Acórdão nº 2389/14.5TBPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 2389/14.5TBPTM.E1 Tribunal Judicial da comarca de Faro Juízo local cível de Portimão - Juiz 1 I – Relatório (…) – Gestão e Comércio de Imóveis, Lda. e Igreja Universal do Reino de Deus, instauraram contra (…) e Outros, todos representados pelo administrador do condomínio do prédio sito no Largo do (…) (…), lote A, em Portimão, pedindo a final fosse declarada a ineficácia/nulidade da deliberação aprovada em Assembleia de Condóminos que teve lugar no dia 8 de Fevereiro de 2014 ou subsidiariamente a sua anulabilidade. Alegaram para o efeito e em síntese que a 1.ª A. é locatária financeira de fracção A, destinada a comércio ou indústria, a qual vem sendo ocupada pela 2.ª Ré desde 01.03.2008 na sequência da celebração de contrato promessa de sublocação, estando a mesma afectada desde então ao culto religioso e a obras de acção social. Tal destinação foi expressamente autorizada pela maioria dos condóminos, mediante declarações por cada um deles subscrita e não revogada, o que motivou a Ré IURD a efectuar obras de adaptação na fracção, tendo ainda apresentado requerimento na CM em ordem a obter autorização para alteração do seu uso e celebrado subsequente contrato promessa de compra e venda do imóvel. A deliberação ora impugnada, sendo atentatória dos direitos das demandantes, é ilegal por extravasar das competências deliberativas da assembleia de condóminos, que não pode deliberar sobre o uso que a cada uma das fracções é dado pelo respectivo proprietário, sendo assim ineficaz em relação às demandantes, padecendo ainda de nulidade, o que deve ser declarado. Quando assim se não entenda continua a ser ilegal, por contrariar a Constituição da República Portuguesa, a Lei da Liberdade Religiosa e instrumentos internacionais a que Portugal se vinculou. Invocou finalmente terem os RR actuado em abuso de direito e, a considerar-se verificada uma situação de colisão de direitos, sempre deve ser dada prevalência ao direito fundamental da liberdade religiosa. * Citados os RR, contestaram em peça única, na qual invocaram a excepção dilatória da ilegitimidade activa, defendendo a legalidade da deliberação, que traduz a vontade da maioria dos condóminos de diligenciar junto das autoridades competentes pelo fim das práticas ilegais da 2.ª Ré na fracção. As AA responderam à matéria da excepção, pugnando pela sua improcedência. * Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção dilatória invocada, prosseguindo os autos com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento em cujo termo foi proferida sentença que, na procedência da acção, declarou ineficaz a deliberação da assembleia de condóminos do Edifício (…), Bloco A, Largo (…) de 08.02.2014, impugnada pelas AA. Irresignados, apelaram os RR e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes desnecessariamente extensas 62 conclusões, de que se extraem, por relevantes, as seguintes: i. Os Apelantes não aceitam que, carecendo a alteração do uso atribuído à fracção “A” de autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, tal autorização não possa ser, pelos mesmos, livremente revogável nos mesmos moldes. ii. O n.º 2 do art.º 1422.º do CC estabelece limitações ao uso de cada fracção por parte do proprietário, constando da al. c) que é especialmente vedado aos condóminos dar à sua fracção uso diverso do fim a que é destinada. iii. Como se verificou, a fração “A” é destinada ao comércio e indústria, não lhe podendo ser dado outro uso, diverso daquele a que se destina. iv. No entanto, e não tendo em conta este facto, em 3 de Março de 2008 a Apelada IURD iniciou a ocupação da fracção, destinando-a ao Culto Religioso. v. Alteração do uso que, como se disse, carecia da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio – Artigo 1422º, n.º 4. vi. Sendo que 1 ano e meio depois, nos meses de Setembro e Outubro de 2009, a Apelada (…) iniciou uma recolha de autorizações junto dos condóminos para a prática do culto religioso daquela fracção. vii. Pelo que se conclui que, atenta a posição tomada pela Apelada (…), a mesma dá por confessado que bem sabia que para proceder à alteração do uso atribuído à fracção “A” careceria da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. viii. Pois caso entendesse que alterar o uso atribuído à fracção seria um direito exclusivamente seu, para o qual não carecia de qualquer autorização dos condóminos, não teria qualquer interesse/benefício na obtenção das declarações recolhidas dos condóminos acima indicados. ix. Mas a verdade é que essas autorizações primeiramente concedidas vieram a ser revogadas e não foram nunca sequer entregues os documentos originais das mesmas à Apelada (…) e IURD, pelo que, na realidade, nunca foi verdadeiramente concedida alguma autorização ao uso da fracção. x. Como se verifica inclusive pelo facto de a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” ter considerando como não provado (transcreve-se) “Que os RR., ao terem outorgado as autorizações, criaram nos ora AA. A convicção de que a 2.ª A. poderia exercer a sua actividade no imóvel sem qualquer restrição” (sublinhado nosso) xi. E mais, mesmo que houvesse entendimento diferente, a verdade é que nos mesmos moldes em que seriam os condóminos competentes para atribuir autorização para a alteração do uso da fracção de comércio ou indústria para a prática de culto religioso, os mesmos têm legitimidade para revogar tal declaração, o que veio a acontecer, novamente, na Assembleia de 8 de Fevereiro de 2014. xii. Tendo sido tomada a deliberação do ponto 5. da referida Ata, novamente por maioria dos Condóminos, que a Apelada IURD não tinha autorização para exercer o culto religioso na fracção nem para colocar o reclame luminoso. xiii. Deliberação essa que foi declarada ineficaz pelo Tribunal “a quo”, com base na adopção de um dos dois entendimentos maioritários alvo de divergências entre a doutrina e entre a jurisprudência – com o que não podem os Apelantes concordar pelos motivos que se expõem em seguida. xiv. É certo que para além das deliberações acerca das partes comuns do prédio, só pode a assembleia de condóminos deliberar relativamente ao fim/destino/uso de determinada fracção autónoma quando se trate de limitações impostas em benefício das partes comuns. xv. Tratando-se de uma situação que importa a todos os condóminos e para a qual lhes é atribuída, por força do n.º 4 do artigo 1422.º do Código Civil, competência para, em assembleia de condóminos, autorizarem a alteração do uso de fracção autónoma, não se pode considerar de outra forma que não a de que existe um prejuízo comum para os condóminos. xvi. O que, portanto, os legitima a convocar nova assembleia de condóminos e, revogando as declarações previamente prestadas, e que inclusive já tinham sido revogadas e não respeitada essa revogação, deliberar no sentido de proibir a prática de culto religioso na fracção “A”. xvii. Por outro lado, o n.º 4 do artigo 1422.º do Código Civil atribui competência exclusiva à assembleia de condóminos para autorizar a alteração do uso de determinada fracção autónoma pelo que daqui retira “a contrario”, que sem tal autorização por parte da assembleia de condóminos não estão preenchidos os requisitos para a alteração do uso da fracção. xviii. Portanto é a assembleia de condóminos o único órgão com competência para deliberar que não autorizam a prática de culto na fracção “A” devido aos prejuízos e incómodos ao seu descanso e saúde que têm vindo a sofrer em virtude dos ruídos causados pelos culto, pelo aglomerar de pessoas e trânsito na via pública, pelas assustadoras práticas de exorcismo, sendo também este o entendimento das entidades administrativas às quais os Apelados recorreram com vista à efectiva alteração do uso da fracção “A”, ao afirmarem no seu parecer que “mesmo em prédio ou fracção licenciado para habitação ou comércio, ou outros fins, pode ser instalado um lugar de culto, bastando para o efeito o acordo do proprietário ou da maioria dos condóminos.” xix. O Tribunal “a quo” andou mal ao aplicar por analogia o artigo 268.º, n.º 1, do Código Civil, pois não estamos sequer perante um caso de representação, atendendo a que a deliberação foi tomada pelo próprio órgão com competência para tal e não pelo respectivo representante – motivo pelo qual não se enquadra na situação descrita no preceito legal enunciado, logo não poderá ser feita qualquer aplicação analógica. xx. Relativamente ao Reclame Luminoso, ficou provado que se encontra fixado na parede exterior do prédio e portanto parte comum do prédio, pelo que assiste à assembleia poder para deliberar sobre o mesmo (art. 1430.º, n.º 1, CC), não podendo esta deliberação ser considerada ineficaz ou nula. xxi. Estando-se em presença de um conflito de Interesses/Direitos, inexiste fundamento para conferir prevalência à liberdade religiosa, porquanto não está em causa as Apeladas não poderem praticar o culto ou até mesmo publicitá-lo, mas sim o colocarem um objecto, no caso um reclame luminoso, numa parte comum do prédio, sem qualquer autorização prévia dos condóminos. xxii. Embora o Direito ao Culto Religioso seja um direito constitucional, não é um Direito Absoluto que prevalece sobre tudo, sem respeitar regras e procedimentos, que foi o que se verificou. xxiii. Afirmando-se também que as Apeladas, quando requerem autorização à Câmara Municipal para colocação do reclame luminoso, sabiam que deveriam apresentar autorização do condomínio, razão pela qual, mais uma vez, fizeram uso de supostas “autorizações” que já sabiam que se encontravam revogadas. xxiv. O Direito à Liberdade à Religião não pode legitimar atuações ilícitas e ilegais e o não ser recolhida autorização do...

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