorrente pretende é substituir a sua convicção à convicção do Tribunal; 11. O princípio do in dubio pro reo não deve ser interpretado como um princípio de apreciação e valoração de prova, mas somente como um critério de resolução de dúvida insanável, ou seja, nos casos em que a prova não ultrapassa a dúvida...

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