Acórdão nº 260/18.0GEBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No âmbito do processo comum singular n.º 260/18.0GEBRG do Juízo Local Criminal de Braga, do Tribunal Judicial da mesma Comarca, por despacho proferido em 7-3-2019, foi julgada intempestiva a remessa dos autos à distribuição para julgamento e determinado a devolução dos autos ao Ministério Público para o que tivesse por conveniente, por não ter sido apreciado o pedido de constituição de assistente formulado pela ofendida C. A.; por não ter sido tomado posição pelo Ministério Público quanto à acusação particular por aquela deduzida e por omissão de notificação ao arguido C. C.

da referida acusação particular.

Inconformado com a referida decisão, o Ministério Público interpôs recurso, invocando uma errada interpretação do disposto nos arts. 123º, n.º 1, 284º, 212º e 311º, todos do CPP e 28º, da Lei nº 33/2010, de 2/9 e arts. 32º, n.º 5 e 219º, ambos da CRP, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «I Salvo o devido respeito, o despacho de fls 628 carece de fundamento legal, não existindo, desde logo, qualquer irregularidade na falta de notificação da acusação particular deduzida pela ofendida (assistente), contra o arguido.

II Com efeito, não existe norma legal que imponha a notificação da acusação particular ao arguido, quando deduzida, nos termos do disposto no artº 284º, do CPP.

III A acusação pública é que define o objecto do processo, pois o assistente não pode acusar por factos diversos que alterem substancialmente a acusação pública, nem por crimes diversos ou mais graves, sob pena de ser nula, nessa parte.

IV Por isso, o arguido não vê os seus direitos de defesa afectados, por falta de notificação da acusação particular em causa.

V Na verdade, a nosso ver, o arguido não tem a faculdade (por inutilidade) de requerer abertura da instrução relativamente à acusação particular, tanto mais que não o fez quanto à acusação pública – aquela que delimita o objecto do processo.

VI Por outro lado, não é necessário que os autos regressem ao Ministério Público para alteração do estatuto coactivo do arguido, pois tal decisão pode e deve ser proferida pelo juiz de julgamento, nos termos do artº 212º, do CPP.

VII Sendo certo, que o artº 28º, da Lei nº 33/2010, de 2/9, não impõe que a alteração da medida coactiva seja decidida apenas em fase de inquérito e, se o processo já foi remetido para julgamento, tal competência cabe ao Juiz de Julgamento, como é o caso.

VIII Acresce, além do mais que, mesmo que em tese se admitisse que existia irregularidade na ausência de notificação da acusação particular em causa, o que não se concede, sempre se estaria perante o vício previsto no artº 123º, nº 1 e não no previsto no nº 2.

IX Pelo que, não podia o tribunal dele conhecer oficiosamente, apenas podendo ser o vício arguido pelos interessados no prazo aí previsto.

X Mas mesmo que, em última instância, se admitisse que o tribunal de julgamento pudesse conhecer oficiosamente de tal irregularidade, ainda assim, o tribunal não pode devolver os autos ao Ministério Público para efeitos de ser corrigida uma eventual irregularidade de (falta de) notificação da acusação, sob pena de violação do artº 311º, do CPP e dos princípios do acusatório e da autonomia e independência do Ministério Público, previstos nos arts 32º, nº 5 e 219º, respectivamente, da CRP.

XI Neste último caso, a eventual irregularidade sempre deveria ser corrigida pela secretaria do tribunal e não através da devolução dos autos ao Ministério Público para esse efeito.

XII Quanto à decisão da alteração do estatuto coactivo do arguido, nenhuma norma legal exige que seja proferida na fase de inquérito.

XIII Se o processo se encontra em fase de julgamento – como é o caso – compete ao Juiz de Julgamento – proferir tal decisão.

XIV Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto nos arts 123º, nº 1, 284,º, 212º e 311º, todos do CPP e 28º, da Lei nº 33/2010, de 2/9.

XV Além do mais, o despacho que determina a devolução dos autos ao Ministério Público, viola o disposto nos arts 32º, nº 5 e 219º, ambos da CRP.

XVI Assim, deverá o tribunal a quo proferir despacho a receber a acusação pública e designar data para audiência de julgamento, nos termos do artº 312º, do CPP e, realizadas as diligências legalmente exigidas, pronunciar-se quanto à constituição de assistente e admissão da acusação particular.

Termos em que, nestes e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência se ordene que o tribunal a quo substitua o despacho recorrido por outro que receba a acusação pública e designe data para a audiência de julgamento.» O recurso foi regularmente admitido por despacho proferido a fls. 641.

Não foi apresentada qualquer resposta ao recurso.

A Senhora Juiz sustentou o despacho recorrido.

E, neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu alicerçado parecer secundando e reforçando a argumentação do recurso.

Cumprido o disposto no n.º 2, do art. 417º do CPP, feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.

*II – Fundamentação Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de saber se, no caso, o juiz de julgamento poderia anular a distribuição e determinar a devolução dos autos ao Ministério Público, por constituírem irregularidades de conhecimento oficioso: 1) a remessa dos autos de inquérito à distribuição para julgamento, sem que o Ministério Público tenha sujeitado à apreciação do JIC o pedido de constituição de assistente formulado depois de declarada encerrada a fase do inquérito e antes de aberta a fase de julgamento; 2) a não notificação ao arguido da acusação particular deduzida nos termos do art. 284º do CPP, envolvendo a imputação de factos diversos dos descritos na douta acusação pública, e a falta de posição do Ministério Público quanto a essa acusação.

Importa apreciar as enunciadas questões e decidir para o que são pertinentes: A) o teor da decisão recorrida; B) os factos e as ocorrências que se extraem da tramitação dos autos.

  1. O teor da decisão recorrida: «Compulsados os autos, constata-se que os autos foram remetidos à distribuição: sem que fosse apreciada a admissão da ofendida como assistente nos autos, requerida a fls 253 (cfr fls 330, 333 e 401); sem que...

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