Acórdão nº 340/17.0PBOER.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE GONÇALVES
Data da Resolução11 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

No processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 340/17.0PBOER, o arguido J. , melhor identificado nos autos, foi pronunciado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal (acusação a fls. 191 e ss./despacho de pronúncia a fls. 270 e ss.).

O Ministério Público requereu, ao abrigo do disposto no artigo 82.º-A, do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 21.º, n.º 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, que fosse arbitrada uma quantia a IC , a título de reparação pelos prejuízos sofridos.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto:

  1. Condeno o arguido, J. , pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1 al. b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro meses) de prisão, que decido suspender na sua execução, por igual regime de prova previsto nos artigos 53.º e 54.º do Código Penal, ex-vi artigo 34° - B da Lei n° 112/2009, de 16 de Setembro, e consequente submissão ao cumprimento de plano individual de readaptação social.

  2. Nos termos do disposto nos artigos 82.º-A do Código de Processo Penal e 21.º, n.º 2 da Lei n° 112/2009, arbitro a IC a indemnização de € 600,00 (seiscentos euros), condenando o arguido no pagamento desta quantia.

    (…)» 2. O arguido recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): 1) O Tribunal a quo deu erradamente como provado, no facto provado n.º 1, que o arguido e IC mantiveram uma relação de namoro desde data não concretamente apurada mas anterior a Junho de 2014 e até 21 de Março de 2016; 2) Em sede de motivação de facto alude-se a que esse relacionamento, não obstante a sua conturbação, era marcado por troca de afectos e intimidades, nomeadamente de cariz sexual e assentava num compromisso monogâmico em termos convencionalmente aceites, sendo que, estas considerações foram colocadas em causa quando se alude a que a partir de 2014 a relação deixou de estar numa fase de construção afectiva; 3) Ora, se a partir de 2014 a relação deixou de estar numa fase de construção afectiva, dificilmente se concebe que a mesma contenha troca de afectos e intimidades; 4) Sendo que, o referenciado na motivação se afasta daquilo que a jurisprudência nacional considera necessário para a verificação do tipo criminal do artigo 152.º, do Código Penal, dado que só concebe a incriminação pelo crime de violência doméstica existindo um namoro estável, firme, duradouro, sólido, com base numa relação de confiança e proximidade afectiva na busca de um projecto de voda em comum; 5) Ora, das declarações da própria Queixosa, IC , resulta que inexistiu qualquer relação sustentada em elementos sólidos e indesmentíveis, nomeadamente quando afirma, entre outras: - Não vivemos como marido e mulher (0:00:02.2 - pág. 2) - A relação teve muitos fins. Houve muitas, muitas peripécias c terminou muitas vezes. A primeira vez foi no início de 2014. (...) Depois foi cm Agosto de 2014. Pronto. E foi sempre assim. (0:01:06.0 - pág. 4) - Tudo o que eu fiz eu fiz nesse sentido. Eu não construir efectivamente e fui clara (...) as coisas não funcionam (0:40:21.0 - pág. 34) - Não existia situação de partilha. O que acontecia, quando nós estivemos muito tempo sem, sem nos relacionarmos, muito tempo, eu não sei especificar (0:40:21.0 -pág. 34) - Agora que eu ficava com ele de vez em quando, mas já não me recordo se... imperceptível ...ficava um fim de semana, isso acontecia. À 6.ª feira, agente podia ir jantar fora, conversar e as coisas começavam. Porque eu não, não tinha apetência para, para estar já com o J. depois destas situações... imperceptível... (0:41:26.2 - pág. 35) - Os encontros, para mim, efectivamente, não funcionavam. Portanto, não, quando não funciona no meu coração, não, não funciona em termos de disponibilidade (reportado ao ano de 2015) - (0:41:26.2 - pág. 36) - Então a partir de Julho de 2014 era como se não existisse já namoro (Advogado) - (0:42:24.0 - pág. 36) - Praticamente. (IC) - (0:42:24.0 - pág. 36) - É como se não existisse já namoro. (Advogado) - (0:42:24.0 - pág. 36) - Sim. Sim. Agora que eu dormia lá de vez em quando, de 6.ª para sábado, de sábado para domingo, sim. Eu tinha lá coisas essenciais, se calhar uma pasta dos dentes, uma cueca, um... sim. (IC ) - (0:42:24.0 - pág. 36) - Não planeávamos férias em conjunto. Nós nunca fomos de férias em conjunto. (0:43:16.9 - pág. 37) - Passámos um fim-de-semana, eventualmente, um ou outro fim-de-semana. Agora ferias cm conjunto não. (0:43:16.9 - pág. 37) - Mas e cm relação a partilha de encargos também não existia?. (Advogado) - (0:43:16.9 - pág. 37) - Também não existia (...) Cada um vivia na sua casa. (IC ) -v(0:43:16.9-pág. 37e38) - Certo. Também nunca tiveram nenhuma conta conjunta, nem nada disso? (Advogado) - (0:43:16.9 - pág. 38) - Não. (IC ) - (0:43:16.9 - pág. 38) 6) Sendo que à questão colocada sobre se A partir de julho de 2014 havia alguma partilha, por exemplo, sei lá, de despesas ou de coisas que tivessem que decidir em conjunto? Decidiam coisas em conjunto? Planeavam férias em conjunto? A Recorrida respondeu "Não", tendo ainda referido que "Não planeávamos férias em conjunto. Nós nunca fomos de férias em conjunto" (0:43:16.9 - pág. 37) 7) Reforçando esta posição, a testemunha AM , que foi quem apresentou ambos, nunca se apercebeu de que namorassem; 8) Nesse sentido tenha-se em conta as seguintes partes do seu depoimento: "... não, eles nunca tiveram propriamente, enfim, se me permitem posso-vos contar mais ou menos como é que as coisas surgiram, enfim, cu conheci-os, eu estava em Sintra, depois vim para Oeiras, depois na altura conheci a IC , c a IC , houve um dia que já conhecia ali o J. , propôs que houvesse um jantar com outras pessoas c eu levei o J. , c eles conheceram-se nessa data, pronto. Eles tiveram um relacionamento, cu agora vou ter de contar outra coisa, que eu não o conheci, pronto eu só o conheci, eu só soube do relacionamento que eles tiveram ou supostamente tiveram, acho que não tiveram, praticamente na fase terminal, portanto e eu no meio dava-me com um e com o outro, mas eu não sabia da, da ..." (0:09:14.4 - pág. 10) e ainda " (...) "Portanto quer dizer, eu relacionava-me com eles, com ambos absolutamente normal, não sabia sequer do relacionamento deles" (0:10:22.3 - pág. 10); 9) A circunstância de ambos terem omitido que namoravam ao amigo comum, que os apresentou, é um sinal forte de inexistência da relação com o cariz de namoro; 10) Por seu turno, a testemunha MI , amiga do Recorrente, inquirida e com interesse para o que esse particular concerne, referiu: "Naquela altura, não, não, não havia absolutamente nada, enquanto eu estive com ele, naqueles momentos não, não havia, não havia nada" (0:02:52.2 - pág. 3); 11) Acresce referir que a testemunha NC , que foi namorada do Recorrente, relatou um facto específico que teve a ver com a circunstância do Recorrente ter sofrido um acidente com o seu motociclo, ainda antes de Março de 2016, não tendo contado com a ajuda e apoio da Recorrida; 18) Nessa parte tenha-se em conta as seguintes partes do seu depoimento: "Pronto porque havia... pronto, não havia... havia desentendimentos, não havia apoio... o apoio normal que uma pessoa que supostamente tem uma relação connosco é suposto dar." (0:03:33.7 - pág. 5) e, mais à frente "Pois não tenho conhecimento. Aquilo que... que o J. me transmitia sobre essa relação na altura era que pronto ele gostaria que existissem projectos para o futuro, mas que de facto não existiam, não havia uma... uma intenção conjunta de projectos para o futuro. Era isso que o J. transmitia e era essa a percepção que eu tinha daquilo que o João... Peco desculpa, daquilo que o J. me transmitia." (0:05:54.6 - pág. 6); 19) Da conjugação destes depoimentos o que se infere é que o relacionamento entre o Recorrente e a queixosa nunca foi firme, duradouro, sólido, apaixonado, com sentido de entre ajuda e confiança mútua e com projectos de vida para o futuro; 20) A mesma testemunha, convidada a apresentar um exemplo específico acerca da falta de apoio por parte da requerida ao Requerente, respondeu: "Consigo, pronto quando o pai do J. morreu a pessoa, portanto o J. teve que pedir por favor à pessoa para... para ela ir ao funeral, quando o J. teve um acidente também em 2014, a pessoa também praticamente que não lhe deu nenhum apoio, pronto basicamente... assim cm grandes linhas é isso que me falou" (0:03:33.7 - pág.5); 21) Como tal, o facto provado n.º 1 deve alterar-se no seguinte sentido: "O arguido e IC , mantiveram uma relação instável, sem projecto de vida cm comum, sem partilha c envolvimento afectivo sério, desde data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2014 e até 21 de Março de 2016"; 22) Por seu turno, o facto provado 2) tem que sofrer uma alteração na parte em que considerou como amorosa a relação entre o Recorrente e a queixosa; 23) Na realidade, do depoimento da própria queixosa IC , resultou expressamente que a partir de Junho de 2014 era como seja não existisse namoro (0:42:24.0 - pág.36), e que "não planeavam férias em conjunto, nunca foram de férias em conjunto" (0:43:16.9 - pág.37) e que apenas "passaram um fim-de-semana eventualmente, um outro fim-de-semana" (0:43:16.9 -pág.37) e que "não existia situação de partilha" e "estavam muito tempo sem se relacionar" (0:40:21.0 - pág.34), invocando "eu já não tinha apetência para estar com o J. ", pois "os encontros efectivamente não funcionavam" (0:41:26.2 - pág.35), referindo ainda que "quando não funciona no meu coração, não, não funciona em termos de disponibilidade" (0:41:26.2 - pág.35); 24) Igualmente do depoimento de outras testemunhas resulta que a relação era praticamente inexistente em relação à componente amorosa, e nesse...

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