Acórdão nº 2682/16.2T8FAR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCANELAS BR
Data da Resolução11 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

RECURSO Nº. 2682/16.2T8FAR.E2 – APELAÇÃO (FARO) Acordam os juízes nesta Relação: A Ré/apelante “(…) – Companhia de Seguros, S.A.”, com sede no Largo (…), n.º (…), Lisboa, vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida a 23 de Fevereiro de 2019 (ora a fls. 495 a 515 dos autos) e que a veio a condenar nos pedidos formulados pelos Autores/apelados (…) e (…), menores, representados pela sua mãe, (…), todos residentes na Rua (…), Lote 10, Horta (…), em (…), Olhão, nesta acção declarativa de condenação, com processo comum, que lhe haviam instaurado no Tribunal Judicial da comarca de Faro – e onde acabou condenada “a pagar à ‘Caixa Geral de Depósitos, S.A.’ o valor do capital seguro em dívida dos três contratos de seguro de grupo ramo vida, denominados ‘Seguro Vida Grupo – Temporário Anual – Renovável’, com as Apólices n.º (…), de 06 de Maio de 2004, n.º (…) e n.º (…), ambos de 19 de Julho de 2010, referidos em 5) dos factos provados, celebrados por (…) e (…) na data do trânsito em julgado da sentença dos autos até ao limite de € 316.990,74; b) pagar aos Autores (…) e (…) o montante das prestações que estes pagaram àquele Banco em relação aos contratos de mútuo relativos às Apólices referidas supra em a), sendo desde já a quantia de € 7.578,92 relativa às prestações já pagas e o restante a liquidar posteriormente, relativamente às prestações entretanto pagas e até pagamento do capital em causa pela Ré, acrescidas de juros de mora sobre os valores de cada prestação paga pelos Autores e desde a data desses pagamentos, às taxas em vigor para os juros” (com o fundamento que vem aduzido nessa sentença de que, na sendo do entretanto decidido pelo STJ, se verifica que a cannabis que a vítima apresentava o era “em quantidades consideradas normais/terapêuticas, o que apenas significa que não são tóxicas ou letais, não se tendo apurado que esse consumo determinou o suicídio do mesmo”, e se apurou que “a quantidade detectada no exame toxicológico efectuado é considerada pelos especialistas médicos reduzida, que nunca poderia gerar obnubilação do discernimento ou qualquer propensão para o acto fatal praticado, na medida em que não se apurou que (…) fosse consumidor crónico de canabinóides e, em termos científicos, apenas parece existir alguma evidência de que o consumo crónico de canabinóides, em particular o consumo pesado, poderá ser um factor de risco para o aumento da suicidalidade, ainda que não seja uma conclusão definitiva ou consensual e que essa quantidade de cannabis detectada era tão reduzida que nunca poderia ter determinado, por si, a acção verificada que lhe causou a morte, em obediência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, necessariamente se tem que concluir que a invocação da cláusula de exclusão pela Ré seguradora configura uma situação de abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, por exceder, de um modo manifesto, os limites impostos designadamente pelo fim social do contrato e não tem legitimidade substantiva para invocar a exclusão de cobertura do seguro e configura uma defesa ilegítima que o direito não pode sufragar” – ora intentando a sua revogação, apresentando alegações e formulando, a rematar, as seguintes Conclusões: I – A matéria de facto dada como provada no ponto 12) dos factos provados deve ser dada como não provada por se verificar “erro notório na apreciação da prova” e a prova produzida em julgamento impor que tal matéria seja dada como não provada.

II – Verifica-se contradição absoluta entre a fundamentação indicada pelo julgador (prova documental e testemunhal e a factualidade fixada pelo julgador – facto 12), o que demonstra que o julgador, no seu convencimento, seguiu um percurso ilógico e arbitrário que constituiu erro notório da apreciação da prova que, por si só, determina que a matéria de facto dada como provada no ponto 12) seja dada como não provada.

III – Por outro lado, a prova efectivamente produzida, quer documental, designadamente o relatório da autópsia, o relatório toxicológico e o parecer do IML, bem como os depoimentos gravados das testemunhas, designadamente as passagens transcritas dos seus depoimentos, impõem que a matéria de facto constante no ponto 12) dos factos provados seja dada como não provada.

IV – O relatório da autópsia e o relatório toxicológico são objectivos, decorrendo deles a causa da morte e que o (…), no momento da morte, acusava no sangue periférico Tetra-Hidrocanabinol (THC) de 3,5mg/ml, THC-COOH de 10ng/ml e 11-OH-TCH de 09ng/ml (facto provado 8) significando THC, por ser metabolito activo, um consumo recente (horas) e THC-COOH, por ser um metabolito inactivo, um consumo de semanas ou meses.

V – O parecer médico do IML sobre a relação entre o uso de cannabis e o fenómeno de suicídio em abstrato conclui existir evidência de que o consumo crónico de canabinóides pode ser um factor de risco para o aumento de suicidalidade, não existir evidência sólida que o consumo agudo (leia-se intoxicação) esteja associado ao aumento de suicidalidade e que existe evidência que não permite atribuir causalidade entre o consumo e o suicídio consumado, não concluindo pela evidência de que o consumo de cannabis não tem qualquer relação ou influência no suicídio.

VI – Toda a prova testemunhal produzida, designadamente a constante nas passagens transcritas, impõe a alteração da matéria de facto constante no ponto 12) dos factos provados para não provados, por referir que o consumo de cannabis (todo o consumo) tem efeitos no comportamento do consumidor, que apesar de poderem ser diferentes de pessoa para pessoa, se caracterizam em geral por euforia, taquicardia, ansiedade, perturbações de memória (testemunha Dra. …), alterações cognitivas e psíquicas, de percepção sensorial, sedação (testemunha Dra. …) e interferências na capacidade psicoactiva (testemunha Dr. …).

VII – É, aliás, público e notório que todo o consumo de cannabis tem efeitos no comportamento do consumidor, razão pela qual o seu consumo é proibido em geral e em especial é proibida a condução sob o seu efeito, independentemente da quantidade consumida.

VIII – Nenhuma testemunha ouvida nem nenhum relatório médico refere alguma vez que “a quantidade detectada no exame toxicológico...é tão insignificante, que nunca poderia gerar obnubilação do discernimento ou qualquer mínima propensão para o acto fatal praticado”, razão pela qual tal matéria constante no ponto 12) dos factos provados deve ser dada como não provada.

IX – Nenhuma prova produzida, testemunhal ou documental, refere que o consumo de cannabis seja absolutamente inócuo, que não tenha qualquer interferência no comportamento humano, designadamente no fenómeno do suicídio, pelo que não existe base probatória para dar como provada a matéria do ponto 12) dos factos provados, designadamente no segmento de que “a quantidade detectada...é insignificante, que nunca poderia gerar obnubilação do discernimento ou qualquer mínima propensão para o acto fatal praticado”.

X – Não se verifica a hipótese equacionada pelo douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nestes autos de que “se tais substâncias comprovadamente não tiveram qualquer influência no sinistro” tal pudesse configurar abuso de direito.

XI – No estado actual da ciência é pacífico que o consumo de cannabis interfere com o comportamento humano pelo que o seu consumo pode constituir um risco acrescido quanto aos actos ou omissões praticados por pessoas sob o seu efeito, o que legitima as seguradoras a excluir tal risco da cobertura dos seus seguros não obrigatórios, como foi o caso.

XII – O facto constante no ponto 13) dos factos provados insere-se na alegação dos Autores de que entre o consumo de cannabis e a prática do suicídio não existe um nexo de causalidade (adequada), nexo esse que, na sua tese, seria necessário existir para que se verifique a exclusão da cobertura do sinistro com base no artigo 2.

º, n.º 5.1, das cláusulas gerais da Apólice.

XIII – A necessidade de existência de nexo de causalidade entre o consumo de estupefacientes e o suicídio encontra-se já afastada pela decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que faz caso julgado formal.

XIV – Tal facto deve ser enquadrado quanto ao nexo de causalidade entre o consumo da cannabis e o suicídio, pelo que deve ser clarificado com a seguinte redacção: “A quantidade de cannabis detectada no sangue do … (facto 8), provado) não é adequado, por si só, a produzir a acção verificada que lhe causou a morte (suicídio)”.

XV – O consumo de cannabis, para além dos efeitos que produz, sempre, no consumidor referidos na conclusão VI, é frequentemente utilizado pelos suicidas, a par de outras drogas ou medicamentos de abuso, para facilitar o acto suicida, pelo efeito de relaxamento que produzem, conforme demonstra a experiência médica referida pelas testemunhas, médicos legistas, ouvidos nos autos.

XVI – O relaxamento provocado pelo consumo de cannabis, como facilitador que é do acto suicida, tem, sempre, efeitos no acto suicida.

XVII – Não se verifica provado (comprovadamente, no dizer do STJ) que a cannabis que o (…) acusava no sangue não teve qualquer influência no sinistro.

XVIII – A Ré seguradora tem o direito de invocar a exclusão da cobertura do seguro por se verificar a condição da exclusão prevista no artigo 2.

º, n.

º 5.1, das Condições Gerais da Apólice, não excedendo o exercício de tal direito quaisquer limites impostos designadamente pelo seu “fim social”, razão pela qual não se mostra abusivo (artigo 334.

º do Código Civil).

XIX – Foram violadas as disposições conjugadas dos artigos 334.

º, 342.

º e 346.

º do Código Civil e do artigo 2.

º, n.

º 5.1, das Cláusulas Gerais da Apólice.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, deve o presente recurso merecer inteiro provimento e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por uma outra que absolva a Ré, ora recorrente, do pedido, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.

Os Autores/apelados (…) e (…) vêm apresentar...

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