Acórdão nº 9584/16.0T8LRS.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelANTÓNIO SANTOS
Data da Resolução04 de Julho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa * * * * 1.–Relatório.

A [ ……,Lda,] intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra B [ …….Ibérica, Limitada ] , com sede em Lisboa, pedindo que lhe seja reconhecido o direito à resolução do contrato que celebrou com a Ré a 23/12/2014 e, consequentemente : a)- seja a Ré condenada a devolver-lhe a quantia de € 116.734,38 e que corresponde ao preço que recebeu da Autora ; b)- seja a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização pelos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do seu incumprimento contratual, no total de € 50.000,00; c)- seja a Ré condenada no pagamento dos juros [ que acrescem a quaisquer das quantias referidas em a) e b) ] de mora vencidos a contar da citação, e vincendos até integral pagamento.

1.1.– Para tanto alegou a autora, em síntese, que : - Acordaram autora e Ré, após desenvolvida negociação, e a 23/12/2014, que esta última forneceria e instalaria na sede da autora um sistema informático (pelo preço global de € 131.999,00, a que acrescia IVA) pela ré criado e desenvolvido sobre a tecnologia Microsoft Dynamics NAV, e destinado ao sector dos transitários e operadores logísticos, área de actuação económica a que a Autora se dedica; - No âmbito do referido acordo, ficou logo prevista a calendarização das várias actividades a desenvolver por fases pela Ré e que o pagamento dos correspondentes serviços seria efectuado também faseadamente, de acordo com etapas previstas da execução, sendo que para proceder a esse pagamento a A. recorreu a financiamento; - Tendo a Ré desenvolvido e realizado diversos trabalhos até Julho de 2015, certo é que nesta data já a entidade financeira pela autora contratada (a GRENKE Renting,SA) havia pago por conta da A. à Ré o valor de €94.906,00 ( sustentado em quatro facturas emitidas em 08/01/2015, 16/02/2015, 14/04/2015 e 14/07/2015 ), acrescido de € 21.828,38 de IVA; - Ocorre que, não só houve atrasos na entrada em produção da parte operacional do sistema pela Ré fornecido e montado, e que apenas ocorreu a 21/07/2015, como de imediato os operacionais da Autora logo detectaram diversas anomalias, erros, incorrecções e limitações no funcionamento do produto pela Ré fornecido e concebido, os quais , porque graves, inviabilizavam de todo a sua utilização em operações específicas do processo logístico ; - Alertada insistentemente a Ré para a ocorrência das aludidas anomalias, e apesar de as reconhecer e aceitar a sua existência, não logrou porém a Ré, não obstante diversas promessas de que iria fazê-lo rapidamente, resolvê-los, acabando a Autora por ver a sua produção suspensa nos primeiros dias de Outubro de 2015; - Ainda assim, porque veio a Ré em 03/12/2015 a enviar à A. um e-mail, referindo a aproximação da data aniversária da aquisição do software e a necessidade de efectuar o pagamento da manutenção anual no valor de € 9.788,00, tal motivou a Autora , perante a inoperacionalidade do sistema e a defraudação das suas expectativas, a remeter à Ré em 10/12/2015 uma comunicação a resolver o contrato celebrado, escrito a que a R. respondeu entendendo não ter a A. fundamento para a pretendida resolução.

- Ora, com base nos fundamentos que conduziram e forçaram a autora a resolver o contrato, manifesta é a responsabilidade contratual da Ré, que não cumpriu a sua prestação contratual, tendo-se constituído na obrigação de indemnizar a A. pelos danos patrimoniais causados na sua esfera jurídica os quais contabiliza em € 40.000,00 [ sendo vg € 25.000,00 referente aos montantes pagos aos seus trabalhadores e €10.000,00 referente a danos pelos atrasos e riscos nas tomadas de decisões e á necessidade de responder às reclamações ]; - Aos referidos montantes indemnizatórios, acrescerá ainda o direito da Autora à devolução dos valores pagos, no valor de € 116.734,38 que a Ré recebeu e, ainda, a indemnizá-la pelos prejuízos não patrimoniais decorrentes do incumprimento contratual, no total de €10.000,00, ambos os valores acrescidos de juros a contar da citação.

1.2.– Regularmente Citada para, em prazo, querendo, contestar, veio a Ré B, fazê-lo, no essencial deduzindo defesa por impugnação motivada, aduzindo não corresponder à verdade que o serviço à autora prestado ficou a padecer de quaisquer anomalias e, a verificarem-se estas últimas, as mesmas devem-se apenas a alterações introduzidas no sistema da exclusiva vontade da autora e que acabaram por provocar a interrupção da produção.

Mais alegou a Ré que, porque no seu entender não dispunha a autora de motivo válido para a resolução do contrato, não apenas não lhe assiste o direito a qualquer indemnização, como, ao invés, é a Ré que é credora da autora [ e daí o pedido RECONVENCIONAL que formula ] das seguintes quantias: a) €4.104,00, referente à última parcela do preço devido à Ré um mês após a entrada do produto em produção , ou seja, a ser pago a 31/08/2015, acrescido dos juros contabilizados em € 333,90 ; b) de € 15.000,00, com base em responsabilidade extracontratual decorrente de afirmações feitas pela Autora, infundadas e que afectaram o prestígio comercial da Ré, e sem prejuízo ainda de uma indemnização por litigância de má fé , e de valor não inferior a €10.000,00.

1.3.– Após resposta da Autora, e marcada a realização de uma audiência prévia [ que veio a ter lugar a 24/10/2017, e no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tabelar, e , bem assim, identificado o objecto do litígio, e enunciados os temas da prova ] , designou-se outrossim a data para a realização da audiência de discussão e julgamento.

1.4.– Por fim, após a conclusão da audiência de discussão e julgamento [ iniciada a 4/5/2018 ], e conclusos [ a 15/5/2018 ] os autos para o efeito, foi então proferida a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor: “ (…) III–DECISÃO Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, e, em consequência, - reconhece ter sido o contrato validamente revogado pela A., - absolve a R. dos pedidos pecuniários contra ela deduzidos, - absolve a A. do pedido reconvencional (nos seus dois segmentos) contra ela deduzido, - absolve a A. do pedido de condenação por litigância de má fé.

Custas por A. e R., em 50% para cada uma.

Registe e notifique.

Loures, 31/08/2018” 1.5.– Não se conformando com a decisão/sentença do tribunal a quo, da mesma apelou então a Autora A, alegando e deduzindo as seguintes conclusões : I- A decisão impugnada faz uma incorrecta interpretação e aplicação dos critérios e normativos legais aplicáveis, desde logo quando afasta a aplicabilidade do regime legal da empreitada ao contrato dos presentes autos e, sem conceder, também depois, quando afirma que "a circunstância de o art.° 1156° determinar a aplicação ao contrato dos autos das regras do mandato com a necessárias adaptações não é suficiente para questionar a concreta aplicação das normas supra referidas"- Quando é precisamente o inverso que se impõe.

II- O objectivo do contrato firmado entre A. e R. foi o fornecimento duma solução técnica, de natureza informática, para alcançar os objectivos da A., no domínio da sua actividade, que foi antecedido do levantamento pela R. das necessidades concretas da A. e da auscultação dos seus objectivos, seguido da necessária análise dos elementos recolhidos, da concepção da solução apresentada e, por fim, da sua implementação.

III- Como tal, no que ao âmbito e objecto do contrato concerne," foi acordado o fornecimento do produto ou resultado de um trabalho intelectual de natureza técnica.

IV- Aceitando-se o expendido na decisão quanto à não aplicação, in casu, das regras do Código dos Direitos de Autor, dissentimos, porém, quanto à consideração feita relativamente ao afastamento do regime jurídico da empreitada.

V- Essa discordância relativamente à decisão surge, desde logo, na resposta dada à indagação sobre o que deve entender-se por obra, - adoptando o sentido restrito ou o sentido amplo e, por outro lado, em saber se estes preceitos normativos se podem aplicar no caso de se tratar de coisas incorpóreas.

VI- Contrariamente à decisão impugnada, que entende e defende o conceito de obra, no sentido restrito e entende que "não é de subsumir a esse regime os casos em que a obra tem natureza não material, mas intelectual ou similar, enquanto criação do espírito do domínio artístico, técnico ou científico", a recorrente entende que é de qualificar como sendo um contrato de empreitada aquele em que, não obstante a natureza predominantemente intelectual da prestação desenvolvida pela ré, esta se traduziu - como ocorreu in casu - na transformação da realidade material, devidamente acompanhada pela autora, corporizada na aplicação informática constante da proposta.

VII- Considerando que a construção duma aplicação informática é um trabalho de índole predominantemente intelectual, alicerçado na criação de fluxogramas, no descortinar de funções matemáticas, no actuar com lógica pura, enfim, na programação no geral, requerendo um elevado grau de raciocínio, horas de estudo e análise do que é pretendido pelo cliente, temos igualmente de ter em conta que, para além de toda essa programação, deverá também ser elaborado um interface que permita a comunicação do utilizador com a aplicação informática, por forma a atingir os objectivos pretendidos.

VIII- Trata-se, assim, dum trabalho intelectual reconduzido depois a um resultado material - a uma obra - corporizada na Solução LogiQstar + Portal para A".

IX- Como tal, estamos no âmbito do contrato de empreitada, sendo, pois, de aplicar o respectivo regime legal.

X- Sem prescindir, não podemos deixar de referir que, mesmo considerando que o contrato dos autos seria, em parte, um contrato de prestação de serviços atípico e inominado, regulado pelas regras do mandato, sempre haveria que atender ao disposto no artigo 1156° do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT