Acórdão nº 1125/19.4T8FNC.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelLEOPOLDO SOARES
Data da Resolução25 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa AAA, residente em (…) requereu que seja declarada a ilicitude e irregularidade do despedimento promovido pela sua entidade BBB, com sede no Sítio (…).

[1] Apresentou o formulário a que se refere o artigo 98º-C do Código de Processo de Trabalho.

[2] Juntou a comunicação da decisão final de despedimento, bem como o Relatório Final.

[3] Realizou-se audiência de partes.

[4] O Autor foi notificado, mas não compareceu.

Regularmente notificada para o efeito a Ré apresentou articulado motivador.

[5] O Autor foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos termos do nº 1 do artigo 98º-L do Código de Processo de Trabalho.

A carta expedida para notificação foi devolvida com a anotação feita pelo carteiro de que “não existe” (sic) o endereço para o qual a carta foi enviada e que existiria “nova morada” (vide fls. 53).

Todavia veio a reputar-se implicitamente [6]o trabalhador como regularmente notificado.

O trabalhador não apresentou contestação.

Em 11 de Maio de 2019, foi lavrada sentença que (na parte para aqui relevante) teve o seguinte teor:[7] “ O Autor foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos termos do nº 1 do artigo 98º-L do Código de Processo de Trabalho e não contestou.

Conforme estipulado pelo nº 2 da mesma norma consideram-se confessados os factos articulados pela Ré.

***II. Pressupostos da instância Estão reunidos os pressupostos formais de validade da instância, relativos à competência do tribunal, às qualidades e posições das partes e à ausência de excepções ou nulidades impeditivas do conhecimento de mérito.

Cumpre proferir a decisão a que se refere o artigo 98º-L, nº 2, in fine, do Código de Processo do Trabalho.

***III. Factos Conforme estipulado pelo nº 2, 1ª parte, da norma sobredita e atentos os documentos juntos com o articulado motivador, consideram-se confessados os factos articulados pela Ré, pelo que provado se mostra que: 1º A empresa BBB admitiu a trabalhador, carpinteiro de cofragem, no dia 02.08.2004. Para além das tarefas de carpinteiro de cofragens, o autor executava outras tarefas: assentava loiça, mosaicos, colocava telha, revestia paredes, assentava blocos, armava ferro, colocava cantaria, colocava forras de porta e montava portas e rodapés, rebocava paredes com reboco de projectar, e outras.

  1. O trabalhador não está abrangido por nenhum instrumento de regulamentação colectiva, sendo-lhe aplicável o Código do Trabalho.

  2. Em 2018.12.20, foi lavrado auto de ocorrência referente a comportamentos do trabalhador susceptíveis de violarem deveres contratuais, e que para além de afectarem a confiança e o respeito que existia na relação de trabalho, constituem infracção disciplinar – Fundamento: Faltas injustificadas.

  3. Em 2018.12.27, a empresa BBB, titular do direito decidiu instaurar procedimento disciplinar nomeando instrutor (…), advogado.

  4. Com a nota de ocorrência foi junta cópia do contrato de trabalho.

  5. Em 2018.12.27, o instrutor nomeado procedeu à abertura de inquérito para averiguação e apuramento da eventual responsabilidade do referido trabalhador e das circunstâncias de modo, tempo e lugar das infracções cometidas pelo trabalhador.

  6. Neste âmbito foram inquiridas, em 2018.12.27, as seguintes testemunhas, indicadas no auto de ocorrência (…), escriturária, e (…), gerente, cujas respectivas declarações constam de auto.

  7. Em 2019.01.10, foi elaborado relatório preliminar onde se concluiu que havia fortes indícios de o trabalhador ter praticado os comportamentos de que vinha indiciado: o trabalhador faltou mais de 10 dias interpolados durante o ano civil de 2018, bastando para o efeito relevar as faltas entre os dias 10 de Julho e 12 de Dezembro de 2018.

  8. Em 2019.01.10, procedeu-se à abertura de procedimento disciplinar.

  9. Em 2019.01.10 foi elaborada nota de culpa na qual o trabalhador foi acusado de ter faltado mais de 10 dias interpolados durante o ano civil de 2018, maxime entre os dias 10 de Julho e 12 de Dezembro de 2018, concretamente faltou sem justificação nos dias 10 e 24 de Julho, 8 de Agosto, 13 de Setembro, 10, 17 e 25 de Outubro, 13 de Novembro e 5 e 12 de Dezembro.

  10. No dia 2019.01.28, o trabalhador foi notificado da nota de culpa e da intenção da empresa BBB, proceder ao seu despedimento.

  11. Em 2019.02.05, o trabalhador respondeu à nota de culpa, alegando não ter faltado nos dias indicados, ou não se recordar de ter faltado; por não ter recebido os vencimentos de Novembro e Dezembro de 2018 desconhecia se faltou datas indicadas referentes a esses meses; competia ao empregador pedir a justificação das faltas, concluindo pela inexistência de justificação para a aplicação de qualquer sanção. Alegou ainda a caducidade do poder disciplinar por alegadamente o empregador ao elaborar o recibo de Janeiro já saber da existência de faltas há mais de 60 dias. Não juntou documentos. Não requereu diligências de prova. Não requereu a consulta do processo disciplinar.

  12. Em 2019.02.11, o instrutor voltou a verificar os recibos de vencimento e contribuições para a segurança social dos meses do ano 2018 e o respectivo mapa de registo diário de faltas.

  13. O trabalhador não informou a ré de que iria faltar nesses dias, o que teria permitido à ré uma reorganização do serviço de modo a atenuar os efeitos destas ausências do trabalhador.

  14. O trabalhador não justificou essas faltas posteriormente.

  15. As faltas foram injustificadas e reconhecidas como tal pelo trabalhador aquando da assinatura dos recibos de vencimento.

  16. O comportamento do autor revelou um total desinteresse perante as consequências que as faltas poderiam causar à execução dos trabalhos da ré.

  17. O autor, através do gerente da ré, (…), e através do pessoal administrativo do escritório, nomeadamente a trabalhadora (…) foi avisado e alertado de que essas faltas injustificadas poderiam fazê-lo incorrer em despedimento.

  18. As faltas do autor tiveram de ser supridas distribuindo a Ré o trabalho pelos restantes trabalhadores a exercerem funções nas respectivas obras, tendo chegado a deslocar trabalhadores de outras obras, como foi o caso do (…) e (…), os quais tiveram de trabalhar horas extras vários dias para compensar o trabalho em atraso decorrente das faltas do autor.

  19. O próprio gerente da ré, (…), teve de substituir o autor, nalguns casos, de forma a evitar reparos e críticas dos donos das obras.

  20. Os trabalhos da ré eram suspensos, interrompidos, ou atrasados como consequência das faltas do autor.

  21. A ré sofreu atrasos e perturbações na gestão e execução da obra na casa do Sr. (…), ao sítio da Vargem, concelho de São Vicente.

  22. A ré teve de atrasar em 10 dias a entrega da obra na casa do Sr. Eduardo, localizada no sítio do L..., freguesia e concelho de São Vicente.

  23. A ré teve de atrasar a entrega da obra da Câmara da Municipal sita no Sítio da Vargem, concelho de São Vicente.

  24. No total do ano civil 2018 o autor havia dado 23 (vinte e três) faltas interpoladas, todas injustificadas, tornando a organização e planeamento da execução da carteira de obras da ré, caótica, imprevisível, com contratempos geradores de sobrecustos, ansiedade, tensão acrescida para o cumprimento de prazos de entrega.

  25. As faltas dadas pelo autor perturbaram a boa relação entre os trabalhadores, pois os não faltosos tiveram de suprir o trabalho em falta ou aumentar o ritmo de produção para recuperar tempo perdido. Assim, além de significarem redução do tempo de trabalho, tiveram implicações ao nível da organização do trabalho na Ré constituindo um mau exemplo para colegas e quebra da disciplina da empresa.

  26. As faltas do autor que geravam alterações ao plano de trabalho, ajustamentos e interrupções, que geravam ineficiências de custo e incompreensões juntos dos clientes, e até junto de outras empresas sub-empreiteiras que trabalharam nessas obras.

  27. As faltas dadas pelo Autor provocaram na Ré perturbações tais que impossibilitam a manutenção da relação laboral.

  28. O autor é um trabalhador com anos de experiência para perceber antecipadamente as consequências das suas faltas ao trabalho na organização do plano da ré, pelo que o deveria ter avisado que iria faltar para minorar os prejuízos que sabia iria causar à ré, optando por não o fazer, de forma irresponsável e com culpa grave.

***IV. Subsunção dos factos ao direito Da factualidade provada resulta evidente inexistirem quaisquer dúvidas que o Autor faltou ao trabalho durante 10 dias interpolados durante o ano civil de 2018 e que não apresentou qualquer documento justificativo dessa sua ausência. Destarte não há outra forma de qualificar a conduta do Autor senão a que a faz subsumir, directa e automaticamente, num dos comportamentos expressamente qualificados como justa causa de despedimento no n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho, no caso o da alínea g), que considera como justa causa de despedimento as "faltas não justificadas ao trabalho cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco".

Assim, no caso em apreço, em que é a própria lei que prescinde ou dispensa a alegação e demonstração de "prejuízos ou riscos" – e, leia-se bem, quaisquer "prejuízos ou riscos", e não apenas os "prejuízos ou riscos graves" –, impõe-se ter por verificada, sem mais, a justa causa do despedimento.

Acompanha-se, mutatis mutandis, o aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2017, que versa um caso similar ao dos presentes autos – sendo o número de faltas diferente – no qual se afirma “ Conforme resulta do artigo 128.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, dever que está relacionado com a situação de disponibilidade em que se coloca perante o empregador ao celebrar o contrato de trabalho, sendo no cumprimento deste dever que tem que comparecer para trabalhar de acordo com o horário que vigorar.

E se o não fizer incorre numa situação de faltas...

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