Acórdão nº 103/18.5T9BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelC
Data da Resolução16 de Setembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. Relatório 1.

    No processo comum singular com o nº 103/18.5T9BCL.G1 que corre termos Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Barcelos foi proferido despacho, ao abrigo do art. 311º,nº2,al.a), e nº3, al.d) do C.P.P., a rejeitar a acusação pública na parte em que imputa ao arguido um crime de crime de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.

    1. Não se conformando com o decidido, veio o Ministério Público recorrer, extraindo as conclusões que a seguir se transcrevem: «1.

      No âmbito dos presentes autos, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido J. R., imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal [fls. 110-113 – referência 159094140].

    2. Decidiu o Tribunal a quo rejeitar a acusação por entender que os factos nela relatados são insuficientes para se subsumirem ao crime de coacção agravada, já que a expressão dirigida pelo arguido é vaga e imprecisa, não só quanto ao seu teor, como também quanto aos seus destinatários[cfr. fls. 135-139 - referência 160231151].

    3. O fundamento invocado para a rejeição da acusação, pressupõe que, no estrito quadro dos termos em que a mesma foi deduzida, se verifique, pela leitura dos factos nela narrados, que eles não conformam a prática de crime.

    4. Ora, salvo o devido respeito, os factos descritos na acusação configuram a prática de ilícito criminal, descrevendo de forma suficiente todos os elementos do crime imputado ao arguido.

    5. Por tal, não se compreendem as dúvidas suscitadas, a este propósito, pelo Tribunal a quo, já que na acusação se fez verter, de forma clara e inequívoca, quem foi o único destinatário da expressão proferida pelo arguido.

    6. Mesmo que se entendesse que, em tese, a expressão proferida pelo arguido tinha vários destinatários, ou seja, todos aqueles que estavam presentes na reunião, sempre o Tribunal a quo teria de admitir e aceitar que o assistente também foi um dos visados, conforme se descreveu na acusação, já que ele estava presente no local e tal expressão foi-lhe dirigida directamente pelo arguido, no momento em que ambos estavam a ter uma discussão.

    7. Acresce que tal circunstância – de aquela expressão ter outros destinatários, para além do assistente, que não terão sido ouvidos no inquérito -, não será, fundamento de rejeição da acusação, devendo antes ser objecto de aferição no julgamento propriamente dito, constituindo os factos que a esse propósito se venham a apurar, caso se conclua que tal expressão visou, de facto, outras pessoas, objecto de uma certidão autónoma a extrair pelo Tribunal para instauração de novo inquérito para esse efeito.

    8. Ademais, tal circunstância – de aquela expressão ter outros destinatários, para além do assistente, que não foram ouvidos no inquérito -, nunca poderia constituir, como se refere no despacho ora em crise, uma nulidade insanável resultante da falta de promoção da acção penal, prevista no artigo 119.º, alínea b), do C.P.P. [nem tampouco a nulidade sanável prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do C.P.P., a qual depende de arguição dentro dos prazos previstos no n.º 3 do mesmo artigo, e só abrange os actos legalmente obrigatórios, como é o caso da constituição de arguido – artigo 272.º, n.º 1, do C.P.P. –, que, no caso, foi realizada], a qual diz respeito à abertura de inquérito, que é da exclusiva competência do Ministério Público; mas também respeita à promoção do julgamento em processo sumário, ao requerimento para aplicação da pena em processo sumaríssimo, à acusação nos crimes públicos e semipúblicos, e ainda, à promoção da execução, nos termos do disposto no artigo 53.º, n.º 2, als. c) e e), do C.P.P..

    9. A expressão dirigida pelo arguido ao assistente não é de, modo algum, vaga ou ambígua, nem tampouco inidónea a produzir o resultado de constrição da liberdade de acção do assistente, pois, atento o específico contexto e a forma como ocorreram os factos, não há nenhuma diferença entre o arguido dizer ao assistente, como sucedeu, “se alguém entrar aqui, mato um”, ou ter-lhe dito “se entrares aqui, mato-te”, sendo evidente que o sentido é o mesmo e que foi precisamente isto que o arguido quis dizer ao assistente, sentido esse que, de resto, este último também entendeu e atribuiu a tal expressão, tanto assim que, desde então, não voltou a dirigir-se ao referido poço de água, por recear a concretização daquele anúncio de mal.

    10. Na acusação encontram-se vertidos todos os factos que constituem os elementos essenciais do crime de coacção agravada, pelo que não podia o Tribunal a quo, no momento do saneamento dos autos, adoptar a atitude especulativa que assumiu, relativamente ao teor da acusação e aos indícios recolhidos, pois, ao fazê-lo, sindicou a prova e adoptou uma atitude investigatória que, nesta sede, manifestamente não lhe compete.

    11. Ao decidir como decidiu no despacho de fls. 135-139 [referência 159174482], o Tribunal a quo violou o que vai previsto no artigo nos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Cód. Penal, e o artigo 311º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d), do C.P.P..

      Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso devendo ser revogado o despacho recorrido constante de fls. 135-139 [referência 160231151], substituindo-se por outro que determine o recebimento da acusação deduzida pelo Ministério Público no despacho de fls. 111-113 [referência 159094140] e designe data para realização de audiência de discussão e julgamento, assim se fazendo JUSTIÇA.» 3.

      Não houve resposta ao recurso.

    12. Neste tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

    13. Foi cumprido o disposto no art. 417º,nº2, do C.P.P..

    14. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser ai julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º,nº3,al.c), do diploma citado.

  2. Fundamentação A) Delimitação do Objeto do Recurso Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência) que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

    O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).

    O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

    No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, no caso o Ministério Público, a questão a decidir consiste em saber se a acusação pública, na parte em que foi rejeitada pelo despacho recorrido, é manifestamente infundada, por os factos nessa parte descritos não constituírem o crime de coacção agravada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal.

    1. Da Decisão Recorrida Para a resolução da questão supra enunciada, importa ter presente o teor da decisão recorrida (transcrição): “Quanto à acusação pública de fls. 111 e ss., cumpre referir...

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