Acórdão nº 560/18.0GAEPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | TERESA COIMBRA |
Data da Resolução | 25 de Junho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.
I.
No processo abreviado que, com o nº 560/18.0GAEPS, corre termos no Juízo de Competência Genérica de Esposende foi proferida, com data de 15/01/2019, a seguinte decisão (transcrição): - Condena-se o arguido M. N. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p.p. artigo 292, nº 1 do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à razão diária de 6€, o que faz a quantia de 780€ (setecentos e oitenta euros).
Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo (artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal), sendo a taxa de justiça de 2 (duas) Ucs.
Notifique, advertindo-se o arguido que: -no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, deverá proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de se determinar a sua apreensão e de incorrer na prática de um crime de desobediência (cfr. artigo 69º, nº3, do Código Penal, e artigo 500º, nº2, este do Código de Processo Penal); - não pode conduzir veículos com motor no período fixado a título de pena acessória, sob pena de incorrer na prática de um crime de violação de proibições, p. e p. pelo artigo 353º, do Código Penal.
Após trânsito em julgado: -comunique à ANSR e ao IMT; -remeta boletim à D. S. I. C. (cfr. artigo 5º, nº1, alínea a), e nº3, da Lei nº57/98, de 18 de Agosto).
Vai proceder-se ao depósito da sentença (cfr. artigos 372º, nºs4 e 5 e 373º, nº2, ambos do Código de Processo Penal).
*Após, com data de 29/01/2019, foi proferido pelo juiz que elaborou a sentença, um despacho do seguinte teor: “Por mero lapso, a fls 67 verso, na parte decisória ficou a constar o montante diário de multa de 6€, quando ali devia constar o montante diário de 6,5€ (e resulta da sentença a fls 67), bem como não ficou a constar na parte decisória a pena acessória aplicada ao arguido.
Pelo exposto, proceda à sua retificação, devendo passar a constar na parte decisória a quantia de “6,5€” onde se lê “6€”, e passar a constar “Condena-se o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 9 (nove) meses”.
Retifique e notifique.
*Inconformado com este despacho dele recorre o arguido, concluindo o recurso do seguinte modo (transcrição): 1. No dia 15/01/2019 o Mm. Juiz de Direito procedeu à leitura de sentença.
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No dia 18/01/2019 a douta sentença foi depositada.
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A sentença depositada não se encontra em conformidade com o que foi lido pelo Mm.º Juiz a quo.
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No dia 15/01/2019 pelo Mm. Juiz de Direito na audiência de leitura de sentença, foi identificado o arguido, o crime que lhe foi imputado, a fundamentação dos factos dados como provados, dos motivos de facto e direito que fundamentaram a decisão, e a prova que serviu para formar a convicção do tribunal, e por fim leu a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se julgar procedente a acusação pública e, em consequência: Condena-se o arguido M. N. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.e.p. pelos artigos 292º, n.º 1 do Código Penal, na pena de multa de 100 dias, à razão diária de 6euros, o que perfaz a quantia de 600 (seiscentos) euros.
Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, sendo a taxa de justiça de 2 (duas) UC’s”.
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A referida leitura não se encontra gravada em registo áudio ou audiovisual, nem em qualquer outro meio que assegure a reprodução integral daquela leitura, nomeadamente, a transcrição.
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Na sentença que se encontra depositada (no dia 18/01/2019), na decisão encontra-se plasmado o seguinte: “Pelo exposto, decide-se julgar procedente a acusação pública e, em consequência: Condena-se o arguido M. N. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.e.p. pelos artigos 292º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa, à razão diária de 6 euros, o que perfaz a quantia de 780 (setecentos e oitenta) euros.
Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, sendo a taxa de justiça de 2 (duas) UC’s”.
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O processo referenciado aos autos, tem a forma de processo abreviado.
Nesta forma de processo especial, o artigo 391º - F do CPP, quanto à sentença, diz-nos que é aplicável o disposto no artigo 389º-A - Sentença, do CPP.
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Não se encontra a audiência de leitura de sentença, do dia 15/01/2019, gravada nem documentada em ata por transcrição. Posto isto, não é assegurado ao arguido a reprodução integral daquela leitura, nem por meio de registo áudio ou audiovisual, nem por transcrição redigida em ata.
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Nos termos do artigos 389-A, 363º e 364º, a sentença é nula.
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No dia 30/01/2019 o Mm.º Juiz a quo, vem retificar e alterar a sentença depositada, por despacho. Alterando-a quanto à decisão, devendo ficar a constar a quantia de “6,5euros” onde se lê “6 euros” e, acrescentando à decisão “Condena-se o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 9 (nove) meses”.
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Este despacho é nulo e de nenhum efeito, na medida em que ao proceder a uma condenação que na sentença anteriormente produzida nada havia referido, e ao proceder a uma alteração do valor aplicado à razão diária da pena de multa, o Mm.º Juiz a quo foi para além do seu poder jurisdicional, nesse momento, já esgotado, com a prolação da sentença.
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Sempre salvo o devido respeito por melhor opinião, no caso dos autos, a acusação pública não pode ser retificada nos termos do despacho proferido pelo Mm. Juiz a quo.
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Resulta do Art.º 613 do CPC, aplicável por força da remissão do Art.º 4 do CPP, segundo o qual, com a prolação da sentença, esgota-se o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo-lhe por isso vedado suprir nulidades da sentença ou proceder a correções, que importem modificação essencial do decidido.
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Esta norma é, como bem sabemos, tributária do princípio da segurança jurídica, que exige estabilidade das relações jurídicas de forma a proteger a confiança legítima dos cidadãos.
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A primeira regra constante do art. 613º do CPC é que proferida a sentença fica esgotado o poder jurisdicional do juiz. O C.P.P. não tem norma semelhante. Assim, o princípio do esgotamento do poder jurisdicional com a prolação da sentença vale no processo penal por via da aplicação no direito penal da regra importada do processo civil.
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Não obstante este esgotamento do poder de pronúncia, o juiz mantém a possibilidade de corrigir a sentença. Quanto ao âmbito do poder de correção da sentença penal, este já não é determinado pelo referido art. 613º e ss. do C.P.C., pois o C.P.P. contém norma própria sobre a questão, que consta do art.º 380º.
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Nos termos do nº 1 desta norma o tribunal pode corrigir a sentença – ou um qualquer ato decisório, conforme permite o seu nº 3 -, se não tiver sido observado o art. 374º e, ainda, se ela contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
Ou seja, a lei não permite ao juiz proceder a qualquer correção que importe modificação essencial.
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Acrescentar valor à razão diária da multa que havia sido concedida, e acrescentar condenação à decisão da sentença proferida, integra o conceito de modificação essencial.
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Por fim, a terceira regra que consta daquele art. 613º é que o princípio do esgotamento do poder jurisdicional também se aplica aos despachos.
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Ao atuar como acima descrito e salvo melhor entendimento, o Mmº Juiz a quo usou um poder jurisdicional que já não possuía – desde a prolação da sentença – corrigindo uma nulidade ao abrigo de uma norma, o aludido Art.º 380, que não lhe permitia que assim tivesse agido.
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É pois, tal despacho nulo, não devendo produzir efeitos, o que leva, inevitavelmente, à procedência do recurso.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, declarando-se nulo o decidido pelo Mm.º Juiz a quo no seu douto despacho de 30/01/2019, sem produzir qualquer efeito, em conformidade com o exposto, e com as demais consequências legais.
Como é de inteira JUSTIÇA!*O Ministério Público em primeira instância respondeu ao recurso apresentando igualmente conclusões: I. A sentença em processo abreviado, tal como sucede em processo sumário é, em regra, proferida oralmente, e só deve ser elaborada por escrito, e lida em audiência de julgamento, se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário.
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No caso dos autos, a sentença foi elaborada por escrito.
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Não tendo sido proferida oralmente, não se impunha que o dispositivo da sentença ficasse documentado na acta de audiência de julgamento, assim como não teria a sentença que ficar integralmente documentada através de registo áudio ou...
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