Acórdão nº 8309/16.5T8LRS-B.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS OLIVEIRA
Data da Resolução24 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: A., depois de deduzir pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos e nomeação e pagamento da compensação de patrono, veio deduzir embargos de executado, por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que o Banco B., S.A. lhe movia.

Por despacho de 3 de fevereiro de 2019 foi o embargante notificado para se pronunciar sobre a eventual extemporaneidade dos embargos, atenta à possibilidade do Tribunal vir a decidir nesse sentido.

Nessa sequência, o embargante veio informar que requereu proteção jurídica, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, bem como nomeação de patrono oficioso e pagamento da respetiva compensação, junto dos serviços competentes da Segurança Social, I.P. e, portanto, todos os prazos foram suspensos, nomeadamente o relativo à dedução de embargos de executado. Pelo que, tendo a patrona oficiosa sido nomeada ao Embargante no dia 21/12/2017 e considerando o período de férias judiciais decorrido entre 22/12/2017 e 03/01/2018, o prazo de 20 dias para deduzir embargos de executado ter-se-ia iniciado a 04/01/2018 e decorreu até ao dia 23/01/2018, data em que os presentes embargos entraram em juízo. Em conformidade, concluiu que os embargos foram tempestivos, requerendo o prosseguimento da ação.

Na sequência é proferido o despacho de 26 de fevereiro de 2019, nos termos do qual, sustentando que a interrupção do prazo em curso pressupunha a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do pedido de apoio judiciário, tal como estabelece o Art. 24.º n.º 4 da Lei n.º 34/2004 de 29 de junho, julgou não receber os embargos, por intempestivos, porquanto o embargante não havia junto prova da apresentação do pedido de apoio judiciário tempestivamente.

É deste despacho que o embargante vem agora recorrer, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões: I)– Antes de mais, o presente recurso vem interposto da douta sentença de 1.ª instância, proferida pelo Meritíssimo Juiz a quo, do Juízo de Execução de Loures – Juiz 2, pertencente ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, que decidiu indeferir liminarmente a oposição mediante embargos de executado deduzida pelo Executado, aqui Apelante, por intempestivos.

II)– Nesse sentido, entendeu o douto Tribunal recorrido que, uma vez que não ocorreu a interrupção do prazo para dedução de oposição à execução, por via da junção aos autos pelo Apelante do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, os embargos deduzidos pelo Executado, ora Apelante, não deveriam ser recebidos, pela sua extemporaneidade.

III)– Nessa medida, entendeu o douto Tribunal a quo que, segundo o disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Junho, de conformidade com a última redação que lhe foi atribuída, a interrupção do prazo previsto no artigo 728.º, n.º 1, do C.P.C., teria que ser efetuada com a junção aos autos pelo Executado do documento comprovativo do pedido de apoio judiciário, por força do preceituado no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

IV)– Todavia, no modesto entender do Apelante tal interpretação pugnada pelo Tribunal recorrido é materialmente inconstitucional, por violação dos direitos de defesa e tutela jurisdicional efetiva, bem como do direito a um processo equitativo, consagrados no artigo 20.º, da C.R.P..

V)– Na verdade, nunca nos podemos deixar de ter presente na interpretação da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que o instituto do apoio judiciário foi consagrado constitucionalmente para assegurar que a insuficiência económica não seja impeditiva para que os cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos nos tribunais acedam à Justiça.

VI)– De facto, o Tribunal a quo limita-se a efetuar uma interpretação literal e acrítica do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Junho, descurando a interpretação teleológica e sistemática do preceito legal acima aludido, parecendo descurar que a ratio do instituto do apoio judiciário é precisamente obstar a que a insuficiência económica possa acarretar para os seus beneficiários efetivos uma causa de denegação de justiça.

VII)– Efetivamente, o ora Apelante tinha que apresentar a sua oposição à execução mediante a dedução de embargos de executado e, no decurso do respetivo prazo, requereu a concessão de apoio judiciário junto dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P., pelo que, assim sendo, numa interpretação e redação conformes com a Constituição, sempre se dirá que o prazo de 20 (vinte) dias a que alude o artigo 728.º, n.º 1, do C.P.C., ficou paralisado, suspenso, com o requerimento de proteção jurídica apresentado pelo Apelante junto dos serviços competentes da Segurança Social.

VIII)– Efetivamente, a interrupção de tal prazo cessou com a notificação à patrona oficiosa da sua nomeação, por força do disposto no artigo 24.º, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a qual, em conformidade com o ofício de nomeação junto aos autos aquando da dedução dos embargos de executado, ocorreu a 21/12/2017, tendo, assim, o prazo para dedução de embargos iniciou a sua contagem a 04/01/2018 e terminou o seu decurso a 23/01/2018.

IX)– Nestes termos, só com a nomeação da patrona oficiosa é que o Apelante pôde exercer minimamente os seus direitos de defesa e de acesso ao direito, tendo sido após a designação daquela que o Executado, enquanto beneficiário de apoio judiciário, teve conhecimento claro e cabal dos factos que podia e devia contestar, em que medida o poderia fazer e como enquadrá-los juridicamente, exercendo em termos minimalistas o seu direito a um processo equitativo e ao patrocínio judiciário.

X)– De igual modo, com o devido respeito, um argumento, a perfilhar, de que a douta sentença recorrida mais não fez do que aplicar a Lei é uma falácia, posto que uma interpretação literal do artigo 24.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, diploma que pretende fazer valer os direitos constitucionalmente consagrados de acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, tutelados pela Lei Fundamental enquanto direitos fundamentais, não pode ter como consequência a impossibilidade de os cidadãos recorrerem a Tribunal, a impossibilidade do acesso ao Direito, que é, afinal de tudo, o que os diplomas legais a que atrás se fez alusão pretendem acima de tudo garantir.

XI)– De facto, o Apelante desconhece se o modelo de impresso em que formulou o seu pedido de apoio judiciário constava ou não alguma declaração a subscrever pelo mesmo no sentido de que tomou conhecimento de que deveria apresentar junto do Tribunal recorrido o comprovativo desse pedido de apoio judiciário, para efeitos de interrupção do respetivo prazo de dedução de embargos de executado, a que alude o artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

XII)– Tanto mais que o Apelante, até ao momento em que lhe foi nomeada a patrona oficiosa, de nada sabia e, se nada sabia, como poderia exercer o seu direito constitucionalmente consagrado? Além de que tipo de oposição à execução poderia o Apelante oferecer sem que ainda houvesse qualquer decisão final de concessão ou não de apoio judiciário e de nomeação ou não de patrono oficioso? E sem que o mesmo tivesse qualquer consciência ou conhecimento que há que cumprir o disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho? XIII)– Nesta medida, a execução do artigo 20.º, da C.R.P. não pode ser impedida por acasos burocráticos e por falta de junção a processos judiciais dos comprovativos de pedidos de apoio judiciário, quando foi requerida a concessão de patrono oficioso, uma vez que a Constituição pretende, com o n.º 2 do normativo supra referido, é que efetivamente a pessoa tenha um patrono judiciário.

XIV)– O que, por sua vez, tem como pressuposto óbvio que as pessoas interessadas tenham real conhecimento do que devem fazer antes de lhe ser comunicada a decisão final dos serviços do Instituto da Segurança Social, I.P., para evitar que sofram as cominações legais entretanto ocorridas.

XV)– Ademais, a diversa conclusão da douta sentença recorrida chegamos se efetuarmos uma interpretação de harmonia com o previsto no artigo 9.º, do Código Civil, de acordo com a qual a interpretação de um preceito legal não deve cingir-se à letra da lei, mas, outrossim, reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico.

XVI)– Por outra banda, note-se ainda que a interpretação preconizada pela sentença de 1.ª instância coloca seriamente em risco o respeito devido pelo processo equitativo, na dimensão de igualdade substantiva entre as partes e de proibição da indefesa, consagrados constitucionalmente, nos n.ºs 4 e 1, respetivamente, do artigo 20.º, da C.R.P., posto que o interessado economicamente carenciado não pode defender os seus direitos e interesses legalmente protegidos.

XVII)– Face ao supra exposto, afigura-se-nos, no nosso modesto entender, que é precisamente esse mesmo desrespeito pela garantia constitucional do processo equitativo e de violação do direito fundamental de acesso ao direito e os tribunais, na sua vertente de proibição de indefesa, que existe na interpretação estritamente literal do artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, no sentido propugnado pela decisão judicial prolatada pelo Tribunal a quo.

XVIII)– Por outro lado, saliente-se ainda que durante a vigência do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro e do Decreto-Lei n.º 46/96, de 03 de Setembro, a concessão de apoio judiciário, incluindo na modalidade de nomeação de patrono, assentou essencialmente num modelo jurisdicional, constituindo um incidente do processo, a tramitar por apenso, para cuja decisão era competente o juiz da causa, a quem cabia, em caso de deferimento do apoio judiciário requerido, nomear o patrono a partir de uma...

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