Acórdão nº 1516/15.0T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução12 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1516/15.0T8BJA.E1 Tribunal Judicial da comarca de Beja Juízo Central Cível e Criminal de Beja – Juiz 2 Relatório (…) e mulher, (…), por si e na qualidade de representantes legais de sua filha menor (…), com eles residente, instauraram contra (…) e outros, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, tendo em vista efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de aviação de que foi vítima a menor, pedindo a final a condenação solidária dos RR: “a) a pagar aos AA. a quantia global de € 7.946,51 a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; b) a pagar à menor (…), representada pelos AA, uma indemnização no valor global de € 50.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; c) a pagar aos AA uma indemnização no valor global de € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; d) a indemnizar os AA, por si e em representação de sua filha menor, dos danos futuros que venham a apurar-se, a liquidar em execução de sentença”. Em articulado aperfeiçoado alegaram ter ocorrido um acidente de aviação no dia 1 de Janeiro de 2015, no aeródromo de Beja, que consistiu na queda da aeronave ultraleve com a matrícula CS-(…) e n.º de série (…), propriedade do réu (…), que a tripulava, nela seguindo como passageira a menor (…). Em consequência os AA sofreram os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que discriminaram, por cujo ressarcimento é aquele réu responsável, uma vez que a queda da aeronave ficou a dever-se a conduta culposa ao mesmo imputável, sendo certo que sempre responderia, independentemente de culpa, nos termos dos art.ºs 40.º do DL 238/2004 e 3.º do DL 321/89. Tendo os autos prosseguido apenas contra o R. (…), apresentou este contestação na qual se defendeu por impugnação e, tendo imputado a queda da aeronave a inesperada conduta da menor (…), deduziu a final pedido reconvencional contra os AA, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 54.398,26, correspondendo € 34.398,26 aos danos de natureza patrimonial sofridos e reclamando € 20.000,00 para compensação dos danos de natureza não patrimonial. Replicaram os AA, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional. * Foi proferido despacho saneador, com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova. Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo que da acta consta, no termo da qual foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e a reconvenção, absolvendo o R e os AA reconvindos dos pedidos reciprocamente formulados. Inconformados, recorreram os AA e, com ostensiva desconsideração pelo comando plasmado no art.º 639.º, no seu n.º 1,formularam a final extensas 79 conclusões, das quais se extraem, por relevantes, as seguintes: i. foram mal julgados os factos constantes dos pontos 9., 14., 20., 21., 32., 64. e al. d) do n.º 74. dos factos provados e als. B) e F) da matéria não provada; ii. O ponto 9. deve ser alterado nos termos que resultam do relatório elaborado pelo GPIAA, máxime na pág. 23, e testemunhos prestados por (…) e (…), nas passagens identificadas; iii. A redacção do ponto 14. deve ser igualmente alterada no sentido proposto, considerando o teor das declarações de parte prestadas pela menor; iv. Também ao facto provado n.º 20 deverá ser aditada a expressão “o piloto”, conforme expressamente referido pelo A. (…) nas declarações de parte por si prestadas; v. Deverá ser especificado no ponto 21. que quem abriu a porta foi a testemunha (…), o que foi confirmado pelo próprio, na passagem identificada. vi. Deverá ser aditado ao ponto 32. o segmento indicado, o que decorreu das declarações de parte da menor (…) e do testemunho de (…), fisioterapeuta que a continua a acompanhar. vii. Deverá ser reformulada a redacção do ponto 64., dado o testemunho da psicóloga que a acompanhou, na passagem indicada; viii. Deve ser clarificada a matéria que ficou a constar da al. d) do ponto 74., acrescentando-se que, tal como resulta do testemunho prestado pela esposa do R., este suportou as despesas ali elencadas por não as ter comunicado atempadamente aos serviços sociais da GGD; x. deve ser parcialmente dada como provada a al. B) dos factos não provados, conforme resultou do relato rigoroso da menor (…) nas declarações que prestou na passagem indicada; xi. Deve ser dada como provada a factualidade constante da al. F), dada a personalidade estruturada, o carácter forte e a maturidade da menor à data do acidente, o que resulta dos testemunhos prestados por (…), (…) e (…), nas passagens que identificam, conjugados com as regras da experiência e declarações da própria (…); ix. A responsabilidade do réu resulta da aplicação do disposto no art.º 493.º, n.º 2, do CC, uma vez que a navegação aérea não pode deixar de se considerar uma actividade perigosa, conforme vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência; x. Ainda a entender-se que não é aplicável ao caso o regime do art.º 493.º, n.º 2, do CC será aplicável o disposto no art.º 40.º do DL 238/2994, de 18 de Dezembro, que consagra a responsabilidade objectiva dos pilotos e proprietários das aeronaves, salvo se o acidente se ficar a dever a culpa exclusiva do lesado, pelo que sempre o R. seria responsável. Com os descritos fundamentos requerem a modificação da matéria de facto nos termos apontados e a revogação da sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que condene o R nos pedidos formulados. * Também o réu impugnou a sentença, impugnação mandada seguir como recurso subordinado e, tendo apresentado alegações, rematou-as com as seguintes conclusões: “1.ª Pretende o recorrido (…), ao abrigo do disposto n.º 2 do art.º 636º do CPC impugnar a decisão sobre a matéria de facto e não impugnada pelos apelantes, em concreto o ponto 10 dos factos provados e os pontos L) e M) dos factos não provados; 2.ª A matéria constante do ponto 10 dos factos provados – 10. “O R. não realizou um briefing explicativo à menor”, deve ser alterada, dando-se antes como provado, face à prova testemunhal produzida e já indicada, que “10. O R. não realizou um briefing explicativo à menor, tendo-lhe dito apenas para não mexer em nada”. 3.ª Relativamente à matéria constante do ponto L) dos factos não provados – “À data do acidente a aeronave tinha um valor compreendido entre os € 25.000,00 e os € 30.000,00 – deve a mesma ser igualmente considerada provada face à existência de prova testemunhal e documental, conforme devidamente indicada em sede de alegações. 4.ª Relativamente ao Ponto M) constante dos factos não provados e tendo a sentença recorrida, dado como não provado M): “Os Réus deviam saber que a menor não possuía capacidade e maturidade para ter um baptismo de voo”, deve este passar a constar dos factos provados, tendo em conta que os apelantes (…) e (…) não lograram afastar a presunção legal de culpa que sobre eles impende, nos termos do art.º 491º do CC. 5.ª Em consequência desta alteração da matéria de facto de não provada para provada, deve o pedido reconvencional ser julgado procedente, por verificação de todos os pressupostos ínsitos no art.º 491º do CC, preceito que comina a responsabilidade das pessoas obrigadas à vigilância de outrem, através de uma presunção de culpa, configurando uma situação específica de responsabilidade subjetiva pela omissão, assentando na ideia de que não foram tomadas as necessárias precauções para evitar o dano, por omissão do dever de vigilância; 6.ª E pela não elisão da presunção de culpa, ou seja, pela inexistência de prova liberatória: a demonstração que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivesse cumprido. 7.ª Os pais da menor estavam obrigados à vigilância da sua filha menor (…), a quem deviam vigiar na sua atuação, ainda mais quando permitiram o embarque desta num ultraleve, num batismo de voo, descurando o dever de cuidado que uma atividade desta natureza pressupõe e o seu risco inerente. 8.ª Pelo que lhes cabia ter adotado todas as diligências necessárias e concretas a evitar qualquer comportamento que a menor (…) pudesse ter a bordo do ultraleve, factor de responsabilização acrescido pelo conhecimento que o pai (…) havia acabado de adquirir no voo que havia feito durante cerca de 45 minutos. 9.ª Os apelantes (…) e (…) não lograram demonstrar que cumpriram o dever de vigilância perante uma menor de 14 anos de acordo com o padrão de conduta que lhes era exigível naquele caso concreto. 10.ª Estando provado que o acidente se ficou a dever ao movimento da manche efetuado pela (…), conduta adequada à produção de danos para ambos os intervenientes, verifica-se estarmos perante uma atuação desconforme ao caso concreto, o que originou danos. 11.ª Em momento algum foi produzida qualquer prova no sentido dos pais terem tomado alguma diligência preventiva, nomeadamente informando a menor (e em especial o seu Pai … que havia acabado de voar) das sensações que iria ter a bordo daquela aeronave, prevenindo qualquer ataque de pânico ou qualquer receio durante o voo. 12.ª Conforme afirmou o apelante (…), conduziu a sua filha ao ultraleve, colocou-lhe os auscultadores e os cintos e fechou a porta. 13.ª E o apelado (…) apenas lhe disse “não mexas em nada”. 14.ª Daí que, salvo o devido respeito entendemos que os elementos factuais disponíveis permitem afirmar a ilicitude da atuação da menor (…), quando subitamente puxa a manche do avião, provocando com esta atuação o acidente, não tendo sido feita prova suficiente que permita afastar a presunção de culpa por facto próprio dos seus progenitores”. Com os aludidos fundamentos concluiu pela alteração da matéria de facto no sentido pretendido e consequente condenação dos AA reconvindos no pedido reconvencional formulado. * Os AA contra alegaram e, tendo...

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