Acórdão nº 202/15.5GBODM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução24 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal: 1.

No Processo comum singular n.º 202/15.5GBODM, da Comarca de Beja, foi proferida sentença a absolver o arguido DD da prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, do art. 148.º n.º 1 do CP, de uma contra-ordenação do artigo 22.º n.º 2 al. a) e n.º 7 e de uma contra-ordenação do artigo 13.º n.º 1 e n.º 4, ambas do Código da Estrada.

Foi ainda julgado totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte, E.P.E. e, em consequência, condenada a demandada civil S..., S.A. a pagar ao demandante civil a quantia global de 17.670,21 Euros (dezassete mil seiscentos e setenta euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil em vigor, desde a notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento; e parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes e demandantes civis ML e JJ e, em consequência, condenada a demandada civil S…, S.A. a pagar aos demandantes civis uma indemnização no valor de: a. 20.870,00 Euros (vinte mil oitocentos e setenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil em vigor, desde a notificação do pedido de indemnização civil até efectivo e integral pagamento. b. 10.000,00 Euros (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal civil em vigor, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.

Inconformada com o decidido, recorreu a demandada S…, S.A., concluindo: “1ª. – Ficou provado que o menor RL conduzia um velocípede num caminho vicinal, de terra batida, de cabeça em baixo, a efectuar uma descida e ao descrever uma curva para a direita, próximo do meio da faixa de rodagem, deparou-se com o veículo automóvel do arguido pela sua frente e em aproximação, circulando em sentido contrário.

  1. – O velocípede era antigo, com rodas 26, com travões e pneus que não se encontravam nas melhores condições, segundo declarou o próprio menor RL, como consta de fls. 21 e 21 vºs. da sentença.

  2. – O caminho vicinal apresentava alguma pedra solta, constituía uma descida para o menor, nalguns pontos apresentava uma pendente considerável e o local do embate correspondia a uma curva para a direita para o velocípede, encadeada em curvas e contra-curvas em S, o que foi verificado pelo próprio Tribunal, que se deslocou ao local (vide fls. 21 e 21 vºs. da sentença).

  3. – Também ficou provado que o arguido, DD, condutor do veículo automóvel seguro na Recorrente, conduzia o mesmo nesse caminho vicinal, em sentido contrário ao do menor RL e pela metade direita da sua faixa de rodagem e que, na tentativa de evitar o embate com o velocípede, direccionou o veículo automóvel para a via da esquerda, considerando o seu sentido de marcha, tendo esse embate ocorrido em ponto da faixa de rodagem não concretamente apurado.

  4. – Dos factos apurados e ainda de acordo com os dados da experiência comum, imperioso se torna concluir que o menor foi o único culpado na eclosão do acidente.

  5. – Com efeito, este conduzia um velocípede antigo, com travões e pneus em condições deficientes, num caminho vicinal em terra batida, com alguma pedra solta, numa descida com declive acentuado nalguns pontos, com curvas e contra-curvas em S, de cabeça em baixo e próximo do eixo da via.

  6. – Em sentido contrário circulava o arguido, na metade direita da faixa de rodagem e que direccionou o veículo automóvel para a via de sentido oposto, onde circulava o velocípede, numa tentativa de evitar o embate com o velocípede.

  7. – Se o arguido seguia na sua mão de trânsito e, a dado momento, tentou evitar o embate com o velocípede, para o que direccionou o automóvel para a semi-faixa de rodagem contrária, é porque o velocípede circulava na semi-faixa de rodagem do automóvel (se o velocípede circulasse na sua mão de trânsito, o veículo automóvel não tinha necessidade de se desviar para a semi-faixa de rodagem contrária).

  8. – Os factos provados conduzem à conclusão de que o menor RL foi o único culpado na eclosão do acidente.

  9. – Ainda que se conclua que não está provada a culpa do menor nem a culpa do condutor do automóvel seguro e se aplique o disposto no art. 506º do Cód. Civil, a consequência não pode ser a da sentença, no sentido de, apesar de não se provar a culpa de nenhum desses condutores, a obrigação de indemnizar 100% dos danos sofridos caber apenas a um deles.

  10. – No caso dos autos, o risco criado pelo velocípede é igual ou até superior ao risco criado pelo automóvel, embora se admita que possa ser fixado em 60% para o veículo automóvel e 40% para o velocípede.

  11. – A Recorrente responde na proporção do risco criado pelo veículo automóvel seguro, ou seja, terá, eventualmente, a obrigação de indemnizar no máximo 60% dos danos sofridos pelo menor e pelo Centro Hospitalar.

  12. – Não pode merecer acolhimento a interpretação do nº. 1 do artº. 506 do Cód. Civil no sentido de um dos condutores não culpado num acidente entre 2 veículos ter de ressarcir 100% dos danos sofridos pelo outro condutor.

  13. – A Recorrente responde pelos danos emergentes do acidente mas de acordo com a percentagem de responsabilidade do condutor do veículo automóvel seguro e até ao limite da mesma.

  14. – A Lei, que se supõe justa, não pode dispor que é igual a obrigação de indemnização para um condutor cujo comportamento é censurável e eventualmente criminal e para outro condutor a quem nada haverá a apontar (o 1ª. terá de ser sancionado e o 2º. não).

  15. – Quanto à questão da responsabilidade na eclosão do acidente, houve um erro de julgamento.

  16. – Os factos dados como provados conduziam a que fosse atribuída a culpa no acidente ao velocipedista, como já foi referido.

  17. – No caso de não ser considerada a existência de culpa deste, então deve ser fixada a percentagem de risco de cada um dos veículos e fixar a indemnização de acordo e tendo como limites tal percentagem.

  18. – Neste caso houve uma errada interpretação do nº. 1 do artº. 506 do Cód. Civil.

Deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência: a) – Deve ser revogada a sentença e declarada a culpa exclusiva no acidente ao menor RL, com a inerente absolvição da Recorrente.

  1. – Se assim se não entender, o que por mera hipótese se admite, deve ser fixado o risco para a eclosão do acidente, no máximo, em 60% para o veículo automóvel e em 40% para o velocípede e, seguidamente, serem fixadas as indemnizações de acordo com essa percentagem, quer quanto ao menor quer quanto ao Centro Hospitalar.

  2. – Deve ser revogada a sentença também quanto às custas e juros, como consequência da revogação da sentença.” O Ministério Público e os assistentes/demandantes cíveis ML e JJ responderam ao recurso, pronunciando-se ambos no sentido da improcedência, e concluindo os últimos: “a) A ora Apelante delimitou o objeto do seu recurso, mormente quanto, à existência de culpa exclusiva no acidente pelo menor RL, que impunha a inerente absolvição da Recorrente ou caso assim não se entendendo, deveria ser fixado o fixado o risco para a eclosão do acidente, no máximo, em 60% para o veiculo automóvel e 40% para o velocípede e, seguidamente serem fixadas as indemnizações de acordo com essa percentagem, enquanto fundamento para a revogação da Sentença nos termos peticionados.

  3. No que respeita à primeira questão, pretende a Recorrente, sem sindicar ou indicar quais os factos se encontram incorretamente julgados e/ou invocar a sua eventual contradição, se agora beneficiada com uma alteração da decisão a proferir pelos Venerandos Desembargadores a seu favor.

  4. Na verdade, a sindicância da Recorrente ao douto Tribunal “a quo “, limita-se ao princípio da livre apreciação da prova ou, pelo menos, a forma como tal utilização se materializou na Douta Sentença, isto é, na forma como o tribunal ponderou a prova produzida em tribunal e o resultado que alcança.

  5. É entendimento unanime na jurisprudência superior e doutrina que o “princípio da livre apreciação da prova” não significa a possibilidade de apreciação subjetiva, arbitrária, ou baseada em meras impressões ou conjeturas de difícil ou impossível objetivação. Antes, pressupõe uma cuidada valoração objetiva e crítica, bem assim, objetivamente motivável, harmonizada com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos.

  6. Como bem informa o Meritíssimo Juiz “a quo”, na sua douta Sentença, que para a determinação da matéria de facto descrita, teve uma análise critica e conjugada à luz das regras de experiência e critérios na normalidade, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mormente das declarações prestadas pelo próprio arguido e dos depoimentos testemunhais produzidos em audiência de discussão e julgamento, em conformidade com o que resulta da ata. Tendo ainda em consideração, a analise global e pormenorizada, do teor dos documentos juntos aos autos.

  7. Todavia, atento os factos dados como provados constantes dos números 1 a 10 e 16 a 19.º, constantes da douta Sentença e supra ficaram transcritos, é manifestamente impossível fazer um juízo conclusivo pela culpa exclusiva do menor no sinistro em apreço nos autos como pretendido pela Apelante.

  8. Assim e sem mais considerandos reforça-se que a douta Sentença colocada em crise não merece qualquer reparo quanto à sua fundamentação e decisão, no que a esta matéria releva, devendo a Apelação apresentada ser julgada totalmente improcedência mantendo-se afastada qualquer culpa por parte do menor RL no acidente.

  9. Quanto ao segundo segmento das conclusões apresentadas pela apelante (errada interpretação do 506.º do Código Civil), salvo o devido respeito por entendimento contrário, não lhe assistirá igualmente qualquer razão.

  10. Constitui entendimento corrente na Doutrina e na Jurisprudência que a responsabilidade pelo risco exige verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, à exceção da ilicitude e da culpa, ou seja, para que se afirme a responsabilidade pelo risco...

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