Acórdão nº 6688/16.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 13 de Junho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1. J. L.
e mulher, M. R.
intentaram contra A. M.
e mulher, A. N., acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que os Réus sejam condenados a:
-
Reconhecer que os Autores são donos e legítimos possuidores do logradouro que indicam, com o limite poente delimitado pelas bancas da ramada existente; b) Repor a situação que existia antes dos actos pelos Réus praticados, nomeadamente colocando as bancas da ramada na sua posição natural, com os arames respectivos colocados nos sítios a eles destinados; c) Destruir o muro que construíram, por forma a deixarem livre e desimpedido todo o terreno situado para nascente de uma linha imaginária definida pela extrema poente das bancas das ramadas do logradouro dos Autores; d) Reconhecer que a poente do logradouro (e em frente à entrada do prédio dos Autores) existe uma entrada ou um acesso ao caminho de servidão existente, com cerca de três metros de largura; e) Reconhecer que o caminho de servidão existente e reconhecido pela sentença proferida no âmbito do processo que correu termos sob o nº 808/12.4TBGMR, do 2.º Juízo Cível do Tribunal de Guimarães, prolonga-se desde o caminho público até à entrada referida na alínea anterior, à qual dá acesso; f) Reconstruir o murete com cerca de 30 cm de altura, que separava o logradouro dos autores do prédio dos Réus; g) Reconhecer que os Autores são donos e titulares da servidão de escoamento melhor descrita no anterior art. 36º da p.i.; h) Repor os tubos para escoamento das águas dos telhados das casas, despejando-as no rego existente no prédio dos Réus; i) Pagar aos Autores a quantia de € 7.000,00 a título de indemnização pelos prejuízos causados com a redução da área do logradouro em cerca de 70 cm, dobrando as bancas (ferros) da ramada e inutilizando os arames exteriores da mesma; com a inutilização do murete, criando transtornos aos Autores e com a obstrução ao escoamento da água; j) Absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos do direito de propriedade e posse dos Autores designadamente sobre a faixa de terreno, entrada e caminho de servidão em causa; e k) Cancelarem quaisquer registos efectuados em contrário do peticionado.
*Os Réus, na contestação, invocaram a excepção de caso julgado quanto à servidão de passagem e área de logradouro.
Efectuada uma inspecção judicial, foi proferida decisão a declarar verificada essa excepção, mais tendo considerado prejudicado o pedido reconvencional, tendo os autos prosseguido apenas na parte relativa à servidão de escoamento.
Para este estrito efeito, os Autores alegaram o seguinte quadro factual: Aquando da realização de obras, os Réus taparam dois tubos que transportam as águas dos telhados dos prédios dos Autores. A água dos telhados dos prédios urbanos descritos nas alíneas a) e b) do art. 1º da p.i., desde há mais de 100 anos tem sido escoada através de dois tubos, os quais, recolhendo cada um deles a água em cada um dos telhados das casas dos Autores, transportam-na até ao solo e, atravessando cada um deles, em parte de forma subterrânea, nomeadamente o logradouro que foi objecto da sentença proferida no processo que correu termos sob o nº 808/12, despejavam-na num rego em terra, aberto à superfície do solo, no prédio dos Réus, situado na extrema poente do logradouro referido, onde os tubos desembocavam.
Esses dois tubos, a partir, respectivamente, das duas casas dos Autores, correm no sentido nascente/poente, até se juntarem numa caixa de vigia, em cimento, existente no logradouro dos Autores, de onde partem (os dois tubos) paralelamente e de forma subterrânea, até despejarem a água no rego citado, existente no prédio dos Réus.
A saída desses dois tubos é visível e aquele escoamento foi sempre efectuado de modo público, pacífico, ininterrupto e de boa-fé, na convicção do exercício de um direito próprio.
Verifica-se assim que existem sinais visíveis e permanentes aí colocados que revelam, quer a existência da servidão de passagem, quer a servidão de escoamento, ambas constituídas por usucapião.
Os Réus, ao impedirem o exercício da servidão de escoamento, estão a ofender os respectivos e legítimos direitos, causando prejuízos aos Autores.
*Na sua contestação, na parte relativa à servidão de escoamento, os Réus impugnaram a sua existência.
Alegaram ainda que já há mais 20 ou 30 anos que inexiste o rego a que se referem os Autores, o qual, de resto, foi soterrado, à vista de toda a gente e sem oposição.
Por outro lado, considerando que a obra de cimentação efectuada pelos Réus apenas recolocou cimento onde ele já existia anteriormente, se houvesse perturbação da servidão de escoamento já a mesma existia antes da intervenção.
Acresce que os tubos que os Autores referem são subterrâneos, nascem e terminam no prédio dos Autores, não sendo do conhecimento dos Réus.
Aliás, no início deste século os Autores colocaram uma caixa de vigia no logradouro e instalaram uns tubos no terreno dos Réus, tendo tal obra merecido a oposição destes, tendo consequentemente sido removidos os tubos.
*1.2.
Depois de realizada a audiência prévia e a inspecção judicial ao local, foi proferido despacho-saneador – onde se julgou improcedente a excepção dilatória de caso julgado –, identificou-se o objecto do litígio (restringido ao reconhecimento ou não da servidão de escoamento) e enunciaram-se os seguintes temas da prova: 1) Se a água dos telhados dos prédios urbanos identificados no artigo 1º da p.i. é escoada através de dois tubos, os quais, recolhendo cada um deles a água em cada um dos telhados, transportam-na até ao solo e, atravessando cada um deles, em parte de forma subterrânea, nomeadamente o logradouro, despejam-na num rego em terra, aberto à superfície do solo, no prédio dos réus, situado na extrema poente do logradouro.
2) Se esses dois tubos, a partir, respectivamente, das duas casas dos autores, correm no sentido nascente/poente, até se juntarem numa caixa de vigia, em cimento, existente no logradouro dos autores, de onde partem paralelamente e de forma subterrânea, até despejarem a água no rego existente no prédio dos réus.
3) Se a saída desses dois tubos é visível, quer na caixa de vigia, quer na extrema poente do logradouro dos autores.
4) Se, por si, ante proprietários e ante possuidores, desde há mais de 100 anos que, em proveito dos prédios descritos nas alíneas a) e b) do artigo 1º da p.i., os autores procedem ao escoamento nos termos referidos em 1) a 3), de modo exclusivo, à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição de alguém e no pressuposto de se estar a exercer um direito próprio.
5) Se ao cimentarem o logradouro do prédio dos autores, os réus obstruíram os tubos e impediram o escoamento referido em 1) a 4).
6) Se no início deste século os autores colocaram uma caixa de vigia no logradouro e instalaram uns tubos no terreno dos réus, tendo tal obra merecido a oposição destes, tendo, nessa altura, sido removidos os tubos.
7) Se foi posteriormente e de forma não visível que os autores colocaram os tubos subterrâneos, que se encontram totalmente no interior do logradouro dos autores.
Realizou-se a audiência de julgamento e a Mma. Juiz proferiu sentença cujo dispositivo se transcreve: «Pelo exposto, vai a presente acção julgada procedente, na parte em que prosseguiu para julgamento, com a consequente condenação dos réus A. M. e A. N. a reconhecerem que os prédios referidos em 1), pertencentes aos autores, beneficiam de uma servidão de escoamento sobre o prédio referido em 1), pertencente aos réus, a qual tem a definição constante dos artigos 3º e 4º dos factos provados, condenando-se os réus a repor os tubos de escoamento no estado em que se encontravam antes da construção do muro, abstendo-se de praticar actos que obstem ao dito escoamento».
*1.3.
Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1ª Na petição inicial (artigos 31º a 36º da petição inicial) os Autores descrevem a servidão de escoamento e articularam os factos essenciais e que são os constitutivos da servidão que reclamam e, por conseguinte, a causa de pedir e pedem a condenação dos Réus a reconhecer que são donos e titulares da servidão de escoamento melhor descrita no artigo 36º da petição inicial.
2ª Foi proferida sentença que deu como provada a seguinte matéria de facto: 1 Desde há mais de cerca de 28 anos que a água dos telhados dos prédios urbanos identificados no artigo 1º da petição inicial é escoada através de dois tubos, que a recolhem, passam de forma subterrânea no logradouro daqueles prédios e desaguam no logradouro do prédio urbano contíguo que pertence aos Réus.
2 Antes da colocação dos tubos referidos em 1), esse desaguamento ocorria num rego que corria a céu aberto, junto da ramada que existe no prédio dos autores.
3 Os dois tubos referidos em 1 juntam-se pelo menos, numa caixa de vigia, em cimento, existente no logradouro dos prédios dos Autores referidos em 1 e seguem paralelos e subterrâneos, até despejarem a água no logradouro (terreno) do prédio referido em 1) pertencente aos Autores.
4 A saída desses dois tubos está encoberta por terra, mas é visível a saída de águas, particularmente nas alturas em que os tubos são desentupidos.
5 Por si e ante possuidores, desde há mais de 28 anos que, em proveito dos prédios descritos nas alíneas a) e b) do artigo 1º da petição inicial, os Autores procedem ao escoamento nos termos referidos em 1) a 4).
6 Fazendo-o à vista de todos ininterruptamente e sem oposição de alguém, no pressuposto de estarem a exercer um direito próprio.
7 Ao erguerem um muro e cimentarem o logradouro do prédio dos Autores, na sequência de uma outra sentença, os réus obstruíram os tubos e impediram o escoamento referido em 1 a 4).
3ª O Tribunal configura a servidão em moldes substancialmente diferentes daquela que estava alegada pelos Autores na causa de pedir, e constante dos artigos 31º a 36º da petição inicial; 4ª O Tribunal...
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