Acórdão nº 96/17.6JAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS BERGUETE COELHO
Data da Resolução24 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora 1.

RELATÓRIO Nos presentes autos, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Criminal de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido AA, imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática, como autor material, em concurso efectivo, de: - dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do Código Penal (CP), relativamente à menor LB; - um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 3, alínea a), do CP, relativamente à menor LB; - dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do CP, relativamente à menor CM; e - um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 3, alínea a), do CP, relativamente à menor RA.

O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos e requerendo inspecção ao local e realização de perícia à sua personalidade.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido indeferidas essas requeridas diligências.

Proferido acórdão, decidiu-se: - condenar o arguido pela prática de: - dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do CP (de que foi vítima LB), na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão por cada um deles; - um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 3, alínea a), com referência ao art. 170.º, ambos do CP (de que foi vítima LB), na pena de 1 (um) ano de prisão; - dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do CP (de que foi vítima CM), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão por cada um deles: e - um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 3, alínea a), com referência ao art. 170.º, ambos do CP (de que foi vítima RA), na pena de 1 (um) ano de prisão; - em cúmulo jurídico das penas aplicadas, condená-lo na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado com o acórdão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões: i. Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.

ii. Consideramos incorretamente julgados os pontos 4. a 6., 8. a 10. e 12. De facto, tais pontos devem considerar-se incorretamente julgados, devendo antes tal matéria dar-se como não provada, impondo decisão diferente da recorrida as declarações para memória futura das menores, as declarações do ofendido e das testemunhas ora prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, em especial aqueles depoimentos concretamente referidos e melhor identificados na motivação do presente recurso, aquando da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

iii. A forma como o Tribunal a quo apreciou as provas disponíveis revela uma clara violação do artigo 127.º do Código de Processo Penal. Extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não tem assento razoável, nem lógico, na prova efetivamente produzida, mormente pelas declarações das menores e das suas progenitoras em jeito de testemunha.

iv. Fundamentalmente alicerçaram então esta decisão pelo facto de perigo de o Arguido voltar a praticar novos factos similares, pelo facto de a sua companheira poder voltar a receber crianças e desenvolver a atividade de ama.

  1. No entanto, o facto de o arguido ter fracas condições económicas, numa conjuntura económica em que os idosos aposentados sobrevivem com fracos recursos económicos, não pode, mais do que aquilo que já por si representa de estigmatizador, ser um fator por si só considerado agravante nestas situações. Se tal como o douto Tribunal a quo refere, o arguido é um elemento participativo em várias associações, clubes e organizações, só o conhecimento do presente processo irá até ao fim dos seus dias acarretar um peso para o arguido e uma “desconfiança” implícita à generalidade da comunidade dado o carácter inquisitório tão típico da nossa sociedade e pela “condenação social” a que foi sujeito e que dificilmente se irá descartar. E nem se aceita, tal como prescrito pelo douto acórdão, que o perigo de continuação da prática pelo facto de a esposa poder continuar a receber crianças derive da dificuldade e das necessidades dos pais de recorrer a serviços de cuidados de crianças “ilegais”.

    vi. Por outro lado, importa verificar que o arguido com 79 anos não apresenta qualquer condenação anterior, desconhecendo-se quaisquer transgressões ou problemas legais que imputem a prática de crimes.

    vii. Por outro lado ainda, e derivando do exposto, não podemos esquecer que o arguido e a esposa com toda a certeza absoluta não irão nunca mais receber e auxiliar pais “necessitados”, não havendo assim perigo de eventual continuação da conduta, pelo que as exigências de prevenção geral e especial são diminutas pelo que devia a pena ter sido especialmente atenuada nos termos do artigo 72.º e 73.º ambos do Código Penal; viii. Não recebendo a ama apenas aquelas três crianças, não se conhece qualquer outra queixa ou denúncia de prática de iguais factos pelas demais nos últimos 10 anos, além de as denúncias terem partido da menor que menos tempo esteve ao cuidado da esposa do arguido.

    ix. Ao contrário do que faz crer o douto Acórdão, não se deteta tal espontaneidade e ingenuidade por parte das crianças que nos possa levar a crer que tais afirmações são efetivamente verdades.

  2. Não obstante, o facto de o arguido ter aguardado julgamento em liberdade não provocou no meio social quer onde o mesmo reside, quer onde os factos foram praticados, qualquer alarme social, nem sentimento de medo e/ou inquietação; o arguido não denota qualquer tendência para a prática de atos ilícitos de idêntica natureza pelo facto de ter negado os factos do presente processo.

    xi. Deverá a pena aplicada ao arguido ora recorrente ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 72.º e 73.º do CP e, portanto, ser reduzida a uma pena de prisão nunca superior a 5 anos, e bem assim, uma vez, que se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 50.º do Código Penal, pela mesma ordem de razões já expostas, suspensa na sua execução, sendo a ameaça de prisão suficiente para acautelar, por todo o já exposto, as exigências de prevenção verificadas no caso sub judice, permitindo à sociedade manter um controlo sobre a conduta do arguido ora recorrente, sendo que tal não pode ser visto como um ato de clemência, mas antes como de verdadeira realização da justiça.

    xii. Com efeito, tal permite concluir que a ameaça de prisão e censura do facto realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

    xiii. Assim, sujeitando o arguido à suspensão da pena, sob regime de prova, poderia o Tribunal de facto aferir se a aplicação daquele regime o favorecia e caso se verificasse que não, sempre revogaria a suspensão, ordenando a efetiva prisão, pelo que nenhum prejuízo ocorreria da aplicação dessa medida.

    xiv. Ao invés deste poder-dever, o tribunal entendeu assim que ressocialização e reintegração do Arguido ocorre no encarceramento e não considerou qualquer atenuante, em especial o referido no relatório social junto aos autos.

    xv. Merece o arguido um verdadeiro juízo de prognose favorável.

    Termos em que, Deve o presente recurso ser considerado provido nos termos enunciados nas conclusões, como é de Direito e Justiça!!! O recurso foi admitido.

    O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: Não padece a decisão recorrida de qualquer falta ou vício.

    Concluindo, dir-se-á, pois, que ao recurso do arguido não deve ser dado provimento, mantendo-se inteiramente a decisão recorrida se fará JUSTIIÇA.

    Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, entendendo que o acórdão deve ser alterado e absolvido o arguido por exigência da aplicação do princípio in dubio pro reo.

    Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.

    Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as cominadas com nulidade do acórdão (art. 379.º, n.º 1, do CPP) e os vícios da decisão e as nulidades que não se considerem sanadas (art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário Secção Criminal STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, entre outros, os acórdãos do STJ: de 25.06.1998, em BMJ n.º 478, pág. 242; de 03.02.1999, em BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt ; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321.

      Delimitando-o, reside, pois, em apreciar: A) - da impugnação da matéria de facto; B) - da atenuação especial da medida da pena; C) - da redução da medida da pena; D) - da suspensão da execução da prisão.

      Ao nível da matéria de facto, consta do acórdão recorrido: Factos Provados: Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. O Arguido AA e BB vivem um com o outro como se marido e mulher se tratassem desde data não apurada, há mais de cinquenta anos.

    2. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos a partir do ano de 2007, BB passou a cuidar de crianças em sua casa, sita na Rua…, em Portimão, como se de uma ama se tratasse, auferindo em troca a quantia de € 10,00 por dia, por criança.

    3. A menor LB, nascida em 26 de Março de 2012, frequentou a casa de BB, sita na morada acima indicada, entre meados do mês de Abril de 2017 e o dia 8 de Julho de 2017, todos os sábados e num domingo, em data não apurada.

    4. No...

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