Acórdão nº 3371/10.7TXPRT-M.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução12 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No Tribunal de Execução de Penas de Coimbra correm termos os autos de concessão da liberdade condicional nº 3371/10.7TXPRT-F, relativos ao condenado …, nos quais, por despacho de 23 de Março de 2019, lhe foi negada a concessão da liberdade condicional.

* Inconformada com o decidido, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. A liberdade condicional tem a maior importância no sistema de execução da pena de prisão, em especial na execução das penas de média e longa duração, na medida em que afasta os inconvenientes de uma permanência em reclusão por períodos demasiado longos, quando tal deixe de se justificar, e porque assegura uma transição menos brusca da reclusão prisional para a liberdade total, tal como se escreveu nas recomendações do relatório CEDERSP (Comissão para o Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional).

  1. Com este pressuposto, deveria o tribunal ter colocado o condenado em liberdade condicional aos dois terços da pena de 2 anos e 2 meses de prisão, que cumpre e pela autoria ele um crime de violência doméstica, com acréscimo ela pena de prisão ele 66 dias de prisão subsidiária, pela autoria de um crime de dano simples, dado que o termo dessas penas vai acontecer em 23/11/2019 e mais nenhuma outra apreciação acontecerá.

  2. Não sendo concedida a liberdade condicional ao condenado, sairá ele no termo da pena, em Novembro de 2019, sem qualquer acompanhamento e encaminhamento, sem rede, o que é claramente desaconselhado pela doutrina, pelo direito e pela prática judiciária.

    4. O conselho técnico foi unanimemente favorável à libertação, e o Ministério Público emitiu parecer favorável.

  3. Foi positiva a evolução do condenado durante a execução da pena – bom relacionamento interpessoal; trabalhador na brigada agrícola na Quinta (...) – extensão do estabelecimento prisional, com competência e empenho; sem registos disciplinares; frequência de formação em competências básicas; RAI desde Outubro de 2018, pese embora não tenha gozado licenças de saída; problema aditivo/abuso nos consumos de álcool aparentemente controlado, tendo já sido assistido em consultas de alcoologia e aceitando a continuação desse acompanhamento, mesmo em liberdade; sem registo de testes de despiste de consumos com resultados positivos.

  4. A interiorização da culpa e o arrependimento constituem uma meta desejável à luz das finalidades subjacentes à sua aplicação mas não são requisitos indispensáveis à colocação de um condenado em liberdade condicional, mormente quando atingidos os dois terços da pena. Isto mesmo se escreveu no acórdão do tribunal da relação do Porto, de 10/10/2012, publicado em www.dgsi.pt – "I – Não é requisito de concessão da liberdade condicional (a meio da pena ou cumpridos dois terços da mesma, nos termos dos nºs 2 e 3 do referido artigo 61º) que o condenado revele arrependimento e interiorize a sua culpa. II – Tal é, seguramente, uma meta desejável a luz das finalidades da pena, mas que supõe uma mudança interior que não pode, obviamente, ser imposta. (…)" nosso sublinhado.

    7. Por isso, não poderá constituir entrave à libertação, nas precisas circunstâncias do caso, o fundamento da ausência de consciência crítica e que é, afinal, a verdadeira razão da decisão. Na verdade, o condenado sempre manteve a sua versão dos factos, negando uns, reconhecendo outros, poderia ter assumido os crimes em audição, instrumentalizando essa assunção para conseguir a liberdade, corno é, de resto, prática comum, sendo certo que não vão ser mais oito meses de prisão que vão fazer a diferença nesse particular. Regista-se, contudo, que o condenado demonstrou bastante emoção na sua audição quando se debruçou sobre o seu passado, chegando às lágrimas, o que não consta da acta, nem teria de constar; constatou-se na imediação, e já o Professor Doutor Pessoa Vaz a referia como sobejamente importante nas decisões judiciais.

  5. Também não pode proceder o argumento da "ausência de mudança interna, mais a mais num recluso que já anteriormente cumpriu pena de prisão por duas vezes, impede a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro em meio livre.

    ", pois que as anteriores condenações, que na decisão se não concretizam, já não constam do certificado de registo criminal, e as correspondentes reclusões, que se reportam aos anos de 2005/2006 e 2010, deveram-se a crimes de condução de veículo em estado de embriaguez ou de condução sem habilitação legal, sendo temerário carreá-las para formular um juízo de prognose e justificar uma não colocação em liberdade condicional estando em causa crime de natureza absolutamente diversa.

    9. Igualmente não pode colher o facto de "não dispor de adequado apoio no exterior, que por alguma forma, favorecesse a sua reintegração e ao mesmo tempo, funcionasse como inibidor de futuros comportamentos delituosos, como nem sequer iniciou o seu processo de aproximação ao meio livre.", porque também este argumento, em vez de funcionar em desfavor da liberdade condicional, deveria ter sido valorado como factor justificativo de um tempo de liberdade acompanhada, assim sendo possibilitado o encaminhamento e auxílio do libertado; doutro modo, ficará ele entregue à sua sorte aquando da saída do estabelecimento prisional, sem qualquer rede de suporte, sem qualquer entidade que o auxilie na reentrada em meio livre, o que vai manifestamente contra os princípios subjacentes ao instituto. Ainda assim, o condenado tem possibilidade de vir a trabalhar para antigo patrão, sendo que trabalhou durante vinte e sete anos como manobrador de máquinas por conta de empresa que prestou serviços para a …, e tem competências para o trabalho na agricultura. Além disso, dispõe do apoio afectivo dos irmãos e da filha, ainda que sem capacidade para o acolherem nas suas casas.

  6. Também não pode constituir obstáculo à libertação a questão da problemática alcoólica em razão do seu não devido reconhecimento, uma vez que, como se alude na decisão, a reclusão permitiu a manutenção da abstinência, demonstrada por testes de despiste negativos e com adequado acompanhamento, e o condenado aceita prossegui r em liberdade com consultas de alcoologia no centro de saúde, continuando, portanto, o acompanhamento em curso. O não reconhecimento do alcoolismo, muitas vezes por vergonha, é recorrente e é exactamente nessas situações que se torna muito importante o auxílio que a liberdade condicional pode proporcionar através dos técnicos da reinserção social, o que não acontecerá se libertado sem mais. Refira-se, contudo, que o condenado assumiu consumos excessivos de álcool nas audições.

  7. Por fim, mas não menos importante, importa notar que a vítima do crime de violência doméstica, que havia refeito a sua vida sentimental após a prisão do condenado, faleceu em Novembro de 2018, por causas não relacionadas com o crime, inexistindo, agora, o sempre temível e muito inquietante risco de reincidência nos casos de cumprimento de pena pelo crime de violência doméstica – o dos posteriores contactos com as vítimas ou o do reatar de relacionamentos após a salda da cadeia, com ocultos sentimentos de retaliação, de vingança.

  8. A violência doméstica é uma realidade dramática no nosso país a exigir muita atenção e elevadas cautelas na prevenção e no acompanhamento posterior ao cumprimento de pena, e é evidente que com o recurso não se está a desvalorizar, nem poderia, o crime cometido, a resistente capacidade crítica, que até poderia ter sido instrumentalizada em audição, com assunção do crime com vista à obtenção da liberdade, e nem se considera de menor importância a problemática aditiva, mas importa ajustar e equilibrar a apreciação e a decisão dos casos, sempre com a ressalva de que cada um contém as suas próprias especificidades.

  9. Decidiu mal a senhora juíza ao não conceder a liberdade condicional em tais circunstâncias.

  10. A decisão viola o disposto no artigo 61 º do código penal.

  11. O recurso deve ser julgado procedente e o despacho revogado e substituído por outro que conceda a liberdade condicional ao condenado.

    Vossas Excelências decidirão.

    * O condenado não respondeu ao recurso.

    * Igualmente inconformado com o decidido, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: 1. O Recorrente está a cumprir uma pena de prisão de 2 anos e 2 meses pela condenação da prática de um crime de violência doméstica, bem como de uma pena de prisão subsidiária de 66 dias pelo crime de dano simples, sendo que os dois terços da pena tiveram lugar no passado dia 4 de Março; 2. Houve parecer favorável do conselho técnico e do Ministério Público à liberdade condicional, na medida em que o Recorrente tem tido uma evolução favorável ao longo do cumprimento da pena; 3. Não obstante, a Mma. Juiz "a quo" entendeu não conceder a liberdade condicional dado que o juízo de prognose não era favorável por força da ausência de sentido crítico e reflexão quanto aos crimes praticados por parte do Recorrente; 4. O juízo de prognose tem como finalidade perceber se o condenado, em liberdade, pode conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, com base nas circunstâncias concretas do caso, na sua vida anterior, na sua personalidade e na evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão; 5. O Recorrente está em RAI desde Outubro de 2018, frequenta actividades de cariz sócio-cultural e profissional, trabalha na brigada agrícola da Quinta (...) com desempenho positivo, está a ser seguido em consultas de alcoologia, não tem registo de infracções disciplinares e o seu comportamento é considerado bom; 6. O Recorrente tinha estabilidade profissional, trabalhou durante quase três décadas para a mesma entidade empregadora e só a insolvência desta o deixou no desemprego. Porém, tal não o impediu de voltar a encontrar trabalho e ter uma vida...

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