Acórdão nº 4864/18.3T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Junho de 2019
Magistrado Responsável | JOS |
Data da Resolução | 06 de Junho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O Ministério Público, a pedido, feito através da respectiva Autoridade Central em Portugal, de (…) residente em França, requereu, em 06-02-2019, no Tribunal de Família e Menores de Guimarães, contra (..), a instauração, com carácter de urgência, de processo para entrega judicial da menor (..), ao abrigo da Convenção de Haia, de 25-10-1980.
Alegou que aqueles têm nacionalidade portuguesa, são os progenitores da criança e viviam ambos com esta em França, ele já antes e ela depois que casaram (em 2012). Pendem acções de divórcio naquele país (proposta pelo cônjuge marido) e em Portugal (proposta pelo cônjuge mulher). Esta, no final de Julho de 2018, ausentou-se com a menor do domicílio que lá tinham, com destino a Portugal, tendo, desde aí, passado a viver com a filha na casa de seus pais, em ..., Guimarães, sem consentimento nem autorização do progenitor, recusando-se ela a voltar àquele País, apesar dos pedidos dele. Entretanto, por sentença proferida, em 17-12-2018, pelo Tribunal de Grand Instance de Dukemberque (França) – que se assumiu como o competente para conhecer da totalidade do litígio por ter sido o primeiro a ser chamado a decidir sobre o divórcio e entendeu ser aplicável ao caso a lei francesa –, constatando que a autoridade parental sobre a ... é comum, tendo em conta as circunstâncias e os interesses da criança em jogo, maxime o de ter contactos físicos regulares com o pai o que só será possível se a mãe morar próximo, foi decidido, provisoriamente, que, em caso de proximidade dos domicílios dos pais, a residência habitual da menor será fixada na casa da mãe, beneficiando o pai de direitos de acolhimento nos termos definidos, e que, caso a mãe se afaste do domicílio paternal mais de 50 km, a residência da criança será fixada em casa do pai e a mãe beneficiará de direitos de acolhimento conforme regulado.
Concluiu, assim, que a retenção da menor em Portugal viola o direito de custódia do progenitor, o que consubstancia ilicitude conforme estabelecido na Convenção, e requereu que se ordene o seu regresso a França.
Juntou pertinente documentação, incluindo a aludida decisão estrangeira.
Por despacho de 07-02-2019, foi determinada a apensação deste processo ao de divórcio requerido pela mãe e pendente naquele Tribunal (Guimarães).
Por despacho de 08-02-2019 (fls. 116), foi o processo mandado autuar como tutelar comum, decidido atribuir-lhe carácter urgente e ordenada a citação da requerida.
Esta deduziu oposição (fls. 125 e sgs.), manifestando-se contrária ao regresso da criança a França, alegando, em resumo, o seguinte: - após ter casado com o progenitor da menor e passado a residir em Guimarães, em Setembro de 2012, emigraram para França, passando a residir temporariamente em (…) - após ter engravidado em França, regressou a Portugal com o progenitor da menor; - a 20-02-2016, nasceu a criança (…) ; - Em, Setembro de 2016, o pai da menor foi para França, deixando-lhe apenas € 400,00 para fazer face a todas as despesas; - após o nascimento da menor, a mesma e sua filha não mais tiveram uma vida tranquila e sequer digna da condição humana; - assim que foram para França, passaram a viver num quarto com uma área de cerca de 9 m2, onde, além do berço da menor, existia uma cama improvisada para si, colocada no chão, em que a almofada era uma toalha ou um lenço dobrado, além de brinquedos, roupas e outros móveis; - tal situação deveu-se a uma discussão entre si e o progenitor da menor, onde lhe referiu que a mãe do mesmo batia na menor, tendo sido expulsa do quarto do casal pelo pai da menor; - foi obrigada a fazer no quarto referido todos os preparativos para as refeições, que podia preparar após os avós paternos da menor e o progenitor terem preparado e comido a refeição; - a menor não podia brincar dentro de casa, excepto no aludido quarto, podendo ir à rua esporadicamente para brincar nos jardins e parques próximos; - a avó paterna da menor apenas permitia que usasse uma das bocas do fogão e não autorizava o uso dos estendais da habitação; - foi no aludido quarto que a menor e a própria dormiram e passaram a maior parte do tempo, sendo que aí secava também a roupa; - nunca pôde trabalhar, pois tinha de tomar conta da sua filha menor, uma vez que nunca lhe foi permitido frequentar estabelecimento pré-escolar; - durante o mesmo período, o seu marido não a deixava vir a Portugal nem à sua filha e não lhe dava acesso às contas ou ao dinheiro do casal; - tão pouco tinha dinheiro, pois o seu marido não lho dava; - a avó paterna da menor, por vezes, “maltratava-a”, afastando-a e empurrando-a, e não autorizava que a menor permanecesse no seu quarto, salas ou outros pontos da habitação; - farta da situação acima referida, veio embora com a sua filha, sendo que já não a aguentava e a sua filha não tinha condições para viver; - em França, a menor nunca frequentou uma escola, creche ou ATL e não tinha contacto com outras crianças; - a menor apenas era acompanhada pelo médico de família, sendo que apenas era consultada pelo mesmo na altura da toma das vacinas; - deu entrada aos processos de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais a que o presente procedimento está apenso, sendo que o Tribunal ainda não se pronunciou; - nunca foi devidamente notificada nem ouvida pelas Autoridades Francesas; - a decisão que serve de fundamento do pedido de regresso da menor é uma decisão provisória, susceptível de recurso, que irá apresentar, pelo que impugna os efeitos pretendidos com a junção da certidão da mesma; - o pai da menor deslocou-se de imediato a Portugal e tentou levar à força a filha; - a actuação o pai da menor e avó paterna não permite um bom e salutar desenvolvimento da criança em França, sendo que entende que a menor se encontra numa situação de perigo, razão pela qual se opõe expressamente ao regresso voluntário da sua filha; - tem todo o apoio familiar de que necessita para cuidar da menor em Portugal, dispondo de casa própria com boas condições de habitabilidade, tendo a menor quarto próprio e um espaço para brincar; - a menor encontra-se inscrita e a frequentar estabelecimento de ensino, onde é acompanhada por professores, médicos e psicólogos; - trabalha, auferindo € 605,00, por mês, de salário; - a menor, em Portugal, beneficia de todo o apoio, carinho e conforto de que não dispunha em França, estando até acompanhada por médico; - sendo de prever que, regressada a França, a menor tenha o mesmo tratamento que teve até Julho de 2018, sendo desprezada, maltratada e negligenciada pelo pai e família deste; - o requerido não trabalha, está inscrito no centro de emprego em França, apenas exercendo alguma actividade quando designado pelo centro de emprego; - o pai da menor, todas as sextas-feiras e sábados, sai de casa pela 22H00 e regressa por volta das 08H00, frequentando casas de diversão nocturnas, bares e casas de alterne; - por tais factos, atendendo ao actual estado da menor, deve a mesma ser entregue à mãe, que beneficia de integração na sociedade, trabalha e tem o apoio familiar necessário ao desenvolvimento da menor.
Apresentou, ainda, e requereu a produção de meios de meios de prova (tomada de declarações de parte à própria, tomada de depoimento a testemunhas, obtenção junto da CPCJ do processo de promoção e protecção referente à menor que a mesma instituição tramita, solicitação às Autoridades Francesas de relatório social referente ao progenitor da menor e sua família e realização de perícia forense, de natureza psiquiátrica ou similar, à menor, de modo a aferir das suas capacidades cognitivas e a possibilidade de novo contacto com a família do requerido).
O progenitor apresentou resposta (fls. 136 e sgs.), refutando a versão daquela e salientando a sua (diversa), designadamente dizendo que foi a mãe da menor que não quis continuar a viver em França e resolveu voltar e trazê-la, e defendendo que se determine o regresso.
Apresentou também meios de prova e requereu a sua produção (tomada de declarações de parte ao próprio e de depoimento a três testemunhas).
Tendo sido dada Vista dos autos ao Ministério Público (fls. 144), promoveu este que se determine o regresso da menor a França, nos termos dos arts. 1º, 3º e 12º da Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, através da DGRSP, Autoridade Central em Portugal.
Foi, de seguida, com data de 18-03-2019, proferida a sentença, que culminou na seguinte decisão: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
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Julgar ilícita a deslocação de França para Portugal da menor ..., nascida a ..-..-2016, filha de ... e de ...; b) Determinar o regresso imediato da referida menor a França, para junto do progenitor, a executar no prazo máximo de 30 dias, cabendo à Segurança Social, com o auxílio da autoridade policial competente, a recolha da menor e a sua entrega ao progenitor, o qual deverá proceder ao acompanhamento da menor desde Portugal ao seu destino; c) Solicitar à Autoridade Central Portuguesa (Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais – Gabinete Jurídico e de Contencioso) que diligencie junto da Autoridade Central Francesa no sentido de sinalizar a situação da menor, após o seu regresso, ao sistema de promoção e protecção dos interesses dos menores no respectivo estado, de modo que a esta beneficie das medidas concretas que se revelem necessárias ao seu bem-estar; d) Determinar a intervenção da Autoridade Central Portuguesa na execução do regresso da menor, designadamente, nos procedimentos de articulação dos operadores envolvidos e dos progenitores, se necessário com intervenção de técnicos com formação em psicologia, sendo que a execução coerciva do regresso deverá ocorrer apenas caso a progenitora não proceda à entrega voluntária da criança à Autoridade Central Portuguesa; e) Determinar a emissão de mandados de entrega judicial da menor, os quais deverão conter as seguintes informações: i. Cópia da presente...
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